Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXIX)

Leiria, 6 de outubro de 2043

Em 2023, educadores, sindicatos e universidades se uniram num esforço comum de “Defender a Escola Pública”, defendendo a continuidade de um projeto feito em equipe: o “Fazer a Ponte”. Já vos descrevi o Núcleo de Iniciação desse projeto. Junto, agora, uma síntese dos restantes. Em outra cartinha, entrarei em pormenores, pois o projeto evoluiu ao ponto de apenas considerar a existência de dois núcleos.

No Núcleo de Transição do período 1976-2004, algumas crianças permaneciam apenas o tempo necessário para reconstruírem os seus itinerários de aprendizagem. No encontro consigo e com os outros, a este núcleo chegavam crianças vindas de outras escolas. Vinham acompanhadas de relatórios elaborados por psicólogos, médicos, pedopsiquiatras. Careciam de tempo de adaptação. Precisavam de tempo e de um tipo de atenção que lhes facultassem a recuperação da autoestima e uma integração plena na comunidade que as acolhia. 

Os sujeitos de aprendizagem – os jovens já eram o centro do processo de aprendizagem – do Núcleo de Desenvolvimento circulavam em total liberdade pelos diversos espaços de aprendizagem (já não havia salas de aula) e conviviam numa estrutura familiar, sem separação em ciclos ou anos de escolaridade. Pela aproximação a um contexto de cariz eminentemente acolhedor, afetivo, se minimizava os efeitos da transição para uma vida escolar “diferente”, onde novos e disponíveis amigos ofereciam condições de estabilidade emocional, em “trabalho de pares” e de equipe. 

Passemos ao espaço e ao tempo de aprender, citando, novamente, Freinet:

“Organizamos minuciosamente a vida da escola para que desta organização decorram naturalmente o equilíbrio e a harmonia.” 

O derrubar das paredes libertou alunos e professores da rigidez dos espaços tradicionais e acompanhou o derrube de outros muros. Juntamente com alterações arquitetónicas, outras opções organizacionais marcaram a rutura com o modelo tradicional de organização da escola, que considerávamos não respeitar as individualidades, nem favorecer o sucesso de todos. Transformamos um “gueto escolar” num nodo de uma rede de aprendizagem chamada comunidade.

Também abolimos os efeitos de mecanismos de aprovação/reprovação, por não lhe encontrarmos sentido numa escola em que se procurava que tudo se conjugasse para proporcionar condições de uma efetiva gestão flexível do currículo. 

Esta excecional abertura das condições de organização do trabalho escolar viabilizou a criação de condições de eliminação de escolhos, que a organização tradicional impunha ao desenvolvimento de um projeto singular de educação, em que se procura estabelecer a coerência entre as vertentes cultural, socializadora e personalizadora da educação. 

A rutura com o instrucionismo e o incremento de uma nova cultura de escola geraram consequências a vários níveis. A partilha de conhecimento e a interajuda passou a ser quotidiana e em todo o sistema de relações, em todos os espaços de aprendizagem, na comunidade, a partir do exemplo dado pelo trabalho em equipe dos professores. 

A vivência “inclusiva, integrada e integradora” assumia um carácter formativo, veiculava valores sociais e normas por todos assumidas e elaboradas com a participação de todos. Na Ponte dos idos de setenta, vivia-se, cultivava-se, respirava-se a delicadeza no trato, a suavidade na voz, a afabilidade para com o colega e amigo, a disponibilidade da escuta, a atenção ao outro, a capacidade de expor e de se expor. 

Se tudo isso fora realizado em 1976, por que razão não o seria… em 2023?

 

Por: José Pacheco

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