Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXVI)

Inoã, 12 de novembro de 2043

No encontro de Leiria, se falou de insignes educadores portugueses e brasileiros. de personagens da história da educação, de que muitos educadores desconheciam a existência. Escutei uma enfermeira falar de Bento de Jesus Caraça – uma enfermeira!

“Como dizia Bento de Jesus Caraça, “há sábios que não são homens cultos e, por isso, estou sempre pronto a corrigir os meus erros.” 

Esse eminente pedagogo defendia o direito de acesso universal aos bens culturais. E que, para que o povo pudesse ter uma visão geral do mundo e das suas vidas, os bens culturais deveriam de preço baixo e usar de uma linguagem ao alcance de todos.”

Bento nascera em 1901. Aprendera as primeiras letras ensinado por trabalhadores do campo. E alcançara o estatuto de professor catedrático aos 28 anos. Por estar associado a movimentos antifascistas, foi preso, torturado e impedido de lecionar.”

Nos idos de oitenta, no período da adesão à Comunidade Económica Europeia, eram frequentes os congressos de educação, para os quais cada país da “Comunidade” enviava os melhores dos seus projetos. 

Na Paris de 1985, a Ponte foi reconhecida como o melhor dos projetos dos doze países europeus presentes num desses encontros. Em 1996, na cidade de Viena de Áustria, visitei uma famosa instituição. No átrio do vetusto edifício, três enormes telas prenderam-me a atenção. Do lado esquerdo, a figura austera do Imperador Francisco José. Na tela da direita, a delicada fragilidade do imperatriz. Entre ambos, um quadro que refletia um desgaste de séculos. 

A luz do sol, ainda que filtrada, esbatera os tons vivos, restava a pálida dignidade da figura: um homem de ar grave e dócil postura. Quem seria? Que feitos lhe granjearam a honra de estar ladeado de imperadores? Talvez um relevante político austríaco do século XVIII ou XIX, talvez um pedagogo austríaco de nomeada. 

Aproximei-me, coloquei-me em posição de leitura da inscrição em letras góticas douradas. E ali estava um nome quebrado pelas fendas que o tempo imprimiu no verniz: Jacob Rodrigues Pereira. 

Senti que um insuspeito patriotismo se apossava de mim. Ao meu lado, professores de outros países liam a esbatida inscrição do quadro e interrogavam-se sobre quem seria aquela personagem. Antes que o cicerone se adiantasse, eu respondi – confesso que com uma pontinha de orgulho – tratar-se de um pedagogo português, que viveu no século XVIII e que dedicou a sua vida à educação de crianças surdas. 

Para alguns visitantes, tão ávidos de informação como reverentes perante o relevo concedido pela instituição ao dito pedagogo, acrescentei – em inglês e em francês, como mandava a circunstância – mais algumas curiosidades. Que, perante os prodígios operados por Jacob R. Pereira, o rei Luís XV lhe concedera uma pensão avultada, que uma academia francesa se rendera aos seus méritos, que fora repetidamente elogiado por sábios como Buffon, que o pedagogo português – e eu sublinhava a palavra “português” – publicara (em 1762) o estudo “Observations sur les sourds-muets”, que… 

Ali estava eu, português, professor, a reivindicar glórias pátrias. Mas, a mais de dois mil quilómetros de distância, quantos portugueses, quantos professores conheceriam sequer o nome e a obra de tão insigne pedagogo? 

Há mais de duzentos anos, Jacob Rodrigues Pereira disse, por exemplo, o que Piaget haveria de repetir muito mais tarde: que a inteligência (também) passa pelos sentidos. Sem retirar importância à obra de Piaget – em pormenor abordada em compêndios e teses – alguém saberá explicar por que se ostraciza o que é nacional e é bom?

 

Por: José Pacheco

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