Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXLVIII)

Sermonde, 15 de abril de 2042

Não me recordo de vos ter contado um episódio exemplar entre os mais exemplares, a estória breve de uma visita a uma escola agrícola. Após uma calorosa recepção, foi-me apresentado o aluno que iria acompanhar-me na visita.

“Ó cento e vinte e quatro, vem cá!”

E lá fui com o “124” até ao estábulo das vacas leiteiras.

“Esta, aqui, é a Joana. Aquela, ali, a que está a ser ordenhada é a Flora”.

As vacas tinham nome. Os alunos eram números. E, quando perguntei como se chamava, o “124”, ele achou estranho. Nunca alguém lhe tinha perguntado o nome próprio.

Se, como dizia o povo, era preciso “chamar as vacas pelos nomes”, volvidos uns quarenta anos, quis “colocar os pontos nos is”. Todo mundo, toda a gente usava palavras e expressões inadequadas, para designar objetos e fenômenos do campo educacional. Usava-se e abusava-se, por exemplo, da expressão “comunidade de aprendizagem”. E se dizia haver algo assim, algures.

Com origem no latim “communitas”, comunidade traduzia o ato de muitos, formando uma unidade. Em 1887, Tonnies incluiu no discurso científico conceitos como o do dualismo “sociedade” (Gemeinschaft) – “comunidade” (Gessellschaft), reagindo contra a concepção mecanicista de sociedade, então predominante. Fazia corresponder ao conceito de sociedade uma vontade refletida, com origem no arbítrio dos seus membros, enquanto comunidade corresponderia a uma vontade que ele reputava como essencial ou orgânica, um tipo de associação baseada em imperativos profundos do ser.

Num primeiro ensaio de teorização, poder-se-ia considerar a comunidade de aprendizagem como uma práxis comunitária assente em um modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável. E que poderia assumir a forma de rede social física, ou de rede virtual. 

Nas palavras de Lauro de Oliveira Lima, eram divisões celulares da macroestrutura em microestruturas federalizadas num conjunto maior, mais complexas, que facilitavam o encontro entre pessoas, espaços-tempos de preservação da unidade da pessoa.

No abril de há vinte anos, começou a tomar forma concreta uma nova construção social de aprendizagem. Os seus princípios de ação configuram-na como uma alternativa ao modelo educacional concebido na Primeira Revolução Industrial e ainda hegemônico, nesse tempo. 

Tinha caráter inovador, dado que era inédita, útil, replicável, instituinte e sustentável. Recuperava práticas pedagógicas fundadas nos paradigmas da instrução e da aprendizagem, reconfigurando-as no contexto de práticas antropogógicas fundadas no paradigma da comunicação. Poder-se-ia configurar como comunidade de aprendizagem? A resposta não tardaria a chegar. 

No chão físico dos prédios das escolas, como no virtual, iniciativas afins surgiam. Na Internet, sites-embriões de Economia Solidária ofereciam espaço publicitário gratuito. E, em Mogi das Cruzes, eram dados os primeiros passos no sentido do “Desemparedamento da Infância”. 

Numa parceria com o Instituto Alana, o projeto “Educação Humanizada” projetava um novo olhar sobre os espaços físicos de aprendizagem, sobre territórios e espaços escolares. Encarava os bairros e as cidades como agentes educativos. Devolvia a criança à Natureza. Redefinia caminhos escolares, propiciava mobilidade ativa. 

A comunicação social dava notícia da implementação de “protótipos de comunidades de aprendizagem”: 

Alunos se organizam evitando as carteiras enfileiradas e aprendem por meio de projetos, sob a tutoria dos professores, que dialogam, não só com a escola, mas toda comunidade”. 

Por: José Pacheco

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