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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXIV)

Tavira, 8 de maio de 2041

Queridos netos, esta cartinha não é minha. Melhor dizendo, sou eu quem a envia, mas não sou o seu autor. Transcrevo uma descrição feita por uma extraordinária professora participante do Projeto 115 Norte. A Marina assim refletia, em tempo da pandemia:

“Alarme toca. Abro os olhos. Preciso ir à escola. Que ânimo tenho? Enfrentar e viver mais um dia em um paradigma instrucionista. Que sentido tem? Desisto? Sigo? O que faço? Me troco, já em uma nova energia. 

Recebo as crianças. Medo! A escola fez com que as crianças sentissem medo. As vejo trancadas em suas falas e expressões, poucos gestos. Silêncio. Não é só um medo resquício de uma pandemia. Verificava um medo diferente, era um medo de aprender. Era um medo mais profundo, de anos de castração.

Com algumas turmas aquela sensação não era tão evidente. Eu via naquelas expressões anos de repreensão. Treinadas a aprender no medo. No desprazer. Era essa a lembrança que teriam da escola, o que mais poderia eu esperar? O que mais poderia esperar que elas trouxessem após tanto tempo sem ir à escola?! Qual seria a última e maior lembrança das vivências na escola daquelas crianças? O que iria eu esperar que elas pudessem manifestar, muitas vezes de modo mais sútil, outras, de modo mais evidente?

Iniciei com uma música, depois fizemos uma respiração. Precisava de maneiras de destravar toda aquela tensão. Em dado momento, após ir me guiando por um impulso intuitivo, mostrando a elas que estava ali por amor e não para colocar mais medo! Eu estava ali, inteiramente! Parecia tão difícil lhes mostrar isso. Elas tinham medo de mim! De mim!  Voz mansa, calma, amorosa, paciente, embora firme… 

Fiz, enfim, a inestimável pergunta, que tirava de mim aquela figura medonha de autoridade e colocava nelas o centro de poder: 

“O que vocês querem aprender?” 

Eu vi olhares surpresos. O que essa professora está a dizer? 

Anotei na lousa a pergunta, em letras grandes. E repeti, firme e amorosa:

“O que vocês querem aprender? Eu quero aprender sobre vocês, estou curiosa, me digam, o que vocês querem aprender?”.

Silêncio. 

As crianças não poderiam responder a pergunta tão séria. Antes, elas não tinham sido levadas em conta. Estranhamento.

“Alguém já ouviu essa pergunta?” – perguntei, já sabendo a resposta.

Responderam: 

“Não, professora.”

Aqueles “nãos” iam saindo um por um. O segundo “não” fora copiado do primeiro. E o terceiro copiou do segundo. Um por um, copiando uns aos outros.  Sentia um leve ar de tristeza naquelas vozes, mas de ainda surpresa. E disse:

Pois é. Agora, eu quero partir de vocês. Vocês são únicos! E nunca poderão se comparar a ninguém! E eu não quero alunos copistas. Estamos aqui a pensar. Vamos pegar o caderno? Estaremos aqui a fazer indagações. Eu não tenho nada a responder a vocês. São vocês que me guiam e eu vos guio.  Serão vocês a responder. Estou aqui a aprender. Como vocês.

Vamos aprender esse processo. Não sintam medo de mim. Falem. Se expressem!” 

Puxei a cadeira. Eu ao lado deles. Não lá na frente, no alto, a falar. Ambos, lado ao lado. A nos ajudarmos. Eles já se sentiam mais confortáveis. Estavam bem “obedientes”. No início, era uma sala de aula morta. Só eu falava. 

Por tratar-se de uma pandemia, me sentei a alguns metros de aluno por aluno, fazendo a amorosa pergunta e rompendo o clima de medo. Comecei a ouvir, voz por voz, ser por ser, as suas vontades, os seus desejos. Algo acontecia ali.

Iniciamos um primeiro roteiro. Senti que era uma retribuição àquilo tudo que aconteceu no dia 4/05/2021, em uma sala de aula municipal, em Ubatuba. Aqueles alunos não eram mais os mesmos. Nem eu!

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXIII)

Tavira, 7 de maio de 2041

Quando, nos idos de setenta e oitenta, os visitantes da Escola da Ponte teciam elogios ao projeto e me perguntavam como me sentia, ou o que eu era, respondia ser um trabalhador da educação, mais um membro de uma equipe, ao serviço de um projeto, que uma comunidade adotara.

Nos anos setenta foi decisiva a ajuda recebida de outros trabalhadores da educação, companheiros do Movimento da Escola Moderna, amigos de longa data, militantes de novas pedagogias, com quem muito aprendi.

Ainda no tempo da ditadura, fui à procura da Angélica. Ouvira falar da sua turma freinetiana – algo raro naqueles tenebrosos tempos – e percursora do Movimento da Escola Moderna. Ainda recordo o modo com a descrevi no livrinho “Para Alice, com amor”:

“Conheci uma gentil gaivota de nome Angélica. Nem precisaria de tal nome, para sabermos que o era. Juro que não inventei o nome, apesar de humanos mais cépticos poderem pensar que minto. São lugares de verdade, são seres verdadeiros aqueles de que te venho narrando feitos e peripécias. Tu sabes bem que os seres e os nomes são o que nós quisermos que sejam. Tu sabes que não é por acaso que haverá acasos e que as coisas se vão entrelaçando e tomando forma, fazendo sentido, e acreditas que ser angélica, no presente caso, não é ficção. Existiu. E foi como um anjo da guarda das iluminuras. 

A provecta idade da gaivota Angélica há muito a afastara do ensinar aprendendo, já não lhe consentia o voar errante de outros tempos. Mas acolhia numa espécie de tálamo de experiência e bondade jovens gaivotas indefesas perante as arremetidas de avestruzes que, possuindo asas, ignoravam a sua utilidade. Até ao fim dos seus dias nesta terra dos homens e dos pássaros, Angélica contagiava as jovens gaivotas ensinantes com o seu solidário saber experiencial, apaziguando angústias, conferindo-lhes alento para defrontar os perigos.” 

Um amigo, que se exilara na França, clandestinamente visitou a nossa pátria e me entregou dois livros, que devorei, avidamente. Ansiava conhecer a proposta do Celestin da Elise Freinet. E, na Escola do Carmo do início da década de setenta, atrevi-me a ser, também, freinetiano.

Após a Revolução dos Cravos, fui escutar o Sérgio e acompanhei a implantação do M.E.M. Sempre criticamente, confesso, porque eu já não estava sozinho, nem numa sala de aula. No final da década de oitenta, fui para a França, conversar com discípulos do Celestin, da Elise, do Fernand e da Aida. Foi por essa altura que eclodiu a minha segunda crise profissional. A praxeologia desses insignes mestres de chão de escola tinha sido apropriada pela academia instrucionista. Virara teoria cristalizada travestida em teses.

Se, no decurso de um projeto, as crianças pesquisavam e recolhiam informação sobre o Renascimento, deparavam com a figura de Gutemberg, e eu os convidava para usar a imprensa Freinet. Os primeiros jornais escolares nela foram produzidos.

À entrada da década de noventa, a Web semântica permitia que os seres humanos trabalhassem em cooperação. Por essa altura, companheiros do M.E.M. nos visitaram e me perguntaram onde estava a “Imprensa Freinet”. Disse-lhes que estava no nosso museu da pedagogia. Não gostaram da resposta.

Nesse dia, compreendi que, enquanto a Ponte evoluira para a atualização da proposta freinetiana, o Freinet dos meus amigos tinha sido “congelado”. O mesmo acontecera com outras propostas fundadas no paradigma da aprendizagem. As práticas eram de cariz instrucionista e o professor da “classe cooperativa”, não trabalhava em equipe – permanecia solitário, na sua sala de aula.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXII)

Tavira, 6 de maio de 2041

Queridos netos.

Satisfaço a vossa curiosidade, concluindo esta estória do tempo da velha escola. Nos idos de trinta, muitos educadores já tinham adotado práticas dos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Porém, no início da década de vinte, os projetos, que erradicaram o modelo instrucionista ainda eram raros. O processo de criação das turmas-piloto foi lento, semeado de escolhos. Em próximas cartinhas, disso vos falarei. Por agora, terminarei a estória.

Recordarei que, pelas cinco da tarde, dos trinta e oito alunos, vinte e seis tinham sido contatados. Como fora possível encontrar os restantes, no breve período de duas horas?

Um dos jovens “em falta”, residia no apartamento contíguo a outro, que fazia parte dos vinte e seis inicialmente contatados. Lavadas as mãos, colocada a máscara, este bateu à porta do vizinho do lado, que disse ter perdido o acesso à Internet. Um “hotspot” atravessou uma parede e levou “wi-fi universal” para o apartamento do lado.

Um jovem, cujo computador havia avariado, conseguiu acesso às tutoras, porque outro jovem do seu “círculo de aprendizagem em vizinhança” lhe emprestou um computador.

Os dois últimos contatos foram assegurados via Internet e telefone rural.

Pelas dezenove horas, todos os jovens estavam em contato com as suas tutoras. Não perderam um só dia de aprendizagem. Até nos fins de semana e dias feriados aprenderam. Existia vínculo cognitivo, afetivo, emocional. Havia atribuição de significado ao objeto de estudo. O tempo de fixar os olhos numa tela era reduzido. Acontecia trabalho de equipe em pequenas aglomerações com distância social assegurada.

Após esse encontro, quase todos os “assistentes” aderiram ao projeto das “turmas-piloto de comunidade de aprendizagem”.

Creio que terei dado um exemplo de como se aprende numa nova construção social de aprendizagem. O presencial e o remoto se completavam, e o direito à educação era plenamente assegurado. A sustentabilidade das comunidades aumentava. O desenvolvimento de currículo de consciência planetária propiciava novas visões de mundo. Efetiva-se o re-ligare da educação familiar com a educação social e a educação escolar.

Aproveitado o que de útil o paradigma da instrução nos oferecia, juntamos-lhe contribuições dos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Para tal, foram banidas as aulas online, as videoaulas, as “atividades”, as “cartilhas” e outros inúteis instrumentos de ensinagem. Prescindimos da moda do “ensino híbrido”, rejeitamos outros paliativos do modelo instrucionista. Praticávamos uma educação do século XXI.

No meu deambular do Oiapoque ao Chuíquestionei o meu etnocentrismo europeuNa presença de povos pré-colombianos, reencontrei Darcy, Agostinho, Montessori, Dewey, Anísio. Em comunidades indígenas, me encantei com o modo delicado, sábio, como educavam os seus filhos: “Segue a criança!”. Reencontrei Freinet, Illich, Papert e Maturana nas favelas. Lá, não havia apenas tráfico, prostituição, milícias; havia autonomia, cooperação… vizinhança. Reencontrei Morin, Nise, Milton, Rogers e o amigo Tião, em muitos quilombos, onde se transformava em ato o provérbio africano que diz ser necessária uma tribo para educar uma criança. Reencontrei Freire, Nilde. Demo, Florestan, Lauro e outros insignes educadores, em lugares onde a tecnologia contribuía para a humanização do ato de educar.

Enfim! Me reencontrei com uma escola pioneira. Nela, a “educação do futuro” se fizera presente, nos idos de setenta. Uma amarga surpresa me esperava.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXI)

Tavira, 5 de maio de 2041

Decorria o dia 13 de fevereiro de 2020. Como era hábito, no final da tarde, reuniria com sete educadoras, autoras de um belo projeto de turma-piloto de comunidade de aprendizagem.

Na manhã desse dia e no início da tarde, muitas mensagens recebi. Os meus três endereços de e-mail e o WhatsApp estavam repletos de pedidos de ajuda. Eram professores amigos, que se mostravam preocupados e até mesmo angustiados. O prédio da escola estava fechado. E, na busca dos seus alunos, apenas conseguiam alcançar meia dúzia. Refletiam consciência de que os restantes corriam risco de ficar em situação de abandono intelectual.

Solidário, os convidei para o encontro Zoom das cinco da tarde. Na hora exata, havia mais de uma centena de professores, câmera fechada, escutando o meu diálogo com as tutoras de trinta e oito alunos.

Corrigindo: já não eram alunos, mas sujeitos de aprendizagem. Eram pessoas protagonistas de processos educativos. Durante três anos, eu ajudara quatro tutoras e três voluntárias a desenvolver autoria naqueles jovens. Com as suas tutoras, elaboravam projetos de vida, a partir de necessidades, desejos, sonhos, talentos. Dado que cada ser humano é único e irrepetível, não havia um projeto de vida igual a outro projeto de vida. Mas, quando se tratava de abordar problemas da comunidade, o trabalho de equipe tomava o lugar da lida individual.

As tutoras não planejavam, nem “davam aula”. Ensinavam os jovens a planejar-se, a saber gerir recursos, tempos, espaços, a saber planejar as suas vidas. Não preparavam projetos para os alunos; construíam projetos com os seus aprendizes, a partir de explicitadas e esclarecidas necessidades.

Os roteiros de estudo continham questões, endereços de bibliotecas, sites, locus de consulta, que os jovens habilmente acessavam, porque tinham aprendido a pesquisar. Selecionavam informação pertinente. Analisavam e criticavam a informação recolhida. Comparavam diferentes informações, sintetizavam e avaliavam a informação. Transitavam da informação para o conhecimento com mediação das suas tutoras, e do saber para a ação, no desenvolvimento de competências.

O currículo produzido (e não “consumido”) era transformado em comunicações. As evidências de aprendizagem obtidas eram socializadas e incluídas nos portfólios.

O currículo de comunidade e o de consciência planetária era desenvolvido de modo idêntico. Mas, havia começado o confinamento, a obrigatoriedade de distanciamento social. Perguntei às tutoras como pensavam continuar o projeto.

Responderam que, até àquele momento, tinham conseguido chegar a vinte e seis dos seus trinta e oito aprendizes. Pediram que voltássemos à Internet cerca das dezenove horas. Entretanto, iriam tentar o contato com os doze “faltosos”.

Concordei. Seguiu-se um período de esclarecimento dedicado aos “espectadores” do encontro. Ligadas as câmeras, era evidente o espanto no rosto dos professores, que haviam assistido à conversa.

Duas horas depois, voltamos a encontrar-nos. Todos os jovens tinham sido contatados. Inquiri sobre o modo como conseguiram encontrá-los. Referirei apenas três exemplos de “busca e achamento”.

Sei que ficastes com vontade de saber como todos os jovens foram “encontrados”. Em verdade, eles nunca se viram perdidos, mas incluídos em “círculos de aprendizagem de vizinhança”. A solidariedade, a autonomia e a responsabilidade social, valores centrais das comunidades de aprendizagem, tinham-se entranhado nos comportamentos daqueles jovens.

Amanhã, vos direi o que aconteceu.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXX)

Tavira, 4 de maio de 2041

Como vos disse na cartinha anterior, eram sete as perguntas a fazer, para tentar compreender um estranho fenômeno, o da manutenção do instrucionismo. Nos tempos que correm, custa a crer que o modelo da ensinagem ainda vigorasse nos idos de vinte, disfarçado de “modelo híbrido”, mas era a moda do momento.

Sete perguntas o desconstruíam. Eis a primeira: Por que se aprende?

Essa era a pergunta básica. Por que razão a criança aprende a andar, a falar, a sorrir? Não será por necessidade? Necessidade de comunicar, de se movimentar, de ser aceite?

Quem aprende? Aquele que, estático, dependente, passivo, se comporta como objeto de ensinagem, entre as quatro paredes de uma sala de aula? Ou aquele que se assume na dignidade de sujeito de aprendizagem e se compromete consigo, num projeto de vida com outros?

Onde se aprende? Dentro de um prédio a que chamavam “escola”? Ou em qualquer lugar onde projetos acontecem? Uma escola transformada, os lares, as praças, a floresta, as bibliotecas e muitos outros locus de aprendizagem estão aí, disponíveis.

Quando se aprende? Entre os seis e os vinte e tal anos de idade, ou ao longo da vida? Em cinquenta minutos de aula, ou nas vinte e quatro horas de cada um dos trezentos e sessenta e cinco dias de cada ano?

Com o que quê e com quem se aprende? Com aulas sensaboronas, ou com a busca de informação, a prática da pesquisa? Com auleiros palradores, ou com pessoas capazes de conosco construir projetos, acompanhando processos de descoberta, de mediação? Quando o discípulo está pronto… o mestre surge.

Como se aprende? Ouvindo alguém ditar algo a que não atribuímos significado, ou quando a aprendizagem, à boa maneira de Vigotsky e Bruner, é significativa, diversificada, ativa, integradora, socializadora?

Como sabemos que aprendemos? Retendo informação inútil na memória de curto prazo, para ser debitada numa prova? Ou produzindo conhecimento traduzido nas evidências de aprendizagem de um portfólio?

O termo “aprender” advém do latim ”ad”, que significa “juntar” e de “prehendere”, que significa “levar para junto de si”, ou, metaforicamente, “levar para junto da memória”. Por seu turno, o verbo aliado “apreender” tem origem em “prae”, (“à frente”), e “hendere” (de “hedera”, a hera, uma planta trepadeira que se prende às paredes, para poder crescer).

Numa prática autoral, “apreender’ é ato de captura, de assimilação consciente; “aprender’ é ato contínuo, de autoformação.

Ninguém aprende sozinho. Muito menos com uma máquina. Um computador não pensa, não sente. Aprendemos na intersubjetividade, na relação com o mundo, no estabelecimento de vínculos cognitivos, emocionais, afetivos. Aprendemos no contexto de comunidades, no re-ligare da família com a sociedade e a escola.

Os primeiros mil dias de vida são fundamentais para a saúde do indivíduo durante o resto de sua vida, são decisivos na sua formação. Sabíamos que a presença de um parente melhorava as taxas de sobrevivência de uma criança, se a sua mãe morresse. Estudos dos idos de vinte concluíam que uma criança tinha mais probabilidade de crescer feliz, se acompanhada pelas avós. Por que se separava avô e neto de tenra idade? Por que se encaixotava crianças e se asilava os velhos?

No cuidar dos netos, os avós transmitiam ensinamentos, desde aprender a caminhar até ao contar estórias. A comunicação emocional intergeracional constituía-se em pilar básico de aprendizagem dos netos e de correção dos erros cometidos com os filhos.

Quando a minha neta Alice nasceu, comentei:

“Agora, que já estava apto para ser pai… virei avô.”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXIX)

Tavira, 3 de maio de 2041

A minha amiga Tina enviou-me “três perguntinhas simples”, para que eu lhes desse resposta:

“Tem que ter aula? Tem que dividir por idade? Tem que ter prova?”

É evidente que a Tina sabia as respostas, porque só quem sabe faz perguntas. Mas, atrevi-me a tratar essas “perguntinhas simples” com uma pequena dose de “complexidade”. E parti das respostas para novas sete perguntas. Passei pela definição e interpretação de sete obstáculos. Identifiquei e ajudei a colocar em ato sete modos de os ultrapassar. Disso vos falarei em próximas cartinhas.

Por agora, recuperarei uma pergunta, para além das sete, cuja resposta foi encontrada já nos finais da década de vinte:

“Quanto tempo duraria ainda o “inferno astral” da Educação?” 

Há vinte anos, por esta altura, estava prestes a completar setenta anos de idade e mais de cinquenta de ajudar a construir projetos. Atravessava o meu “inferno astral”, estranha expressão, que os astrólogos definem como um mês irritante, frustrante. Realmente, aconteceu um mês conturbado. Uma escola a que eu doara décadas de vida útil, mostrava-se refratária à inovação.

Quando se conscientizaria e retomaria rotas de transformação? Ciclos de avanços e regressões se sucediam. Projetos surgiam, assumiam visibilidade social e… desapareciam. Ministros e secretários de educação recém-empossados esboçavam projetos de mudança… e  se instalava o “inferno astral“. Eram assediados por puxa-sacos, pedindo emprego para familiares e amigos. Recebiam uma avalanche de currículos. Eram pressionados por políticos sem escrúpulos, negociando cargos. Poucos resistiam ao assalto de sistemas de ensino e consultores. E aqueles que resistiam eram alvo de tentativas de assassinato de caráter perpetradas por burocratas de serviço.

Em 2019, a nomeação de um secretário de educação acendeu no espírito deste incorrigível esperançoso o pressentimento de que algo iria mudar, porque o Rafael falava assim:

Nosso currículo e nossas metodologias precisam passar por um processo de modernização. Teremos seleções técnicas para todos os cargos. Políticas públicas serão baseadas em evidências científicas.” 

Eu conhecia o novo secretário. Era pessoa competente para o exercício do cargo e talvez não cedesse perante ardilosas manobras de bonsais humanos, que chafurdavam na lama da era da pós-verdade. A educação estava nas mãos de corruptos e amadores. A tarefa do novo secretário anunciava-se ciclópica.

O sistema estava imerso em contradições, numa deriva traduzida em indicadores medíocres. O amigo Rafael criou condições de mudança e, ao fim de meio ano… demitiu-se.

Durante o meu “inferno astral”, refletia sobre o fenômeno da corrupção intelectual. Se o professor era um ser humano sensível e inteligente, conhecedor da lei, que nos dizia ser a educação um direito de todos, poderia continuar a praticar um modelo de ensino, que negava à maioria dos jovens esse direito?

Na dimensão da deontologia profissional, considerando exigências éticas, para compreender a dimensão real da “crise”, me confrontava com a pesquisa tradicional. Esta não deixava ver que “a crise” da escola não era apenas da escola, que afetava todo o tecido social e se retroprojetava na escola. Nesse tempo, estudos feitos de citações de citações não conduziam à identificação de caminhos exequíveis para uma educação de boa qualidade. Perversamente, eles contribuíam para a manutenção de um fóssil.

A situação de crise não era apenas originada pelos defeitos de uma gestão burocratizada. Havia evidências de corrupção moral.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXVIII)

Tavira, 2 de maio de 2041

Netos queridos,

Nesta carta, vos darei a conhecer o desfecho da conversa com a Alice. Por acreditar na inteligência dos professores e na da Alice, em particular, derivei da maiêutica estratégia:

“Ó Alice, tu leste o que diz o Perrenoud sobre a avaliação?”

“Não, não li.”

“Ele diz que “é preciso mudar a forma centenária como a escola se organiza, pois os professores e os alunos perdem o seu tempo numa escola assim organizada”.

“Não estou a perceber aonde queres chegar.”

“Alice, por que não se interrogam as escolas sobre o modo como estão organizadas? Por que continuam “organizadas de uma forma centenária”?

“Zé, tu sabes que eu não sou muito dada a leituras. Mas lembro-me de ouvir falar desse autor na minha pós-graduação.” 

Nas graduações e pós-graduações, eram raros os formandos “dados a leituras”. A pesquisa e a “produção científica” era apanágio de PhD. A universidade havia perdido o monopólio do saber, mantinha apenas o da creditação. As escolas lhe seguiam o exemplo, reproduzindo práticas ancestrais ornamentadas com jargão científico. A Alice pagou um diploma, mas não recebeu em troca conhecimento, que lhe permitisse “definir critérios”.

“Gosto muito de falar contigo, mas ainda tenho de corrigir uns testes…”

A já longa conversa estava prestes a terminar, e apanhei a “deixa”:

“Querida amiga, a exclusiva utilização de um mesmo tipo de instrumento de avaliação tem sido responsável por graves erros. Na correção de testes, pode haver muita injustiça. Atenda-se ao exemplo do candidato a medicina que, por uma centésima, não acedeu ao curso desejado.”

Interrompi a ladainha, por me aperceber de que a Alice já não escutava. Perguntei se aceitava a minha ajuda, para mudar a avaliação.

Respondeu que “sempre foi assim” e que tinha mais que fazer. Dirigi-lhe uma última pergunta:

“Se tu já percebeste que fazer pautas com números é pura perda de tempo e de energia, porque continuas a fazê-lo?”

“Isso não interessa. O que queres que eu faça, se eu estou sozinha? Se eu falar dessas coisas estranhas que tu falas. ainda me chamam maluca! O que eu quero é que me ajudes a resolver esta coisa dos critérios de avaliação”.

No tempo da Alice, quase não existia avaliação nas escolas. Não lhe cabia toda a responsabilidade. O (mau) exemplo, em palavras suas, “vinha de cima, do ministério”. “E até da universidade!” – acrescentou:

“A gente tem de fazer o que nos mandam, não é? E aprendemos a fazer assim na universidade.”

A Alice continuou a aplicar prova, sem querer saber de que conceber itens de teste, garantir fidelidade e tudo mais é um exercício extremamente rigoroso, assim como assegurar que as condições são as mesmas para todos, quando se aplica prova. De nada valeu ter-lhe dito que esse instrumento de avaliação apenas “provava” a capacidade de acumulação cognitiva, de armazenamento de informação em memória de curto prazo, para debitar e esquecer.

Despedi-me da Alice com uma citação de Freudenthal:

“O exame torna-se um objetivo; o que vem para exame; um programa; o ensino da matéria para exame, um método”.

E do Iturra, que assim dizia:

“Na vertigem das reformas educativas, a memória transmitida é a abstração escrita de um saber variável, que não condiz com o quotidiano em que viveu uma parte da população, que se identifica melhor com a sua própria memória oral como fonte de conhecimento. A cultura letrada, que organiza o ensino, não tem sido capaz de romper com o modelo imperante de eficácia económica e incorporar a prática social como mediadora entre o saber da experiência controlada e o saber que provém da experiência provada”.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXVII)

Tavira, no Primeiro de maio de 2041

Creio que continua a fazer sentido comemorar esta data e vos falar da humanização do trabalho do professor, bem como do lado lunar da profissão.

De visita a uma escola, reparei que a horta estava abandonada, tudo seco, só com ervas daninhas. Quis saber por quê.

“O projeto da horta acabou, porque o professor que o fez foi para outra escola e levou o projeto com ele.”

“Mas, por que foi embora?”

“Ele era um rapaz muito esquisito. Não dava aula, como todo mundo faz. Não obedecia às ordens da senhora diretora. E até meteu os pais na escola. O pai do Abel, por exemplo, que não é educador, que é lavrador, chegou a cuidar da horta.”   

Observei que os pais não passavam da portaria da escola. O professor “esquisito”… levara o projeto com ele.

Sempre que me perguntavam por que “abrimos a escola à comunidade”, por que razão a escola não tinha diretor, eu respondia:

“Nós não abrimos a escola à comunidade. A escola é da comunidade. E, se não temos diretor, é porque somos todos diretores, e eu sou um trabalhador da educação ao serviço de uma comunidade, num projeto que a comunidade construiu.”

Quando o Armindo, a Clara, o Augusto, a Henriqueta, o Barros e outros pais e mães de alunos assumiram responsabilidades na Associação de Pais, eu assumi o estatuto de professor “esquisito”. Decorria o ano de 1976. Sem professores que quisessem “Fazer a Ponte”, a Ponte começou a ser feita por pais e por um professor “esquisito”.

Vinte anos depois, a Escola da Ponte recebia o Primeiro Prémio do Concurso Experiências Inovadoras no Ensino. Trinta anos depois, o Presidente da República me fez comendador da Ordem da Instrução Pública. Entreguei o galardão à Escola da Ponte. Quem merecia homenagem não era eu, era a comunidade constituída, a começar pelos pais.

Por me posicionar, mesmo quando já aposentado, ao lado dos pais e da comunidade, fui alvo de críticas, ganhei inimigos, perdi amigos. A perda de amigos é irreparável, algo doloroso. Sobretudo, quando se crê que esses amigos conosco partilham valores e práticas.

No distante abril de 2021, numa viagem a Portugal, pretendia dialogar com amigos de longa data, pessoas que eu muito estimava. O tempo havia operado desgaste afetivo. Eles optaram por uma carreira no ensino “superior”, produzindo teoria jamais posta em prática. Eu optara por ficar no chão da escola de ensino “inferior”, testando teorias, para que acontecesse aprendizagem “superior”. E os caminhos divergentes, paralelos, dificilmente se encontram.

No decorrer de “palestras”, perguntavam se eu conhecia fulano e beltrana e “se concordava com eles”. Eu respondia que os conhecia, que os considerava amigos, mas discordava de certas práticas. Ambos discorriam sobre transição paradigmática, mas contribuíam para legitimar a manutenção do paradigma da instrução, ainda que disfarçado de “flexibilizações” e pseudo-autonomias.

No “diz-se que disse”, fofoqueiros brasileiros e intriguistas portugueses agiam na sombra. Eu recusava acreditar naquilo que me diziam, mas havia quem acreditasse. E até quem provocasse assassinato de caráter.

Voltei à escola por desejo de pais leais ao projeto e conscientes da necessidade de o relançar. A Ponte estava ilhada em terra estranha. Precisaria de ressurgir no chão inicial. Sem justificação, a não ser a do uso indevido de poder, se tentou impedir que a Ponte continuasse a inovar. Quando afirmei a necessidade de criar uma turma-piloto, amigos viraram obstáculos. E, se eu havia sido para eles “uma referência”, eu virara “um problema”.

Tristes memórias de um professor… “esquisito”.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXVI)

Tavira, 30 de abril de 2041

Netos queridos,

Dissestes querer saber pormenores da conversa com a Alice. Satisfaço a vossa curiosidade. E aviso que a descrição que se segue, por ser mais ou menos “técnica”, poderá ser maçadora.

Senti que poderia fazer a minha boa ação diária. De modo que lhe fiz compreender que um teste determina o grau de desempenho relativamente a competências específicas e não-substituíveis. Por exemplo, o não saber o que são números decimais não pode ser substituído por saber multiplicar; o saber o que são seres vivos não pode ser substituído por saber o que são serviços públicos. Maieuticamente, questionei:

“Por exemplo, um 14 num teste é um 14 relativamente a quê? A um objetivo? A um conjunto de objetivos?”

“Eu sei lá!” – respondeu a Alice – “Na faculdade nunca me falaram disso.”

A acreditar naquilo que desabafou ao telefone, da formação contínua nem queria falar. Só lá ia “pelo certificado… e pelos cabelos.” (Alice dixit) Sob o pretexto de completar a prédica suspensa, fui dizendo à minha amiga Alice que a indicação de valores (40%, 18 valores, 112 pontos…) serviria para enfeitar testes, mas pouco ou nada servia as intenções de uma avaliação. Não diz o que o aluno aprendeu, informa (e mal) o quanto aprendeu. Porque a prova é um dos mais falíveis instrumentos de avaliação. Por si só, não fornecem indicadores fiáveis.

Ela confessou que não sabia o que fazer, mas ela e os outros professores que não se preocupavam com “coisas” de somenos importância – “Que remédio!” – teriam de preencher pautas e planilhas, no fim do período.

Para abreviar, condensarei o teor da conversa. Com infinita paciência, fiz ver à minha amiga Alice que, numa escala de 1 a 5, um ponto, algures entre 2 e 3, é diferente dos outros. Esta escala considera dois níveis negativos e três níveis positivos. Entre 2 e 3 temos uma situação de critério (o mínimo relativamente às aprendizagens pretendidas). Mas que critérios podem ser estabelecidos para uma escala ordinal, partindo de resultados quase exclusivamente extraídos de uma prova, que não é instrumento de avaliação formativa, contínua e sistemática?

É possível transpor os dados de uma escala intervalar para uma escala ordinal, mas não é aconselhável. Muito menos, no final de um período ou ciclo e para todas as competências requeridas aos alunos. Um 5 não me dizia quanto um aluno sabe mais do que aquele que teve um 4, ou o que sabia que o de 4 não sabia. Era mera ordenação sem qualquer significado.

Ainda com a Alice escutando, fiz a síntese e a moral da história. Que, no tempo da “escola seletiva”, a essência do sistema de avaliação era a classificação. Que não era possível reter um aluno, apoiando a decisão numa mera escala ordinal. E que a questão não residi em “reter” ou “não reter”, mas em aprender ou não ter aprendido determinado.

Aqui chegados, já nem os sussurrados “hum… hum…” com que sublinhava, de quando em quando, a minha explicação, se faziam ouvir. A Alice não tugia nem mugia… Apurei se ela ainda estaria do outro lado.

“Estou, estou. Continua.! Diz lá!” – devolveu a Alice, indisfarçavelmente contrariada – “Estou a tentar seguir o raciocínio.”

Em nome da razão, não prolonguei o pedagógico suplício. E a Alice aproveitou a interrupção:

“Estás para aí com esses pormenores, mas, há uns anos, até houve um professor que teve a coragem de me dizer “ó colega, dê lá o 3 ao rapaz, para ele passar!” E eu lá dei, mas o aluno nem um 2 merecia, fica sabendo!”

Eu já ouvira muitos relatos indiciadores de menoridade profissional. Reagi com solidariedade e compaixão. Respirei fundo. E finalizamos a conversa.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXV)

Tavira, 29 de abril de 2041

Era tal e qual a Alice dissera, “mais um projetinho, para que tudo ficasse na mesma”. Ela já tinha decidido “não contribuir para esse peditório” (Alice dixit). Só queria que “eu lhe explicasse coisas da avaliação”.

Dei por mim a compadecer-me da angústia da Alice. Fui adiantando que definir “critérios de avaliação” não é o mesmo que ordenar “critérios de classificação”, que a avaliação é um conceito mais vasto do que o de classificação, que a avaliação procura a posição do indivíduo relativamente a ele próprio, a objetivos e, por vezes, a um grupo, para identificar dificuldades, apontar soluções, para regular e melhorar a aprendizagem, enquanto que a classificação determina a posição do indivíduo para o comparar com uma norma estabelecida, ou com posições obtidas por outros indivíduos. E por aí adiante.

E nem a macei com o explicar da distinção entre grandezas qualitativas e grandezas quantitativas, entre variáveis discretas e variáveis contínuas, como se impunha para uma cabal distinção entre escalas.

“Pois, pois, está bem, mas o que eu quero é orientação para fazer os critérios. Quando posso dar um 2 ou um 3” – interrompeu a Alice, mandando às malvas o meu arengar.

A Alice sinonimizava avaliação e classificação, confundia rigor com raciocínio quantitativo. Estrategicamente, recuei o discurso para o registo do menor esforço: Na avaliação sumativa, a Alice não precisava quantificar e, dado que os juízos sumativos assentavam em critérios para cada dimensão curricular, ela poderia fazer avaliação e não atribuir uma classificação.

“Está bem, Zé, és capaz de ter razão, mas o que é que eu vou apresentar aos meus colegas, na reunião? Eles não são complicados como tu!”

“Diz-me o que queres dizer com o “ser complicado.”

“Tu sabes o que eu quero dizer. Eles só querem saber como hão-de dar as notas. Não se preocupam com essas coisas.”

Não dei réplica às ”coisas”. Fiz-me sonso e contra-ataquei:

“Diz-me lá de que dados dispõem os teus colegas, para poderem dar as notas.” “Temos as notas dos testes e mais algumas coisas.” 

Como voltávamos às “coisas”, quis saber quais, mas a Alice titubeou, terminando a não-explicitação das “coisas” num ato de contrição:

“Eu sei que sou uma chata, mas é como se cortássemos o programa às fatias e depois as puséssemos no computador…Pode estar mal, mas…” 

Poupei-a ao arrependimento e reatei o diálogo:

“E quantos testes fizeste neste período?” 

“Só dois, porque o Conselho Executivo diz que não há dinheiro para mais xerox.” 

Se quiserdes, vos relatarei a continuação dessa conversa.

Dias depois, a Alice deu-me uma novidade. A sua escola iria participar no chamado projeto de “autonomia e flexibilidade curricular”. Remeteu-me para a leitura de uma portaria, que continha boas intenções, logo anuladas por hábeis regulamentadores. Se não, vede:

O artigo 3.º era explícito, referia que o desenvolvimento da autonomia e flexibilidade curricular se subordinava a princípios consagrados em dois decretos, bem como aos princípios orientadores inscritos no regime de autonomia, administração e gestão, “designadamente no que diz respeito ao primado dos critérios de natureza pedagógica sobre os critérios de natureza administrativa e à possibilidade de adoção de soluções organizativas diversas no quadro das opções pedagógicas e curriculares de cada escola.”

Lestes bem: primado dos critérios de natureza pedagógica. Não os encontrei no restante texto da portaria. Talvez pudéssemos acreditar nas boas intenções de secretários e ministros, mas nunca confiar na boa-fé dos burocratas.

 

Por: José Pacheco

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