Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXLV)

Mogi das Cruzes, 11 de dezembro de 2043

Philippe Meirieu foi comentador atento do drama educacional. No texto “Entre dizer e fazer”, falou-nos de onze tensões, que atravessam a profissão de professor:

“Entre educação e liberdade, entre o todo poder do adulto e a impotência do mestre…

Entre transferência de conhecimento fixo e descoberta livre do próprio conhecimento, entre obrigação de aprender e respeitar o interesse do aluno…

Entre formalização enciclopédica e submissão ao desejo de aprender, entre a primazia do programa e a primazia do projeto…

Entre confiar no que o aluno sabe fazer e romper com os dados, entre usar o “já” e descobrir outros universos…

Entre a obediência a um mundo fixo e prático de democracia na Escola, entre o respeito escrupuloso pela ordem escolar e a autogestão pedagógica…

Entre enquadramento imposto e liberdade de iniciativa, entre acompanhamento rigoroso e emancipação necessária…

Entre a tomada de riscos necessária e a suspensão crítica necessária, entre a inibição e a passagem para agir…

Entre grupos homogéneos e heterogéneos, entre adaptação às necessidades individuais e enriquecimento pelas diferenças…

Entre planejamento necessário e decisão improvisada…

Entre obrigação de resultados e obrigação de meios…

Ensinando especialista em conhecimento e especialista em pedagogia.”

Esse escrito foi publicado em 2004. Citava “tensões”, que eram as mesmas sentidas em 94, em 84, em 74… E assim permaneceram, ao longo das primeiras décadas deste século. Havia quem se atirasse a este tipo de escritos como gato a bofe. E os saboreasse, “entre o dizer e o fazer”.

O amigo Matias bem dizia ser preciso parar de “jogar às escolas”. O cansaço se apoderava do corpo e do espírito de um avô, que reunia as parcas energias que ainda restavam, para tentar criar uma A.R.C.A., que organizasse a dispersão de projetos, retomasse projetos suspensos, acolhesse novas tentativas de ultrapassar as “onze tensões” e mais algumas.

Nos idos de vinte e três, o marketing agressivo de “colégios de elite” iludia uma opinião pública acrítica. Cinicamente, teoricistas caducos diziam serem as iniciativas de mudança “mero romantismo”. Instituições intelectual e moralmente corruptas, alegavam que as mudanças propostas “não eram oportunas”. Quando apresentávamos propostas efetivamente inovadoras, professáurios afirmavam “já ter feito isso”. 

Valia-nos o desfazer de “tensões” por quem não hesitava entre “o dizer e o fazer”.

No Sul, o Bruno conseguia que a Escola da Floresta assegurasse sustentabilidade financeira, enquanto a Comunidade da Lagoa das Amendoeiras buscava proventos que matassem a fome das suas crianças. No Mato Grosso, a Zizi envolvia comunidades em projetos de educação ambiental (e não só…), enquanto, em Mogi das Cruzes, a Tina participava no projeto “Agrofloresta na Escola”, no Centro Educacional Jabuti.

Esses projetos não eram notícia. Esses educadores dissolviam as “onze tensões” do Meirieu num quotidiano feito de perseverança. Não se quedavam entre o “dizer e o fazer”. Faziam!

As “tensões” jamais ultrapassadas redundavam em dramas que a escola da sala de aula, competitiva e estacionada no “dizer”, provocava.

Em Portugal, os professores adoeciam. No Brasil, eram assassinados por ex-alunos. No Japão, só entre 1972 a 2013, mais de cem alunos se suicidavam no dia do regresso às aulas. Na Índia, jovens alunas se suicidavam, por não terem conseguido “entrar na universidade”. “Entre o dizer e o fazer” teoricista, sucessivas gerações de seres humanos não se humanizaram.

 

Por: José Pacheco

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