Fontiscos, 31 de maio de 2042
O Marcos quis saber o título da crônica ontem enviada e vo-lo digo: “As tarefas da educação”. No tempo em que ela foi escrita, acolhíamos o Rubem na nossa casa, nas viagens que ele fazia a Portugal (e à Ponte). Sobre crônicas e andanças conversávamos. Nesse saudoso tempo e em conversas com a filha Raquel, após a sua morte, pudemos confirmar que o Rubem era aquilo que escrevia. Então, continuemos lendo o Rubem:
“As meninas não têm de aprender a torrar café numa panela de ferro, e os meninos não têm de aprender a usar arco e flecha para encontrar o café da manhã. Somente os velhos ainda sabem apontar os lápis com um canivete…
Outras ferramentas são puras habilidades. Andar, falar, construir. Uma habilidade extraordinária que usamos o tempo todo, mas de que não temos consciência, é a capacidade de construir, na cabeça, as realidades virtuais chamadas mapas. Para nos entendermos na nossa casa, temos de ter mapas dos seus cômodos e mapas dos lugares onde as coisas estão guardadas. Fazemos mapas da casa. Fazemos mapas da cidade, do mundo, do universo. Sem mapas, seríamos seres perdidos, sem direção.
A ciência é, ao mesmo tempo, uma enorme caixa de ferramentas e, mais importante que suas ferramentas, um saber de como se fazem as ferramentas. O uso das ferramentas científicas que já existem pode ser ensinado. Mas a arte de construir ferramentas novas, para isso há de saber pensar. A arte de pensar é a ponte para o desconhecido. Assim, tão importante quanto a aprendizagem do uso das ferramentas existentes — coisa que se pode aprender mecanicamente — é a arte de construir ferramentas novas. Na caixa das ferramentas, ao lado das ferramentas existentes, mas num compartimento separado, está a arte de pensar.
(Fico a pensar: o que as escolas ensinam? Elas ensinam as ferramentas existentes ou a arte de pensar, chave para as ferramentas inexistentes? O problema: os processos de avaliação sabem como testar o conhecimento das ferramentas. Mas que procedimentos adotar para avaliar a arte de pensar?)
Assim, diante da caixa de ferramentas, o professor tem de se perguntar: “Isso que estou ensinando é ferramenta para quê? De que forma pode ser usado? Em que aumenta a competência dos meus alunos para cada um viver a sua vida?”. Se não houver resposta, pode estar certo de uma coisa: ferramenta não é.
Mas há uma outra caixa, na mão esquerda, a mão do coração. Essa caixa está cheia de coisas que não servem para nada. Inúteis. Lá estão um livro de poemas da Cecília Meireles, a “Valsinha” de Chico Buarque, um cheiro de jasmim, um quadro de Monet, um vento no rosto, uma sonata de Mozart, o riso de uma criança, um saco de bolas de gude… Coisas inúteis. E, no entanto, elas nos fazem sorrir. E não é para isso que se educa? Para que nossos filhos saibam sorrir? Na próxima vez, a gente abre a caixa dos brinquedos…”
Netos queridos, juntarei a esta cartinha reações de educadores com quem partilhei a crônica que vos dei a conhecer. Lede o que a Maria me respondeu:
“Amigo Zé, como é bom ler sua cartinha neste amanhecer de domingo! Penso, que o que nos indicava Rubem é que somos seres expansionistas. Podemos ir além das ferramentas. Não podemos e não devemos nos contentar em aprender a usá-las. Nem, tampouco, nos escravizarmos em função delas. Talvez, devamos percebê-las com instrumentos que nos expandem. Que expandem nossa capacidade criativa, nossa capacidade de comunicação, de interação com as formas de sermos no mundo.
Como vedes, tal como Rubem, eram seres sensíveis e admiráveis aqueles a quem o vosso avô enviava belezuras. E o Rubem se perpetuava…
Por: José Pacheco