Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXXIII)

Cubatão, 10 de outubro de 2043

Como vos disse, na breve passagem por Cubatão herdei uma dose suplementar de esperança. Reparai que falo de esperança e não de otimismo. Como diria o Rubem, o otimismo é da natureza do tempo, a esperança é da natureza da eternidade. Os gestos de um educador perduram por gerações, porque a esperança, ao contrário do que muita gente pensa, não é a última a morrer – a esperança nunca morre. Através dela e de ícones humanizadores, sobrevivemos, humanizamos e nos humanizamos.

Estava próximo o fim de um tempo. E o início de outros, claro! Tempos de regeneração, que me impeliam a um derradeiro esforço de andarilhagem e de afastamento de seres amados. Uma vida de contínua viagem privava o viajante de estabilidade afetiva e emocional. Mas, “abelha fazendo mel
vale o tempo que não voou”.

De Cubatão para São Paulo e dali para Brasília, Porto Seguro, ao encontro de educadores éticos. Como aqueles que me acolheram em Cubatão e a quem devo a “dose suplementar de esperança”: o Luís, a Karen, a Lidiane, o Guilherme, um sem fim de nomes de anónimos construtores de futuros. Porque os projetos humanos dos idos de vinte, como não me cansei de repetir, requeriam o abandono de estereótipos e preconceitos, exigiam que se transformasse uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender, que praticasse “educação integral”. 

Anísio Teixeira, a maior referência do “Currículo em Movimento” concebia a ideia de uma educação integral, onde se acolhesse toda a amplitude do ser e se usasse como matéria-prima a própria vida: 

Se o nosso interesse é pela vida, aprender significa adquirir um novo modo de agir. Aprende-se através da reconstrução da experiência. Toda aprendizagem deve ser integrada à vida, ou seja, adquirida em uma experiência real de vida”.

O ser humano aprende quando tem um projeto de vida e o realiza nas dimensões cognitiva, afetiva, emocional, ética… é sempre um projeto de vida com os outros, numa escola em transformação, como Morin aconselhava: 

Temos a necessidade de reformar radicalmente o modelo de ensino nas universidades e escolas. O conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo. O modelo atual leva a negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança”

Acompanhei o cotidiano de escolas que se preocupavam com a formação integral dos jovens e cujos professores se assumiram responsáveis por aquilo que fizeram de si, a partir do que deles a vida (e a escola) havia feito. 

Infelizmente, subsistia a crença da transferência linear do conhecimento em sala de aula. Uma cultura sedimentada ao longo de quase três séculos reproduzia-se a si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emergência de novas práticas e mercantilizando a Escola Pública. Numa breve análise de conteúdo de propaganda enganosa, identifiquei os termos frequentemente usados e o que mais me irritava era o uso e abuso da expressão “educação integral”. 

Os mercadores não faziam a mínima ideia do que isso fosse, mas logravam vender “poções mágicas”. No auge do estertor do instrucionismo, aprendizes de feiticeiro da educação lucravam com as preocupações de professores e pais, explorando a ingenuidade pedagógica da administração educacional.

Felizmente, secretarias de educação, como a de Cubatão, se abriam a novos tempos, a uma nova Educação. E para o vosso avô chegava o tempo de ir plantar árvore e olhar passarinho. 

 

Por: José Pacheco

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