Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDLII)

Praia do Sossego, 18 de dezembro de 2043

Ainda Agostinho e o seu Hino à Tolerância:

“Já será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerância ao espírito dos que vivem em volta; tolerância que não seja feita de indiferença, da cinzenta igualdade que o mundo apresenta aos olhos que não vêem e às mãos que não agem; tolerância que, afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coíba de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos hábitos; dar-lhe-ão, se quiserem, o tom da ironia, para si próprios, para os outros; mas não hão-de cair no ceticismo e no cómodo sorriso superior; quando chegar o proceder, saberão o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a hão-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerância em face do que esmaga não anda longe do temor; então, antes os quero violentos que cobardes.

Mais alto te pretendo e mais humilde; à tolerância que envergonha substitui o cálido interesse pedagógico, o gosto fraternal de aprender e de guiar; não levantes barreiras, mas abate-as; se consideras pior o caminho dos outros vai junto deles, não os deixes errar só porque os dominarias; transforma em forte, viva chama o que a pouco e pouco se dirige a não ser mais que um gelado desdém.”

Nos idos de vinte, decidi já ser tempo de não tolerar o intolerável. Por exemplo: era comum escutar a expressão “educação democrática”. Mas, cadê essa tal educação democrática? Na cabecinha de teoricistas? No discurso de palestrante ocioso? Nas escolas não estva, não!

Haveria gestão democrática, quando os diretores continuavam cativos da indignidade do dever de obediência hierárquica? 

Se apenas o ensino dito ”superior” (nunca me explicaram em que seria superior) beneficiava de alguma autonomia, o “inferior” (também nunca soube o que seria) nem disso se poderia gabar, pois nesse “inferior” escalão de ensinagem vigorava o autoritarismo e a heteronimia.

Correndo risco de suscitar alguma polêmica, arriscava perguntar: 

As decisões tomadas pelo corpo de educadores de uma escola deverão ser tomadas por maioria (democrática), ou por consenso? A minoria a quem foi Imposta uma decisão democrática respeitará (aceitará) tal decisão, cumprirá aquilo que foi decidido? Dito de outro modo: as decisões deverão ser pautadas na tolerância, ou na aceitação?

Os professores brasileiros pareciam tender à tolerância. Talvez por ser mais cômodo ir ao aeroporto, xingar o time que perdeu uma partida de futebol, do que manifestar na rua, na praça, em todo o lugar, a não-aceitação do enriquecimento ilícito, da corrupção, de crimes contra o erário público. Era mais fácil do que intervir, quando um energúmeno joga uma lata vazia pela janela do carro, ou quando uma justiça obtusa permitia que o político corrupto beneficiasse de impunidade. 

O péssimo exemplo de significativa parte da classe política influenciava o caráter do povo, poluia as mentes com valores egoístas. O povo brasileiro sofria de uma bovina tolerância face aos atos imorais dos indigentes morais, que conspurcavam a nobre arte de fazer política.

Li (já não sei onde) que a ética se assemelha a uma reta: a menor distância entre os pontos A e B, onde A é o Ideal e B, a Ação. Deveríamos tolerar a incoerência entre o pensar e o fazer, aceitar a necessidade de fincar barreiras perante procedimentos moralmente contraditórios?

Não existia qualquer razão para tolerar os efeitos de um sistema educacional hierárquico, autoritário, imoral e corrupto. Por isso, a “reserva moral” do sistema resolveu suster uma nefasta inversão de valores, definindo princípios de ação. 

 

Por: José Pacheco

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