Cubatão, 10 de outubro de 2043
Como vos disse, na breve passagem por Cubatão herdei uma dose suplementar de esperança. Reparai que falo de esperança e não de otimismo. Como diria o Rubem, o otimismo é da natureza do tempo, a esperança é da natureza da eternidade. Os gestos de um educador perduram por gerações, porque a esperança, ao contrário do que muita gente pensa, não é a última a morrer – a esperança nunca morre. Através dela e de ícones humanizadores, sobrevivemos, humanizamos e nos humanizamos.
Estava próximo o fim de um tempo. E o início de outros, claro! Tempos de regeneração, que me impeliam a um derradeiro esforço de andarilhagem e de afastamento de seres amados. Uma vida de contínua viagem privava o viajante de estabilidade afetiva e emocional. Mas, “abelha fazendo mel
vale o tempo que não voou”.
De Cubatão para São Paulo e dali para Brasília, Porto Seguro, ao encontro de educadores éticos. Como aqueles que me acolheram em Cubatão e a quem devo a “dose suplementar de esperança”: o Luís, a Karen, a Lidiane, o Guilherme, um sem fim de nomes de anónimos construtores de futuros. Porque os projetos humanos dos idos de vinte, como não me cansei de repetir, requeriam o abandono de estereótipos e preconceitos, exigiam que se transformasse uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender, que praticasse “educação integral”.
Anísio Teixeira, a maior referência do “Currículo em Movimento” concebia a ideia de uma educação integral, onde se acolhesse toda a amplitude do ser e se usasse como matéria-prima a própria vida:
“Se o nosso interesse é pela vida, aprender significa adquirir um novo modo de agir. Aprende-se através da reconstrução da experiência. Toda aprendizagem deve ser integrada à vida, ou seja, adquirida em uma experiência real de vida”.
O ser humano aprende quando tem um projeto de vida e o realiza nas dimensões cognitiva, afetiva, emocional, ética… é sempre um projeto de vida com os outros, numa escola em transformação, como Morin aconselhava:
“Temos a necessidade de reformar radicalmente o modelo de ensino nas universidades e escolas. O conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo. O modelo atual leva a negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança”.
Acompanhei o cotidiano de escolas que se preocupavam com a formação integral dos jovens e cujos professores se assumiram responsáveis por aquilo que fizeram de si, a partir do que deles a vida (e a escola) havia feito.
Infelizmente, subsistia a crença da transferência linear do conhecimento em sala de aula. Uma cultura sedimentada ao longo de quase três séculos reproduzia-se a si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emergência de novas práticas e mercantilizando a Escola Pública. Numa breve análise de conteúdo de propaganda enganosa, identifiquei os termos frequentemente usados e o que mais me irritava era o uso e abuso da expressão “educação integral”.
Os mercadores não faziam a mínima ideia do que isso fosse, mas logravam vender “poções mágicas”. No auge do estertor do instrucionismo, aprendizes de feiticeiro da educação lucravam com as preocupações de professores e pais, explorando a ingenuidade pedagógica da administração educacional.
Felizmente, secretarias de educação, como a de Cubatão, se abriam a novos tempos, a uma nova Educação. E para o vosso avô chegava o tempo de ir plantar árvore e olhar passarinho.
Por: José Pacheco
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