Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXVIII)

Santa Rosa, 6 de agosto de 2043

Há trinta anos, a imagem que junto a esta cartinha foi colhida quando aprendíamos a construir comunidades de aprendizagem, segundo uma visão de mundo sustentável. Era um tempo de promessas de mudança. Depois, foi um tempo de sonhos traídos. Talvez por isso, a Bruna perguntasse:

“Por que já não pões poesia naquilo que escreves?”

Disse-lhe que, no Gaia Escola, a poesia era uma arma carregada de futuro. E que o idealizado futuro fora hipotecado. 

Mas, no agosto de vinte três, a poesia estava na rua, nas casas, na Internet, consubstancializada em tangíveis gestos. Os sobreviventes de um tempo feito de desamor e medo ressurgiam como freireana fénix e se doavam em amor e coragem.

Na “volta às aulas” do fim de um “recesso”, se reativava, um “grupo de trabalho”. Essas vetustas expressões se juntavam a absurdas locuções, como “carga horária”, e a outras antigas enunciações, como “relatório”. Pois foi um relatório elaborado, ao final de meio ano de reuniões de um GT, que marcou o rumo de poéticos gestos cotidianos. Entre a palavra escrita e a palavra em ato, se concretizou a poesia de Mia Couto: “O poeta faz agricultura às avessas / numa única semente / planta a terra inteira.”

Eis o que constava de um “relatório” pleno de potencial poético:

“O presente relatório contempla o conjunto de atividades desenvolvidas nos primeiros 180 dias de funcionamento do GT criado para o cumprimento efetivo do estabelecido na Constituição da Federação, na Lei de Diretrizes e Bases, na Declaração Universal dos Direitos da Criança, no ECA e nos projetos político-pedagógicos das escolas, de modo a garantir a todos o direito à educação e um desenvolvimento comunitário sustentável.

No período antes referido, com o propósito de viabilizar a criação de uma rede de protótipos de comunidades e aprendizagem, foram efetuados encontros de formação presencial e à distância. Entre encontros, me mantive disponível para acompanhamento do processo de instalação de dispositivos de relação, para a introdução de práticas de currículo tridimensional, de instrumentos de avaliação e do trabalho em círculo de aprendizagem.

A intervenção direta nas escolas permite fazer um “ponto de situação” e planejar próximos passos. Mostrou-se evidente a necessidade de revisão do tipo de formação de professores, porque milhares de cursos não lograram alterar a qualidade da educação. Urge promover uma formação de profissionais de desenvolvimento humano em contexto de inovação educacional, na prática de modalidades de formação propiciadoras de condições de mudança. Ouso sugerir ao departamento de formação, a criação de um círculo de estudos no âmbito do desenvolvimento curricular, estudo de legislação e alfabetização linguística, por serem domínios de intervenção urgente. Urge deixar de considerar o formando como objeto a capacitar e conceber o professor sujeito de aprendizagem, na dignidade do exercício da profissão, e no contexto de uma equipe de projeto. 

A utilização das tecnologias digitais de informação e comunicação ficou comprometida, dada a falta de uma Internet estável. Mas, apesar das dificuldades, foi possível propiciar aos alunos, a realização de algumas pesquisas, com recurso aos celulares das suas tutoras.

Ainda que precariamente – e mercê do elevado profissionalismo de algumas professoras –, foram formadas equipes de projeto e esboçado o funcionamento de turmas-piloto. De algum modo, foram supridas necessidades de reelaboração da cultura pessoal e profissional de excelentes profissionais. 

(continua)

 

Por: José Pacheco

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