Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXXII)

Cubatão, 9 de outubro de 2043

Foi uma agradável surpresa viagem a Cubatão. Com a Vovó Ludi, a Tina e a Zizi, pude confirmar que nem tudo estava perdido. Mais uma secretaria de educação se mostrava aberta a novos tempos. E ficou, mais ou menos, combinado um regresso, no ano letivo seguinte

Como enfatizaram alguns psicólogos russos de há mais de um século, o desenvolvimento humano ocorre em meio a uma rede de relações sociais, marcadas por um contexto sociocultural específico, é sempre um ato de relação. O aprendente aprende, quando tem um projeto de vida, um projeto de vida com os outros, participando de transformações, pois, como Augusto Boal advertira: “cidadão não é aquele que apenas vive em sociedade – é aquele que a transforma. 

Para ser, efetivamente, integral, a educação deveria contemplar a multidimensionalidade do Ser. Deveria acontecer, efetivamente, em tempo integral, isto é, a todo o momento, nas 24 horas de cada um dos 365 dias de cada ano. Requeria o questionamento do modelo de relação hierárquica, alteração de padrões comportamentais, atitudinais. Requeria a disponibilização de equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organização, respeito pela diversidade. 

Com raras exceções, não era isso o que acontecia. Acompanhei práticas integrais e integradoras, que visavam o desenvolvimento local e ocorriam em múltiplos espaços sociais, tal como Lauro previa: 

Escola, no futuro, será um centro comunitário propulsor das equilibrações sincrônicas e diacrônicas do grupo social a que serve”. 

As emergentes “turmas-piloto” de comunidade de aprendizagem cumpriam o desígnio do Mestre Lauro. Fundadas no conectivismo, estruturavam redes sociais, contextos de mútua aprendizagem presencial e remota. No contexto de uma relação de agrado, vínculos afetivos, cognitivos, emocionais viabilizavam a produção de conhecimento. O desenvolvimento humano ocorria em meio a uma rede de relações sociais marcadas por um contexto sociocultural específico.

Em meados da segunda década deste século, acompanhei as práticas do “Mais Educação”. Era um belo projeto, como eram meritórias as iniciativas que visavam o desenvolvimento local e uma inevitável redenção da Escola. Mas, uma necessária reelaboração cultural requereria alteração de padrões atitudinais. A educação de tempo integral (e a educação integral) requereriam descentralização, questionamento do modelo de relação hierárquica, negociação e contrato, iniciativas culturais, disponibilização de equipamentos coletivos e espaços de encontro, a flexibilidade na organização e respeito pela diversidade. 

Porém, na perspetiva reducionista como vinha sendo interpretado e desenvolvido, o projeto de “escola de tempo integral” ocupava “tempos livres”, assegurava atividades conduzidas por monitores mal preparados e mal pagos e sem qualquer ligação com os projetos das escolas. As nobres intenções de educação em tempo integral disfarçavam a falência do modelo instrucionista.

Havia quem se apropriasse de conceitos como o de “educação integral”, para batizar práticas obsoletas, ainda que patrocinadas por empresas e até pelo poder público. E a prática do contra-turno contribuía para operações de cosmética pedagógica, eram meros processos de desculpabilização curricular. E chegamos aos idos de vinte e três numa lamentável situação, com a “educação integral” sequestrada por ministeriais artifícios e por organizações com boas intenções, mas ingenuamente crentes de que em sala de aula se poderia fazer educação integral. 

 

Por: José Pacheco

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