Capão Seco, 16 de dezembro de 2042
Vai para uns cinquenta anos, o vosso avô foi convidado para uma entrevista na televisão portuguesa. Eram frequentes as reportagens sobre a nossa escola, por ser “novidade”, objeto de curiosidade.
Aquele era um programa de grande audiência, idêntico a tantos outros em que havia participado, por décadas. Mas, durante essa entrevista, precisei de explicar, tim tim por tim tim, o porquê do projeto. Pela milésima vez, me fizeram dar respostas a perguntas iguais a tantas outras.
“Então, na Escola da Ponte, as crianças fazem o que querem?”
“Não fazem o que querem. Querem fazer aquilo que fazem.”
“Mas, se eles não fazem prova, vão passar no exame para entrar na universidade?”
“Uma prova quase nada prova. E todos os nossos alunos, que fizeram esse exame foram aprovados.”
“Por que é que a Escola da Ponte não tem sala de aula? Todas as escolas têm.”
“Se todas as escolas têm, deveriam não ter, pois quase nada se aprende em sala de aula.”
E aí vinham as perguntas-perplexidades. E lá vinha o “acho que”… E eu rematava com a notícia de que a Ponte havia sido distinguida com o Primeiro Prémio no concurso de projetos inovadores organizado pelo Ministério da Educação.” Surpresa!
“Então, o ministério aceita o vosso método?”
“Não se trata de um método.” – como explicar para uma plateia ululante a componente técnica, a base científica? – “O ministério não só aceita, como tenta destruir.”
“A vossa escola está dentro da lei?”
“Sim, está. Porque a todos garante o direito à educação, a uma boa educação.”
“Então, isso quer dizer que as outras escolas…”
“Sim, estão fora da lei” – resolvi a hesitação do entrevistador – “e com o beneplácito ministerial.”
“E se você fosse ministro da educação?”
“Só se não tivesse juízo” – respondi. E ele insistiu.
“Mas, não há ministros bons? O que é um bom ministro?”
“Bom ministro será aquele que nada fizer, porque não fará besteiras (asneiras).”
“Mas, se fosse ministro, o que faria?”
“Tomaria um só medida. Publicaria um decreto com um único artigo: “Extinga-se o Ministério da Educação.”
Por que vos conto tudo isso? Porque, no Brasil de há vinte anos, tive o desprazer de reencontrar. um ministro de má memória, que muito mal causou à Ponte e ao sistema educacional português.
Gente brasileira desavisada convidou-o para um evento em que o vosso avô, também, participou. E ei-lo que atravessa o oceano, para comentar absurdos rankings e palrar sobre o que chamou de “ensino exigente”.
Comecei a minha “palestra” como sempre fizera, perguntando:
“O que quereis saber?”
Também como sempre sucedia, ninguém disse o que queria saber. E eu testei o “facilitista”, invocando a Ponte. Reagiu como o diabo diante da cruz. Saltou da cadeira e se foi – coragem e capacidade de diálogo não faziam parte do seu caráter. Só voltou à sala, quando o anunciaram como palestrante.
O seu discurso demonizava a mudança e a inovação. Mas, não abandonei o auditório. Heroicamente, aguentei o suplício. Respeitosamente, esperei pelo fim da palestra, para o interpelar. Deveria haver o habitual “tempo para perguntas e respostas”. Mas, o palestrante furtou-se às perguntas, mostrou um último slide com a palavra “Obrigado” e saiu do palco.
Era Inacreditável que aqueles que aplaudiam a criatura fossem os mesmos que me tinham aplaudido. Tal como eu, uma pequena parte da plateia não aplaudiu a miserável palestra. À saída, falaram comigo. Outros enviaram-me mensagens lamentando a ocorrência. E perguntavam: “Ele foi ministro? Não acredito!”
Amanhã, se vós quiserdes, vos falarei dos disparates que dele escutei. Não cabem nesta cartinha.
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