Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXVII)

Itacoatiara, 5 de agosto de 2043

Na obra “O Brasil como problema”, Darcy questionava: “Quem implantou esse sistema perverso e pervertido?” E propunha um diagnóstico dos obstáculos cruciais, que a nação brasileira precisaria ultrapassar. 

Desde há décadas, a UNESCO e dezenas de outras  organizações, não atinavam com a resposta. mas, ela constava dos manuais de Sociologia, Filosofia, História, ou Psicologia da Educação – se o sistema era perverso e pervertido, mudássemos de sistema. 

Uma pesquisa realizada entre setembro de vinte e dois e abril de vinte e três, dava conta do descalabro. Amanhã, vos enviarei um relatório. Não sei se deverei dar-lhe esse nome, ou se deverei chamar-lhe a “gota de água”, que fez transbordar impaciência.  

Nesse tempo, impunemente, as escolas não cumpriam a Constituição, nem a Lei de Bases. O Estado não cumpria acordos internacionais, que tinha assumido. E eu reagia, viajando sem cessar, ao encontro de educadores vivos, escrevendo esperançosas cartas, crente de que o exemplo de vida de educadores de eleição fosse origem de novas aprendizagens. Ledo engano!

A minha andarilhagem não consentiu que eu beneficiasse de estabilidade afetiva. De lugar em lugar, entre o palco de congressos e o chão das escolas, fui levando uma vida nomade. Na minha centésima ida a Belo Horizonte, pensava poder dispor de um tempo de convívio com amigos que lá tinha deixado. Não tive. Em Confins, o voo não esperaria por retardatários. 

Apenas pude trocar breves palavras com a minha amiga Norma. Passados alguns dias, enviou-me esta mensagem:

“Vc tem buscado nos ensinar, durante anos de convivência no Brasil, a vivenciar comunidades de aprendizagem. Porém, sem conseguir na sua plenitude e continuidade. 

O importante é saber que temos iniciativas de implementar dispositivos e mudança de cultura, em diferentes escolas, pelas quais passou. São iniciativas incipientes, mas tendo vc também como referência. 

Tenho me esforçado para fazer diferença nas escolas onde atuo e atuei, desde que conheci Paulo Freire e você, Zé. Peço desculpas por mim e por outros com os quais convivo e convivi por não conseguirmos. Tentamos alçar vôos na implementação de comunidades de aprendizagem e, infelizmente, não conseguimos. 

Vou me organizar para participar nos encontros de formação, das quartas-feiras e dos sábados.”

Disse à minha amiga que, embreve, seria divulgado o acesso a esses encontros. Fui prepará-los, começando por elaborar um relatório do trabalho realizado até ao fim do “recesso” brasileiro e a meio do período de férias português. Estávamos no agosto de vinte e três e ainda vigorava um sistema de tempo-padrão, ainda havia recessos e férias, como se a inteligência dos alunos parasse de funcionar em dezembro e voltasse a funcionar em fevereiro (em Portugal, entre junho e setembro).

Muito tempo atrás, o Olivier avisava que aprender, em todos os domínios, era desaprender, mudar de hábitos no mais íntimo do ser humano. Aprender era romper com hábitos que se tornaram uma segunda natureza, abandonar pseudocertezas, afastar “obstáculos epistemológicos” oriundos da tradição e da experiência ingénua.

Durante a primeira das pandemias, lancei apelos vários, convites a uma decisão ética. Apercebendo-me de que os professores nada tinham aprendido com a Covid e que a administração educacional se mantinha hierárquica e autoritária como antes era, que as práticas se mantinham tão excludentes como dantes, o que restaria fazer? 

No agosto de vinte e três, pusemos em prática a teoria que o Olivier e outros distintos mestres nos legaram. 

 

Por: José Pacheco

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