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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXVIII)

Marinha Grande, 5 de outubro de 2043

Meio século depois…

Quando, no início do projeto da Ponte, eu modificava alguma coisa na organização do trabalho escolar, logo surgiam denúncias e apareciam os inspetores do ministério, ordenando que eu “voltasse para a sala de aula”. 

Aprendendo que, se o maior aliado de um professor era outro professor e que o maior inimigo de um professor que ousasse “fazer diferente” era outro professor, eu contornava a situação, desobedecendo a “ordens superiores”. E lá vinham os costumeiros “tiques prussianos”:

“Você sabe com quem está a falar?”

Eu não sabia, nem queria saber. Mesmo sob ameaça, não desistia de tentar melhorar a minha prática. Tal como a Anna, cinquenta anos depois:

“Bons dias, Professor José Pacheco, Espero sinceramente que se encontre bem.

Quanto a mim, de baixa, ainda. O sistema apanhou-me e ruí quase por completo. Aos 56, conto ainda estar a tempo e investir com paixão com alunos, famílias, comunidade, em algo que faça mesmo sentido, nos valorize e nos faça felizes. 

Como aconteceu, quando arrancou a Escola da Ponte. Mas, como se faz?

Desculpa mesmo o importunar, mas preciso muito da sua ajuda. Ideias há, agora resta saber organizar para concretizar. Grata por tudo!”

Cinquenta anos depois, o que teria mudado?

Pouco, ou nada. Apenas tinham acrescentado a velhas práticas novos paliativos digitais. Os índices de analfabetismo, de insucesso escolar mantinham-se estáveis. Aumentava o número de classes de apoio, de reforço, de recuperação, os “centros de estudo e de explicações”, e outras formas de desculpabilização curricular. O burnout crescia, um terço dos professores estava doente. O número de processos disciplinares, de expulsões de alunos, de assassinatos, de automutilação, de suicídio aumentava exponencialmente. 

Alguém de bom senso recomendaria a perenização do velho “sistema”? Ele chegara ao extremo do paroxismo instrucionista. Restava aproveitar os seus restos, juntar-lhe o quanto baste neoliberal do paradigma da aprendizagem e juntar essa mistura a práticas oriundas do paradigma da comunicação. Depois, rever e transformar sistemas de relações, de gestão, de administração e direção de escolas, reinventando o “sistema”.

Mas, quase sempre, quando eu propunha a formandos que FIZESSEM algo do que eu propunha, eles enrolavam-se em conversa de treta teórica, faziam as mesmas perguntas que eu tinha escutado, há meio século. E, como não se decidiam a assumir um compromisso ético, iam a congressos, escutar a ladainha de palestrantes “especialistas em caudas de cães perdigueiros” (esta era a definição que lhes dava o saudoso Zé Paulo) e em refrigérios pedagógicos.   

Era tal a imoralidade e a ausência de ética, que eu chegava ao ponto de sentir vergonha de ser professor. A acomodação e a obediência bovina a “superiores hierárquicos” me irritavam. Mais me irritava era ouvir dizer:

“Ah! Isso nós já fazemos!”

“Ah! É isso? Não preciso. Dou-me bem com o “meu método”!” 

Esopo e La Fontaine descreveram essa atitude, ao longo de gerações, na “fábula da raposa e as uvas”.

“Chegando uma Raposa a uma parreira, viu-a carregada de uvas maduras e formosas e cobiçou-as. Começou a fazer tentativas para subir; porém, como as uvas estavam altas e a subida era íngreme, por muito que tentasse não as conseguiu alcançar. Então disse:

“Estas uvas estão muito azedas, e podem manchar-me os dentes; não quero colhê-las verdes, pois não gosto delas assim.

Dito isto, foi-se embora.”

Meio século depois, felizmente, ainda havia gente do lado saudável do “sistema” disposta a mudar de “sistema”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXVII)

Leiria, 4 de outubro de 2043

Em 2004, ao cabo de três décadas, afastei-me (fisicamente) da Ponte, para permitir que novos professores lhe abrissem novos rumos. Fui ajudar a “fazer pontes” em outros lugares. 

Percorri a Europa Comunitária e emigrei para o Sul. Aqui, me pediram que fizesse “uma Escola da Ponte no Brasil”. Não o faria. Não queria gerar réplicas de uma escola europeia num país do Sul. Mas deixei num capítulo do livro “Escola da Ponte – Defender a Escola Pública” um textinho singelo, ainda que “técnico”, explicando o início do projeto. 

Há vinte anos, quando aprendia com educadores da região de Leiria a ser educador, partilhei com eles excertos do livrinho. Aqui vos deixo alguns, pedindo que desculpeis as suas muitas imperfeições. Lembrai-vos de que este textinho foi escrito há quarenta anos.

“Fazer a Ponte, Construir a Memória”

Uma escola sem muros. “É a natureza do trabalho escolar que deve determinar a estrutura dos edifícios. A nossa escola será uma ‘oficina de trabalho’ integrada na vida do meio. Este destino específico necessita de uma estrutura nova” (Freinet). A Escola da Ponte é uma escola de área-aberta construída por vontade dos professores, onde não foram erguidos muros nos lugares em que os arquitetos derrubaram as paredes. 

A arquitetura também desempenha um importante papel na concretização dos objetivos do projeto. A disposição espacial ampla encontra a sua maior expressão num conceito de escola aberta que se revê como uma oficina de trabalho (parafraseando Freinet), ou escola laboratorial (recorrendo a Dewey). 

É um edifício-escola que permite o desenvolvimento de uma pedagogia orientada para uma praxis social de integração do meio na escola e da escola na vida, aliando o saber ao saber fazer. 

Nesta escola não há salas de aula. Um espaço pode, no princípio de um dia de trabalho, acolher um trabalho de grupo; pode servir a expressão dramática, a meio da manhã; pode receber, no fim do dia, as crianças que vão participar num debate. 

Num mesmo dia, o polivalente pode ser um espaço de cantina, de assembleia, de expressão dramática, de educação físico-motora… A distribuição das crianças por espaços específicos apenas acontece em situação de Iniciação e de Transição, como a seguir se explica. 

As crianças da Iniciação dispõem de um espaço próprio, onde aprendem a ler, a escrever e a ser gente. Porém, os mais novos não permanecem continuamente nesse espaço, partilham outros, nomeadamente, nas áreas de expressão. 

As crianças da Iniciação leem e produzem escrita desde o primeiro dia de escola. Quando a primeira frase surge, é trabalhada em letras maiúsculas de computador. Há, sobretudo, dois tipos de texto: o “texto inventado” (que é quase o equivalente do freinetiano “texto livre”) e aquele que resulta da procura, seleção e tratamento de informação, e que é exposto nos murais. 

Aquilo que distingue a Iniciação dos restantes núcleos é, sobretudo, o modo como se faz a planificação e uma maior intervenção dos professores. Quando uma criança acede a um grau de autonomia que lhe permita a socialização em pequeno grupo, participa de pequenos jogos assistidos por colegas voluntários sem, contudo, sair do espaço da iniciação. 

A saída deste núcleo verifica-se quando a criança revela competências de autoplanificação e avaliação, de pesquisa, e de trabalho em pequeno e grande grupo. Aos primeiros planos, elaborados pelos professores, sucedem-se esboços de planificação que cada aluno vai aperfeiçoando, até atingir a capacidade de prever uma gestão equilibrada dos tempos e dos espaços de aprendizagem.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXVI)

Leiria, 3 de outubro de 2043

Tendo sido a Ponte a primeira escola a conseguir transitar de práticas do paradigma da instrução para o paradigma da aprendizagem, vi-me na necessidade de “explicar o modo” de “transitar”. E acompanhei processos de Transformação Vivencial, na transição do Núcleo de Iniciação para o de Consolidação. No contexto de uma prática formativa isomórfica, agi com os professores do mesmo modo que eles iriam agir com os seus alunos. No início dos anos noventa, eu havia elaborado um “Perfil de Transição do Núcleo da Iniciação para a Consolidação”. Embora ele tivesse sofrido correções e atualizações, parti desse “Perfil” para o adequar a uma Nova Construção Social, nos idos de vinte e três. 

Aqui vos deixo parte de um documento, que com extraordinários educadores analisei, um quarto de século após a sua redação. Perdoai a ingenuidade do texto e alguns equívocos nele contidos. Não vos esqueçais de que foi elaborado há mais de cinquenta anos.

“Perfil de Transição do Núcleo da Iniciação para a Consolidação”

Responsabilidade: É pontual e assíduo e cuida do asseio e arrumação dos materiais. Chega quase sempre a horas e só falta em situações especiais, arruma todo o seu material e alerta o seu grupo para o mesmo quase sempre que abandona o espaço. 

Relação Positiva e de Entreajuda: Mantém um bom relacionamento com pares e adultos. Relaciona-se com os outros com amabilidade e raramente entra em conflito. 

Persistência e Concentração nas Tarefas: É persistente e revela concentração no desempenho das tarefas. Tenta cumpri todas as suas tarefas só solicitando ajuda quando efetivamente dela necessita. 

Autonomia: Toma iniciativas adequadas às situações sem intervenção alheia. Em aspetos que dependem de si próprio toma as iniciativas que lhe parecem mais adequadas. 

Criatividade: Desenvolve tarefas adaptando ou recriando modelos. 

Participação e Pertinência nas Intervenções: Participa ativamente no processo de aprendizagem. Participa com frequência nos debates e/ou discussões coletivas. Intervém na Assembleia com alguma frequência. Na grande maioria das situações, as intervenções são pertinentes. 

Auto Planificação: Elabora o seu plano sem apoio de outrem, atualizando-o. É capaz de elaborar o seu plano, recorrendo ao plano da quinzena e adapta-o ao tempo e espaços que ocupa. 

Autoavaliação: Reconhece o que cumpriu e quais as dificuldades sentidas. Faz a sua avaliação com elevado nível de consciência individual, indicando o que correu melhor e pior tentando, de alguma forma, melhorar no dia seguinte. 

Autodisciplina: Compreende e procura cumprir as regras instituídas. Cumpre quase sempre os deveres definidos em Assembleia e zela pelo respeito dos seus direitos. 

Pesquisa: Procura e recolhe criticamente informação. Consegue procurar e recolher informação em manuais, dicionários, computador e livros temáticos [Naquele tempo, A Internet ainda não tinha chegado…]

Resolução de Conflitos, Senso Crítico e Decisão Fundamentada; Emite opiniões e juízos, fundamentando-os. 

Conceção e Desenvolvimento de Projetos: Identifica problemas e interesses.

Capacidade de Análise e Síntese: Produz análises e síntese elementares. É capaz de, em situações simples (debates, assembleia, pequena pesquisa), analisar e elaborar um discurso (oral ou escrito) que congregue os diferentes pontos. 

Comunicação: Comunica ideias e descobertas de uma forma clara. 

TIC: Utiliza o processador de texto.”

Amanhã, partilharei convosco outros materiais utilizados na Transformação Vivencial de 2023.

Tempus Fugit!  

 

Por: José Pacheco

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXV)

Leiria, 2 de outubro de 2043

Esperançoso, mas prevenido, cuidei de colocar novos projetos ao abrigo de perigos que, em 2001, descrevera numas cartinhas: 

“As gaivotas inventaram outros modos de viver e de voar. Contrariavam os porquenãos, pássaros com tendência para beber silêncios no degredo dos ninhos.” 

E por aí seguia uma corrente de metáforas, fraternos avisos, em tempos de desfeita euforia. Tinham decorrido mais de duas décadas. A pequenina Alice, a quem enviei tantas cartinhas, já estava terminando um mestrado em Psicologia. Como o tem passa, tão rapidamente!

Quando o corpo já dava sinais de cansaço, quando já quase decidia suster a contínua viagem, eis que novos focos de mudança despontavam. No distante 2023, fiz três viagens a Portugal, os últimos périplos de prospecção de “não-lugares” (recordais-vos da definição de “utopia”?), onde uma nova educação surgia. 

Quando já pensava que, em Portugal, o torpor instrucionista se apossara definitivamente dos educadores, o entusiasmo de diretores de agrupamento, de vereadores da educação e de diretores de agrupamento de escolas me surpreendeu. Restabeleci o diálogo, reuni energias dispersas, num derradeiro fôlego. E me deixei atrair pelo ímpeto de novos e inusitados projetos. 

Outubro foi mês de criar círculos de aprendizagem (turmas-piloto e círculos de vizinhança), de reunir projetos dispersos em “Assembleias de Redes de Comunidades de Aprendizagem (ARCA)” e negociar com o Ministério da Educação a criação de um “Grupo de Trabalho”.

Em cinco “não-lugares” concentrei esforços. A norte, uma ARCA potente, formada por mães e uma diretora de agrupamento se juntava à de São João da Madeira e outras iniciativas, para formar a ARCA Norte. Em Leiria, um belo grupo de “formandos” criava a ARCA Centro. A lisboeta “Manuel da Maia” juntava-se a projetos de Palmela, dos Algarves, das Caldas e outros componentes do que seria a ARCA Litoral. Entre Montemor-o-Novo, Évora, Campo Maior e Foz Coa, surgia a ARCA Interior.

Entretanto, iam chegando notícias de novos e vis atentados à educação. Da potencial comunidade “Alice no País das Árvores” chegava um apelo:

“Somos um projeto de educação ao ar livre, denominado ALICE no País das Árvores. Enviamos email, hoje de manhã, com um pedido de ajuda num processo a decorrer, após uma denúncia e inspeção. 

Os inspetores exigiram documentação, não nos deixaram explicar o projeto e ameaçaram encerramento da comunidade. Disseram que o edifício (a nossa ágora) não ser e que “o terreno é irregular, o que pode motivar quedas de crianças”. Tentamos explicar que comunidade de aprendizagem não é um prédio, mas pessoas e que o terreno era parte do território da nossa comunidade. Nada adiantou. Nem sequer nos ouviram. 

Enviámos todos os detalhes no email e agradecemos qualquer ajuda possível.”

Mais uma “denuncia anónima”! Mais uma manifestação de prepotência. E até parecia que estávamos num Estado de Direito, após cinquenta anos de democracia… 

A Inspeção baseava a sua intervenção em regulamentos que não se adequavam à prática de comunidade de aprendizagem. Alegavam irregularidades numa creche, quando numa comunidade de aprendizagem não existe segmentação cartesiana – a aprendizagem acontece desde o pré-natal e vai até ao último sopro de vida. Certamente, os inspetores agiram por desconhecimento do teor do artigo 48º da Lei de Bases do Sistema Educativo:

“Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXIV)

Herdade do Freixo do Meio, 1 de outubro de 2043

Hoje, comemoro o sexagésimo sétimo aniversário da minha chegada à Escola da Ponte. Recordo os belos seres humanos que me foram entregues, classificados como ”lixo”. Isso mesmo: foi-me pedido que “ensinasse aquela turma de lixo”. No meu livrinho ”Quando eu for Grande” descrevi deste modo aquela turma:

“Na quarta classe de 76 que a velha escola albergava, a variedade das origens sociais correspondia à variedade dos odores. O Simão exalava a suave fragrância a água de colónia. O Tó, o aroma da alfazema. O Jorge, o perfume barato do fixador que lhe domava as irreverentes melenas. Nas manhãs frias, o Arnaldo tresandava a aguardente. A maioria, criada na bouça e na rua, trazia entranhado nas pobres vestes um intenso cheiro a terra e suor que, na força do Estio, se confundia com o da decomposição dos cadáveres das ratazanas e de outros bichos que coabitavam o desvão do telhado. Mas a aparência rude escondia a doçura das almas.” 

Nos idos de vinte e três, a comemoração da chegada à Ponte decorreu num encontro com professores, diretores e pais de alunos de São João da Madeira. Ventos de mudança provindos de uma pioneira Ponte “sopravam”, afastando o fétido odor exalado por um sistema em estado de putrefação. Ali, o Adrian, a Raquel, a Rute, a Teresa, outros pais e professores e uma direção de agrupamento de escolas consciente da necessidade de mudar ousavam… mudar.

No dia seguinte, na Escola Secundária Infante Dom Henrique, reuni com a Isabel e devotadas educadoras. Talvez não por acaso, o vosso avô regressava a uma escola onde fora aluno do curso de montador eletricista. Tudo me era familiar, apesar de terem decorrido seis décadas. Também na cidade do Porto surgia um foco de mudança, fruto do entendimento entre uma competente direção de agrupamento e um grupo de batalhadoras mães – a Joana e a Maria viriam a ser elementos-chave do processo de criação da primeira turma-piloto.  

No Brasil, o primeiro de outubro de há vinte anos seria dia de eleição de conselhos tutelares. Uma autêntica guerra cultural era travada disputa por cadeiras em órgãos de defesa de crianças e adolescentes, com a intervenção de usuários de redes sociais, líderes religiosos, organizações da sociedade civil, políticos. 

A esses órgãos eram atribuídas competências várias: fiscalizar entidades que atendem crianças e adolescentes, levar ao ministério público casos de violação de direitos. A eles iríamos recorrer, para a todos garantir o direito à educação.

O amigo Vinícius fora eleito conselheiro. Era preciso apoiar os “conselhos tutelares” do Brasil e as “comissões de proteção de crianças e jovens” portuguesas.  Em todos os encontros e reuniões, eu recomendava a criação de “grupos de trabalho” locais articulados com o GT, que o Secretário de Educação aceitara acolher no Ministério de Educação. 

Em finais de outubro de 2023, estávamos a chegar ao que poderia constituir uma perigosa encruzilhada. Tínhamos tudo o que era preciso para agir. Tínhamos gente decidida, a lei, uma ciência prudente e as sábias palavras de Rubem Alves:

“Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio, porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas.”

Nos idos de vinte, os homens ainda trocavam o voo por gaiolas. Urgia desengaiolar, desaular, desguetizar, aproveitar a “abertura” ministerial e negociar a criação do Grupo de Trabalho “combinado” no Encontro das Caldas.

Estávamos “saindo da gaiola”. Faltava alçar o voo. E eu perguntava: 

“Estamos à espera de quê?”

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXIII)

Foros de Vale Figueira, 30 de setembro de 2043

No interior mais interior do Portugal, assumi o compromisso de ajudar a fazer comunidades. No périplo do mês de setembro de vinte e três, visitei o meu amigo Alfredo. Falou-me de sonhos, mostrou-me mais um espaço, do que viria a ser a comunidade do Freixo do Meio.

Eu seguia os passos de antigos andarilhos da educação. Como alguém, que, em 1912, escrevia:

“Na minha última digressão à minha terra, observei algumas coisas que bastante agradaram ao meu coração. O que mais me encheu de júbilo foi o interesse quenotei pela instrução. É preciso instruir e educar, para que o homem saiba o que quer ser, saiba ser livre e saiba ser cidadão”.

Sábias e percursoras palavras, mais adiante tornadas realidade.

Porém, por essa altura, em todas as terras, havia placas informativas com as inscrições “Escola Primária” e “Escola eb2,3”. Esses modelos de construções escolares tinham sido substituídos por novos velhos modelos de edifícios feitos de salas de aula. Na verdade, nada havia mudado. Digitalizadas, as práticas do século XXI eram idênticas às do século XIX. Em Portugal como no Brasil. 

Por essa altura, no Norte, o ministério dava sinais de aceitar dialogar. No Brasil, nem tanto. O novo governo adotara o modelo “sobralista”, que a nada conduziria. Em municípios onde se acendera algumas centelhas de mudança, gestores idiotas deitavam a perder anos de porfiados esforços de humanização. E a minha amiga Tina reagia a idiotices e aberrações pedagógicas, num texto de quatro frases, de que extraí a primeira.

Adoraria conversar com Sigmund Freud sobre a Educação Humanizada. Seria incrível partilhar suas belezuras e (quem sabe!) Freud poderia explicar os recorrentes perrengues que enfrentamos com as massas que desejam ilusões (paliativos) e com os felizes idiotas que colocam empecilhos. 

Já Freud dizia: “Existem duas maneiras de ser feliz nesta vida, uma é fazer-se de idiota e a outra sê-lo.”

Partindo da freudiana afirmação, reconstituí memórias de velhas andanças. No tempo de uma salazarenta ditadura, divulgávamos um poema “proibido” pela Comissão de Censura, da autoria de Bertolt Brecht. Nos saraus, mais ou menos clandestinos, realizados em criptas de igrejas, em salões paroquiais, em lugares onde a minha militância católica me levasse, a Soledade o declamava:

“Sente-se. Encoste-se tranquilamente na cadeira.

Ouve-me bem? Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo. Você é um idiota.”

Fui ao dicionário, procurar o significado da palavra. Provém do grego “idiótes”. Significa “pessoa leiga, sem habilidade profissional”. 

Na Psiquiatria, o idiota é aquele que sofre de “idiotia”, diagnóstico atribuído ao indivíduo mentalmente deficiente. Popularmente, um idiota é um indivíduo tolo, imbecil, desprovido de bom senso. O sistema de ensinagem estava semeado de idiotia, de gente desprovida de bom senso. E, para os idiotas, as ciências da educação não passavam de ciências ocultas, o que piorava a situação. 

Num dos desgovernos em que o Brasil era fértil, uns idiotas tentaram retirar a palavra “político” do documento-base da prática escolar: o Projeto Político-Pedagógico. Em tenra idade, muitos alunos ficavam expostos a subliminares influências consumistas, a uma erotização precoce, à violência e competição, que jogos idiotas (e professáurios idiotas) estimulavam. Idiotas profissionais ocupavam lugares de relevo na estrutura do “sistema”, burocratizando-o, impondo lideranças tóxicas, criando obstáculos a quem, como a minha amiga Tina, buscava humanizar a Educação.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXII)

Lisboa, 29 de setembro de 2043

Estava por Lisboa, nesse dia de há vinte anos, revivendo velhas mágoas e escassas alegrias. O meu coração estava no Sul da Vovó Ludi, a saudade me abatia e eis que deparo com algo, que doeu ainda mais fundo, na alma de um desbravador de sonhos. Visitei um lugar “sagrado” para mim. E o Hernâni compreendeu o quanto me custava manter o diálogo com dadores de aula.

Já vos repeti o quanto me custou reconhecer o engano de alma ledo e cego do início do exercício da profissão de professor. Nessa altura, eu sabia tudo o que precisava saber para “dar aula” a turmas do “ensino secundário”. Eu sabia tudo, ou quase tudo, de eletrotecnia, mas não sabia ser professor. Eu sabia “dar aula” e as dava de modo magitral. Ao ponto de inspetores recomendarem aos estagiários o assistir à minhas aulas. 

Eu via os colegas do “secundário”, tranquilamente, “dando aula”, mas eu sentia o incómodo de professor primário que, também, dava aula, mas adquirindo consciência de que não conseguia ensinar nem metade dos alunos. Eu “dava aulas” magistrais, bem planificadas… e havia quem não aprendesse. 

Pensei em passar do “primário” para o “secundário”, preparando jovens para o assalto à universidade. Não o fiz, por respeito a mim mesmo e pelo respeito devido aos meus pequeninos alunos.

Queridos netos, eu estava no início de uma carreira, assolado por um sentimento de impotência. Com estudo e a ajuda de colegas de profissão, me mantive professor, desobedecendo a “superiores hierárquicos”, arrostanndo com a incompreensão de outros professores, a indiferença de “doutores” e o assédio moral de “superiores”. A duras penas me fiz professor e ajudei outros porfessores a sê-lo, inspirado no exemplo de educadores da “Escola Nova”.

Alguém escreveu (não me lembro onde li…) que os engenheiros que conceberam as câmaras de gás e os médicos que coordenavam o genocídio nos campos da morte nazis foram “bons alunos” do ensino dito “tradicional” e só “cumpriam ordens”. Janusz Korszak, que foi professor e pereceu nas garras da besta nazi, escreveu: 

“A escola é um pobre comércio de medos e ameaças, boutique de bugigangas morais, botequim onde é servida uma ciência desnaturada, que intimida, confunde e entorpece.” 

Os “fundamentalistas” da escola “tradicional” revelavam o seu ódio à diferença. Aqueles que, no seu tempo, se aperceberam do cheiro nauseabundo da decomposição da escola “tradicional” e ousaram reinventá-la acabaram vítimas da ignorância e da maldade. Pestalozzi foi humilhado. Tolstoi assistiu impotente ao encerramento da sua escola, por ordem do czar. Ferrer, que acreditava ser possível colocar humanidade no ato de aprender e ensinar, foi perseguido e executado, no dealbar do século XX. Anísio foi assassinado. O Estado Novo não partilhava os ideais da “Escola Oficina” e Adolfo Lima conheceu as agruras do Tarrafal. 

No final de setembro, o Hernâni e o Luís levaram-me até à escola da Voz do Operário. Era enorme a expectativa. Esperava reencontrar naquele lugar sagrado o espírito escolanovista. Não vos direi o que encontrei. 

Os “dadores de aula” portugueses ignoravam a obra sublime de Faria de Vasconcelos, companheiro de Claparède, que, em 1902, fez uma conferência no Ateneu Comercial sobre “O ensino ético-social das multidões”, denunciando a “lepra do analfabetismo, que corrói o povo”. Não se reconheciam como profissionais da educação analfabetos. Desconheciam a extraordinária obra de Adolfo Lima na “Voz do Operário”, no Portugal da Primeira República. Manifestavam desconhecimento da obra de Irene Lisboa, de António Sérgio…

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXXI)

Moita, 28 de setembro de 2043 

Ontem, descrevi-vos algumas das impressões colhidas num encontro que viria a marcar o rumo do projeto das Novas Construções Sociais. Após o encontro das Caldas da Rainha, o WhatsApp fervilhava de animadoras mensagens:

“Conseguiu-se o primeiro objetivo. Agora falta concretizar o tal grupo de trabalho”

“Encontrei à saída uma presidente super motivada. Peço desculpa não me ter despedido, mas tive de entrar na aula… menos à antiga, mas ainda num formato semelhante. Beijinhos.”

“Repetindo o que disse o Secretário de Estado António Leite: “Não se deixem amedrontar pela linguagem técnica e burocrática. O ministério está disponível para receber as vossas propostas. Se o Professor Zé tivesse cumprido tudo, nunca teria feito nada.” 

“Saímos com uma porta aberta! Vamos aproveitar! Voltaremos a ver-nos em novembro. Muito muito obrigada a todos pelo trabalho, dedicação e iniciativa. Haverá mais! Sementes lançadas. Vamos em frente.”

Era forte o sentimento de que havia chegado o momento de entregar em boas mãos o destino de um projeto iniciado há mais de meia centena de anos.

Sempre que vou a Portugal, não deixo de matar saudades da Moita, o destino seguinte do périplo de há vinte anos. 

Nesse prodigioso setembro, com novo alento, partimos (eu e o Luís) para o Colégio Corte Real e Escola Profissional da Moita. Por lá, confirmamos expectativas, observando a coerência entre projetos escritos e práticas efetivas. No preâmbulo ao seu projeto educativo, líamos este belo naco de prosa pedagógica:

“As escolas, na sua essência, sempre foram os locais privilegiados para se cultivar o desenvolvimento das comunidades através da partilha do saber. Muitas foram, até hoje, as experiências realizadas no nosso sistema educativo. Desde a Lei de Bases de 1986, que a diversidade da resposta e a definição dos modelos de organização escolar tem sofrido profundas e sistemáticas alterações, certamente sempre na perspectiva de construir uma escola melhor, mas sem a necessária maturidade temporal, fundamental para a consolidação dos seus projetos educativos.”

Comunidade. Senso crítico. Clareza conceptual e disponibilidade para partilhar práticas co-construídas. No site disponível na velha Internet eram evidentes tais intenções:

“É verdade, muitas vezes, nas próprias equipas pedagógicas, menorizamos a importância da nossa missão – criar! Criar com intencionalidade um impacto que se quer provocar. Sabemos que a simples conjugação de fatores, contextos e recursos não garante a criação de algo novo e o que procuramos criar – Projetos de Vida, de todas aquelas e aqueles, que connosco vivem durante um período significativo das suas vidas, os nossos jovens, mas também com todos aqueles que apoiam na co-construção, a nossa equipa.”

Fomos amavelmente rececionados pela Marta e pelo André, que nos apresentaram os seus professores, começando pelo Paulo, a Estrela, mais a estagiária Carlota e a Aparecida. Não consigo lembrar-me dos nomes de todos os educadores presentes no encontro, que decorreu durante toda a manhã. Apenas resta a recordação de um tempo de saudável convívio e muita aprendizagem. 

Após o encontro, o Christian, o Gustavo e outros estudantes, acompanhados do Mestre João, nos presentearam com requintadas iguarias, saboreadas a preceito. E na boa companhia do amigo Luís, partimos para Lisboa. Levávamos a alma lavada e sacos com belos presentes. Mas, nas papilas gustativas, só eu levava o os agradáveis eflúvios de um vinho caseiro. Por se comportar como “motorista”, o amigo Luís não o pudera beber.  

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXX)

Caldas da Rainha, 27 de setembro de 2043

Neste mesmo dia de há 20 anos, abalei do Fundão na companhia do Hernâni e da Cátia, para ir ao encontro de educadores amigos, nas Caldas da Rainha – o João, a Carla, a Dora, o Luís, a Rita, a Adélia, a Andreia e outros extraordinários seres humanos. Tive, também, ensejo de reencontrar um velho companheiro de andanças sindicais, naquele tempo investido nas funções de Secretário de Estado da Educação. 

Na “Casa Antero”, um almoço acompanhado de um tinto de excelente cepa, nos preparou para um evento que viria a marcar o rumo do projeto de humanização iniciado por pais e mães conscientes da necessidade de intervir na Escola, para que a Educação assegurada por uma efetiva Escola Pública fizesse dos seus filhos seres mais sábios e pessoas mais felizes.

Constituiu agradável surpresa a presença da senhora vereadora da educação e dos diretores dos agrupamentos do município. Num largo painel, se sucederam intervenções de natureza diversa. Escutei o discurso escutado, há vinte, trinta, quarenta anos atrás. Mas, também, se fizeram ouvir oportunas considerações sobre o atual estado da Educação.

Agradeci a iniciativa dos educadores que tornaram possível a realização do encontro e fiz votos de que fosse feito de fraterno convívio, que decorresse num ambiente de colaboração e debate construtivo. Assim foi. E algumas intervenções foram proferidas com extrema transparência, num tom “puro e duro” (expressão usada pelo representante do ministério).

Deixei por lá algumas recomendações, para que à euforia não sucedesse a inércia: que fossse redigida uma ata do encontro; que se constituísse uma ARCA (Assembleia de Redes de Comunidades de Aprendizagem) e retomados os contatos com o ministério, para que um Grupo de Traballho fosse criado e o projeto tivesse reconhecimento oficial. 

Também sugeri a integração das escolas com “turmas piloto” no projeto “Comunidades de Aprendizagem” do Ministério da Educação. E o estabelecimento de um calendário de encontros periódicos com o ministério, para aprofundamento do conceito e da prática de “comunidades de aprendizagem”.

O mestre de cerimónias leu um texto, que considero oportuno recordar, por ter dado o mote das intervenções:

“Os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com as práticas escolares de que dispomos. Carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica baseada no saber cuidar e conviver. 

Se a modernidade tende a remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de convivência e diálogo, abandonar estereótipos e preconceitos. 

Escola são pessoas. Os seres humanos agem em função de valores e princípios de ação, que dão origem a projetos. E a aprendizagem acontece, quando vínculos são criados numa relação pedagógica e antropagógica, numa fusão de práticas fundadas nos paradigmas da instrução, da aprendizagem e da comunicação.

A partir do que somos, daquilo que sabemos e do que sabemos fazer, é urgente 

humanizar a Educação, religando Família, Escola, Sociedade, em  comunidades e redes de aprendizagem promotoras de desenvolvimento humano sustentável.

É possível mudar e inovar, fazer uma Escola que a todos e a cada qual dê oportunidades de aprender a ser, a conhecer e a conviver;

É preciso substituir um obsoleto sistema de ensino por uma nova construção social de aprendizagem. na qual se a todos se assegure o direito à educação, a uma educação, efetivamente, integral.”

A viagem até Lisboa e o saborear de uma saborosa sopinha confecionada pela Filipa foram o complemento de um dia semeado de bons augúrios. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXIX)

Pampilhosa da Serra, 26 de setembro de 2043

Fora de Portugal há cerca de 20 anos, ao meu país voltei, amiúde, a convite de educadores, pais de alunos, autarcas empresários, diretores. Por toda a parte, unia, reunia, propunha diálogo a professores renitentes ou desistentes.  Só não conseguia demover dadores de aula do seu absurdo labor. 

Desisti de porfiar no insano apelo a uma decisão ética, mas não desisti de um incansável peregrinar, à procura de professores vivos. Abalei de Alentejo profundo para terras da Beira Interior. 

Boff dizia que a crise que nos afetava não era uma mera crise cíclica e que uma nova ordem mundial se mostrava necessária, um novo modo de habitar a Terra. 

Para “um novo habitar a Terra”, preciso seria uma nova Educação, como aquela que o Professor Patrício deixara em Campo Maior.

Em terras do Atlântico Sul, o Mestre Pedro também não desistia da denúncia das “cortinas de fumaça, para encobrir uma política educacional incrivelmente perversa”:

“Aprendizagem quase não existe, não levamos quase nada para a vida da escola  e a série histórica do Ideb, desde 1995, escancara um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança. A miséria educacional atravessa os governos, independentemente da ideologia, porque o instrucionismo é a postura padrão, hoje globalizada, também acolhida oficialmente no PISA: o sistema é tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada.”

Certamente, estareis recordados de vos ter dito que, quando eu era apenas um “dador de aula”, me sentir incomodado com certas atitudes dos meus alunos e de não encontrar resposta para o fato de eu dar boas aulas e haver alunos que não aprendiam. 

Pois a crise moral que me acometeu foi sanada, quando consegui compreender que o “dador de aula” tenta transmitir e… não comunica.

Os forma(ta)dores desse tempo me tinham dito que deveria fazer um planejamento anual, distribuindo matérias, temas, conteúdos por trimestre. Depois, fazer planos trimestrais, quinzenais e semanais. Mais tarde, alguém teve a infeliz ideia de dividir o ano letivo em semestres. Enfim! 

Assistindo a esses e outros disparates, comecei a duvidar da eficácia, a desconfiar da eficiência desses e de outros procedimentos e rotinas, tendo decidido planejar a aula de véspera, o mais próximo possível de dar a aula. 

Nada adiantou. A crise até se agudizou.

Até que achei a origem do meu mal-estar. Quando eu ia dar a aula, não era eu quem estava na sala de aula. Eu não estava ali. Ali, não havia autenticidade. Eu era um clown sujeito a um guião escrito na véspera. Comportava-me como um mau ator, representando um estranho papel. Havia naquele frontal anónimo um vazio constitutivo impeditivo de comunicação. 

Cedo entendi que o tipo de relação pedagógica determinava ou impedia a criação de vínculos e vivências cidadãs. Sem fazer do aluno cobaia de laboratório, introduzi a prática de currículo de subjetividade, décadas mais tarde chamado “projeto de vida”, a primeira das dimensões do que viria a ser o currículo tridimensional. 

No final dos anos noventa, a Teresa, presidente do Conselho Nacional de Educação me encarregou de redigir um “parecer” sobre uma proposta de lei. Decorrente de projetos como o da “gestão flexível”, uma “reorganização curricular se apresentava. O ministério propunha a introdução de uma disciplina de “educação para a cidadania”. Se a memória não me falha, creio que a “cidadania” seria ensinada em duas aulas semanais, como se uma educação cidadã, uma cidadania plena pudesse ser aprendida no rame-rame do “dar aula”, em sala de aula.

 

Por: José Pacheco

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