Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXIV

Niterói, 29 de fevereiro de 2044

Tal como há vinte anos, 2044 é ano bissexto. As seis horas acumuladas dos últimos quatro anos “nos dão” mais um dia de vida. Aproveito esta manhã para tentar completar algumas divagações “autonómicas” dos anos setenta, por me ter apercebido de que, na Ponte, na prática, quase nada tínhamos inventado.

Nesse tempo, todos os tratados para salvar a Educação já tinham sido escritos. Só faltava salvar a Educação. E a Educação não poderia ser salva em… sala de aula. 

Começamos por centrar o processo de aprendizagem no aluno. Fomos os primeiros, passando duras penas. Depois, tomamos consciência de que o aluno não seria o centro, mas sujeito de aprendizagem. Não havia centro, mas relação e criação de vínculo, humanização do ato de aprender. no contexto de uma comunidade. Então, retomamos o projeto cuidando do professor.

A intervenção do professor não era anulada, mas substituída por um sistema de mediações, que asseguravam a reciprocidade autonómica e eram utilizados dados da dinâmica de grupos, através dos quais o professor poderia esclarecer desejos comuns expressos pelo coletivo. 

Nesse domínio, fazia sentido considerar a influência de Carl Rogers. A utilização da dinâmica de grupos não se destinava ao conhecimento do estatuto psicossociológico do aluno, para melhor o dirigir. Pelo contrário, Rogers apelava à “disponibilidade” do mestre, que propunha, mas não impunha. E aconselhava que o desenvolvimento de relações se processasse num clima que conduzisse a um conhecimento “autónomo, pessoal e autêntico”.

Uma autoconsciência estava perante uma outra autoconsciência, um indivíduo estava perante outro indivíduo – cada qual encerrado em si próprio é um mundo em si; cada um é diferente do outro e exclui-o. Ao mesmo tempo, porém, cada indivíduo é tal em relação a todos os outros indivíduos e, neste sentido, é semelhante a todos os outros: não diferente, mas idêntico.

A autonomia é um conceito com vasto espectro semântico, tradicionalmente abordado como mero objeto conceptual, abstrato, distante. Na escola é definida como a capacidade de influenciar, que se exerce em múltiplas situações, no contexto dos processos de ensino-aprendizagem. 

Não é possível afirmar que a atividade autónoma exercida nesse contexto se manifeste, de igual modo, em outros contextos sociais, mas alguns dados empíricos sugerem a manutenção de procedimentos autónomos em contextos e situações não-escolares. Mas, nas escolas da década de setenta careciam de… autonomia.

Por exemplo, a organização dos horários eram da competência de cada escola, não carecia de autorização. Mas uma delegada escolar assim falou: 

“Os professores não precisariam de autorização, mas pedem-na, mas os professores não utilizam esse direito”. 

As delegações escolares sabiam não ser necessário esse pedido de autorização, mas reforçavam essa necessidade, autorizavam o que não carecia de autorização.

Isto li num opúsculo do G.E.P. / ME:

“Este comportamento fortalece a burocracia, mas acaba por dar segurança ao professor, mesmo que essa segurança signifique dependência e incapacidade de tomar decisões. Tal atitude é bastante generalizada e revela o posicionamento do professor primário face ao poder e à autoridade”.

Na obra “Conceções e Práticas de Formação Contínua de Professores: Realidades e Perspetivas”, António Nóvoa assinalava que esse traço cultural se constituía em óbice à “afirmação social dos professores, dando aso a uma atitude defensiva mais própria de funcionários do que de profissionais autónomos”.

 

Por: José Pacheco

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