Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDIX)

Inoã, 5 de novembro de 2043

Muitos anos atrás, no livro “Mágoas da Escola”, Daniel Pennac escrevia:

Eu era, portanto, um mau aluno. Na minha infância, chegava todos os dias a casa perseguido pela escola. 

As minhas cadernetas refletiam a censura dos professores. Quando não era o pior da turma, era o penúltimo. Impenetrável à aritmética primeiro, à matemática em seguida, profundamente disortográfico, refratário à memorização das datas e à localização dos pontos geográficos, inapto para a aprendizagem de línguas estrangeiras, considerado preguiçoso (lições não estudadas, deveres por fazer), levava para casa notas lamentáveis que nem a música, uma qualquer atividade desportiva ou extracurricular, de resto, conseguia remediar.

Compreendes? És, ao menos, capaz de compreender o que te explico?”

No velhinho Instagram, a Tina respondia ao Daniel, “explicava”, publicando textos de antologia, marcados pela coragem da denúncia. 

Essa boa amiga mereceria ser mais lida, mas aquele era um tempo de “influencers” fabricados com um marketing agressivo, e a educação não era assunto do interesse dos “influenciados”. 

Por isso, na tentativa de fazer um mínimo de justiça a uma pessoa ímpar e educadora humanizadora, transcrevo parte de um contundente texto da sua autoria, publicado há cerca de vinte anos. Se ainda estiver na Internet, valerá a pena que vades ler o que a Tina lá deixou. Podereis procura-la no endereço https://www.instagram.com/tinacarvalho_educadora/ 

Transformar a educação é meu propósito de vida. Minhas prioridades e decisões estão sempre ligadas a este propósito.

Eu não tenho tempo para lidar com preguiçosos parasitas e sanguessugas, nem para estar entre os que desfilam egos inflados e vaidades vazias.

Inquieto-me com invejosos medíocres, tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares e imitando seus talentos.

Já não tenho tempo para discutir paliativos inúteis sobre pseudo-inovações na educação, que só geram cortinas de fumaça, impedindo que se mexa no que realmente é necessário: a transição paradigmática.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos (Mário de Andrade). O tempo está escasso para os rótulos, é necessário debater a essência educacional. A infância tem pressa e a sanidade dos educadores também.

Quero estar com pessoas persistentes, insistentes e resistentes (Tião Rocha). Que mesmo com medo, encaram desafios e acreditam que é possível fazer escolas que são asas e que entendem o conceito de que ostra feliz não faz pérolas. (Rubem Alves).

Quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que se dedica para livrar as crianças e professores do “moedor de carnes” (Rubem Alves), através da Educação Humanizada em Comunidades de Aprendizagem.

Só quero caminhar perto de pessoas de verdade. O essencial é invisível aos olhos (Saint Exupéry). Basta o essencial.”

Um dos livros preferidos das crianças da Escola da Ponte era aquele que dava pelo título “Como um Romance”, obra do mesmo autor, o Daniel. Sobretudo, porque o autor listava os “Direitos imprescritíveis do leitor”:

O direito de não ler.

O direito de pular as páginas.

O direito de não terminar de ler o livro.

O direito de reler.

O direito de ler no importa o quê.

O direito ao “bovarismo” (doença textualmente transmissível).

O direito de ler não importa onde.

O direito de ler uma frase aqui e outra ali.

O direito de ler em voz alta.

O direito de se calar.

Calar-se era algo que a minha amiga Tina não conseguia. E ainda bem!

 

Por: José Pacheco

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