Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXIII

Itamaraju, 9 de março de 2044

Me redescubro num regresso cíclico a Freinet, a Nilde, a Lauro, a Agostinho, a Nise, a Freire – uma herança crítica de professor primário a quem as Ciências da Educação tarde tocaram num percurso profissional quase feito. Também (talvez) por isso, a linguagem e o conteúdo do discurso me pareçam gastos, já-ditas, ultrapassadas pela urgência da intervenção.

Em trabalhos não publicados – busco legitimá-los com o teste de práticas refletidas – verifico a prevalência de uma matriz que radica na tradição e manifestos da Escola Nova. Não farei transcrições desses trabalhos, apenas os refiro por serem caracterizados pelos mesmos traços que, agora, julgo reencontrar no trabalho com círculos de aprendizagem: a iniciativa, o senso crítico, a solidariedade, a autonomia.

Quando escutava comentários sobre a minha inabalável iniciativa de transgressão, respondia que não fizera mais do que a minha obrigação de educador, pois o conceito de iniciativa poderia identificar-se com o de implicação deliberada em processos de mudança, poderia ser definida como a Ana Benavente a definiu: 

“Comportamentos individuais ou de grupo, que consistem em ocupar os espaços de liberdade e de autonomia, no interior de uma instituição ou de uma sociedade, em investi-los no sentido de um projeto consciente. Os professores esperam que a resolução dos problemas “venha de cima”. 

Distingamos essa implicação deliberada da implicação de facto. Nesta, os professores não intervêm na realidade, porque como Barbier refere, “estão cativos dela, involuntariamente “metidos dentro” dela. 

A reação a inovações, que tantas vezes comentei, poderá ser reflexo de subjetividades decorrentes da não-participação ativa dos professores em processos de decisão. A insegurança engendra resistências, quando são postos em causa determinados princípios e práticas de ensino. Poderá acontecer que, contrariando os desígnios expressos nas obras de eminentes pedagogos, os professores se mantenham relutantes em modificar a sua conduta. Este efeito perverso das reformas verticais acompanha a convicção de que nos sistemas escolares está implícito que a escola tem poucos meios para iniciar, desenvolver, e ser lugar de formação.

Poderemos considerar a emancipação como o interesse por um conhecimento substantivo propiciador de uma práxis libertadora, o que pressupõe a necessidade urgente substituição de um modelo educacional prescritivo por um outro de cariz apropriativo. 

Se a educação tem por finalidade permitir aos indivíduos a realização dos seus destinos, na realidade ela tem contribuído para manter os professores numa relação dual de forte dependência, através de processos de “clonagem” adaptativa nada consentâneos com uma racionalidade emancipatória. 

A formação de profissionais do desenvolvimento humano desenvolve-se, no dizer de Eugène Henriquez, “no quadro de uma sociedade tecnocrática, na qual, ao mesmo tempo que o conformismo é prescrito, a iniciativa, a criatividade, o espírito inovador são reclamados com insistência”. A formação acaba sendo uma deformação carente de desconstrução de certezas e da criação de condições de realização pessoal e social

Nos idos de vinte, os professores continuavam privados da apropriação crítica de saberes e da interpelação de constrangedoras estruturas. Urgia criar contextos onde não existisse um saber constituído, onde se gestasse um saber constituinte, sobre o qual novos conhecimentos pudessem emergir.

Era, também, isso o que fazíamos nos “Encontros de Sábado”.

 

Por: José Pacheco

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