Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXVII)

Camboinhas, 13 de novembro de 2043

Como referi na cartinha de ontem, foram muitas as vezes que disse a professores portugueses e brasileiros que lhes faltava amor próprio tanto quanto sobrava a síndrome do vira-lata e um sentimento de inferioridade relativamente ao estrangeiro. Foram muitas as vezes que pude testemunhar o quanto a melhor educação estava nos dois países onde me foi dado viver, e me desgostava que os professores portugueses e brasileiros desconhecessem a vida e a obra de uma extraordinária plêiade de educadores pátrios.

Haveria explicação para tal fenómeno? Após eu ter descrito a colegas austríacos os feitos de Jacob Rodrigues Pereira, apercebi-me de que a explicação estava a ser dada em alemão, pelos olhares indignados que sobre mim pousavam.

Calei-me. Senti-me penitente de pecados que não cometi e herdeiro de ignomínias. Caía inteiro sobre mim o peso do opróbrio, uma maldição que sucessivas gerações não apagaram. O cicerone, que apresentou a instituição de Viena referia estar Jacob sepultado no cemitério hebraico de Villette, em Paris. E algo se partiu cá dentro. 

Talvez inconscientemente, eu ocultara a dura realidade da diáspora judaica. Jacob Pereira, português, natural de Peniche, fora forçado a fugir de Portugal, para escapar às garras da Santa Inquisição. 

Efetivamente, o nosso país foi berço de génios que não mereceu, desde os filósofos judeus que se refugiaram nos Países Baixos – o caso de Spinoza – até aos que, não sendo judeus, foram eles próprios e pagaram pela ousadia. 

No encontro de Leiria, me reconciliei com tristes memórias, quando escutei falar de Pedro Demo. Esse extraordinário educador e amigo era citado por educadores portugueses. E, após vinte minutos de fala, durante as quais fez mais de vinte citações sobre educar pela pesquisa em novos ambientes de aprendizagem, a formanda finalizou a apresentação, dizendo:

“Peço desculpa de não saber dizer mais. Sou apenas mãe e enfermeira.”

Coube a outra formanda – dessa feita, professora – contar a estória de mais um insigne educador vivo. Começou deste modo:

“Vede se adivinhais qual foi o meu autor…” – e projetou slides com frases de Fernando Pessoa.

“Eu não conhecia este autor. E adorei estudá-lo.

A mão dele era analfabeta

Já conta 90 anos. Está bem vivo. É o Manuel Sérgio!”

Com a alegria estampada no seu rosto, continuou a descrição da vida e obra do Manuel.  

“Foi um estudioso da motricidade humana. Criticava o ensino de educação física dos anos sessenta e dizia que o homem não é meramente físico, é uma pluralidade bio-socio-psíquica, vivendo em interdependência. Também dizia que a transcendência é o sentido da vida.

Afirmava que não há desporto sem ética, sem valores. Que estamos na sociedade do espetáculo e do consumismo. E que o Papa Francisco dissera “Esta Economia mata.”

“Consegui encontrar uma tese sobre ele. O Manuel Sérgio inspirou o treinador Mourinho. Defendia que um treinador deveria ser um educador. E denunciava o que chamava de “maior drama do seu país”: o dos idosos sozinhos, nos asilos.”

“O que mais vos tocou no discurso deste homem?”

E se estabeleceu o diálogo.

Antes do intervalo, ainda houve tempo para ouvir falar de Coménius, que, em 1592, propunha uma educação para todos, no tempo de aprender de cada um, mais a interdisciplinaridade e a aprendizagem ao longo da vida

“Andamos, há mais de quinhentos anos a falar do mesmo. É frustrante. Bom! Quem quiser saber mais, tem aqui um documentário.”

À saída, sorrindo, uma formanda reproduziu uma situação típica das escolas desse tempo:

“Senhor Professor, posso ir fazer xixi? Posso?”

 

Por: José Pacheco

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