Viradouro, 3 de agosto de 2043
Num agosto dos idos de vinte, ao lado da Priscila, participei num auspicioso encontro e, durante alguns anos, ajudei devotados trabalhadores da educação a colocar alicerces no sonho de um prefeito. Mogi tinha condições de vir a ser um potencial locus de inovação. Com a ajuda da Tina, a Bia e a Noeli assumiam uma exigente coerência praxeológica, não confundindo mudança educacional com modismos importados da Finlândia. Só faltava assegurar continuidade, efetivas mudanças.
“Só o que está morto não muda!” – dissera a Clarice – e o que estava morto deveria ser enterrado. Na cartinha de anteontem, vos falei dos primeiros tempos do projeto “Fazer a Ponte”, tempo de ousadia e resiliência. tempo de desobediência civil. Hoje, vos trarei notícia do início do fim desse tempo opróbrio, feito de obsoletas práticas, que não resistiam ao ímpeto de sete perguntas:
Por que aprendemos? O que precisamos aprender? Quando aprendemos? Onde aprendemos? Com o quê e com quem aprendemos? Como aprendemos? Como sabemos que aprendemos?
Em simultâneo com a leitura crítica dos projetos das escolas, esse arrolamento de questões essenciais foi uma das primeiras tarefas dos processos de mudança conducentes à inovação, à conceção da nova construção social de aprendizagem, inúmeras vezes teorizadas e jamais experienciadas.
Estávamos no agosto de vinte e três. À medida que iam sendo dadas respostas práticas a tais perguntas, logo defrontávamos sete obstáculos.
O primeiro obstáculo à mudança seria eu, se não modificar a minha cultura profissional.
O segundo obstáculo se configurava nas famílias e numa sociedade doente, que “achava que a escola deveria ser como sempre foi” ignorando que nem sempre fora assim.
O terceiro consistia na reação dos alunos, sobretudo universitários viciados em práticas de sala de aula, apenas desejosos de obter um diploma.
O quarto obstáculo decorria da formação inicial e continuada, que teoricamente propunha mudança, mas reproduzia um modelo educacional herdado da primeira revolução industrial.
Lideranças tóxicas que, da administração à direção das escolas, engendravam normativos de cariz técnico-instrumental, se constituíam num quinto obstáculo.
As nefastas intervenções dos áulicos, “especialistas e doutores em educação” saídos das catacumbas da educação do século XIX, eram o sexto obstáculo.
O sétimo era aquele que eu considerava mais doloroso de aceitar – o maior aliado de um professor era outro professor, e o maior inimigo do professor que ousava fazer algo diferente era… outro professor.
Eram sete as perguntas, sete eram os obstáculos e sete os modos de os ultrapassar. Bastaria invocar os pilares da educação da UNESCO e juntar-lhe mais três. Deveríamos reaprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. Também, a desobedecer, a fundamentar e a desaparecer. Sabíamos que a solidariedade deveria andar a par com o desprendimento, com o dom do desapego.
Situações vis, vividas em lugares onde uma nova educação acontecia foram a gota de água que faltava para fazer transbordar um copo meio-cheio. É, netos queridos, o vosso avô ainda hoje se refugia em aquosas metáforas, para não dizer da indignação sentida, quando recorda perdas e danos.
Respeitando a atitude conservadora daqueles professores que não queriam mudar, valendo-se da intuição e da amorosidade, não fazendo das crianças cobaias de laboratório, houve quem fizesse jus à memória de Freire. Mas, em muitos lugares, as mazelas do “sistema” deram origem a cemitérios de projetos.
Como ultrapassaríamos os obstáculos?
Por: José Pacheco
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