Fortaleza, 19 de outubro de 2043
E lá voltei a Fortaleza, para conversar com educadores e rever amigos. Também voltei para deixar um convite, pois senti que a secretária Dalila partilhava as mesmas preocupações da minha amiga Regina e de outros educadores com quem eu havia trabalhado, dez anos antes.
Isso mesmo! Passara uma década sobre o meu voluntariado no Kerigma. Também, sobre uma intensa participação nas conferências preparatórias do PNE e sobre a elaboração do “Terceiro Manifesto da Educação”.
Esse documento fora aprovado na primeira C.O.N.A.N.E. – Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação – e acolhido pelo Ministro da Educação, na pessoa da minha amiga Jaqueline Moll.
A Jaqueline fora subscritora do “Manifesto para uma Educação Democrática e Humanizadora”, de 2021. Eu acompanhara o excelente trabalho que ela havia desenvolvido no “Mais Educação”. E me orgulhava por estar ao lado dela e de outros admiráveis mestres, na assinatura desse manifesto, que era um convite à participação:
“Nós, professores e pesquisadores envolvidos em projetos e ações para uma educação democrática e humanizadora, queremos expressar aqui nossas preocupações em relação ao trabalho dos educadores em face do que vem acontecendo, neste momento, em nosso país, na política, na economia e, principalmente, na saúde e na educação.”
A elaboração do documento fora, também, um freiriano gesto de denúncia e anúncio, um ato de coragem:
“Em nome dos valores que compartilhamos em relação à vida, à saúde, à educação, ao ambiente, queremos expressar neste Manifesto nosso profundo desacordo com o que vem acontecendo em nosso país no campo político, econômico, cultural, sanitário e educacional e, ao mesmo tempo, chamar a atenção dos educadores brasileiros sobre os retrocessos atuais, principalmente nas áreas da educação e da escola.”
O manifesto denunciava “o desconhecimento por parte das autoridades do governo e dos políticos do Congresso Nacional do Plano Nacional de Educação 2014-2024”. Uma avaliação realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais revelara uma realidade preocupante. O Brasil apenas cumprira uma das vinte metas previstas para serem atingidas, entre 2014 e 2024. As restantes estavam longe de serem alcançadas ou apenas parcialmente tinham sido cumpridas.
A única meta integralmente atingida no PNE era aquela que se referia à formação de professores do ensino superior. E dessa formação nem é bom falar! O vosso avô teria muito que dizer sobre a deformação que, no “superior” se fazia. Se quiserdes, talvez o faça, mas em outra cartinha.
Ao cabo de vinte anos, o artigo 15º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional continuava sem efeitos práticos, situação agravada pelo fato de a administração educacional não ter cumprido a meta 19 no prazo estabelecido pelo Plano Nacional de Educação.
Isso mesmo: o poder público não cumpria leis que promulgava. Gestores escolares continuavam a assumir cargos por indicação de políticos e o “dever de obediência hierárquica” negava às escolas o direito à autonomia pedagógica, administrativa e financeira. Só quem não conhecesse a realidade do chão das escolas poderia crer que nelas fossem cumpridos os artigos 12º e 13º da LDBEN.
Um plano decenal havia fracassado. O próximo PNE poderia vir a ter o mesmo inglório destino. A corrupção, os conluios políticos, as práticas populistas dos candidatos do pleito eleitoral de 2024, poderiam deitar a perder mais uma oportunidade de mudança.
Até que o senhor ministro da educação decidiu deitar faladura.
Por: José Pacheco