Engenho de Dentro, 28 de julho de 2040
Já não me recordo de quem terá escrito que, junto com Anísio Teixeira, Freire, Darcy e Lauro formavam o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da história da educação em nosso país, mas sei que li algo assim. E não eram apenas estes os injustiçados. Temos registros de muitas e muitos mais injustiçados. Como a Nise…
O Sartre dizia haver dois tipos de pessoas que diziam a verdade: as crianças e os loucos. E, nos idos de vinte, para obstar à sadia loucura, os loucos eram internados em hospícios, enquanto as crianças eram sequestradas em salas de aula. Jovens guetizados, na mesma sorte dos velhos confinados em lares da terceira idade ou estupidificando-se, frente a um televisor. Naquele tempo, os verdadeiros loucos andavam à solta e os netos eram separados dos avós em tenra idade.
A salutar criatividade da infância era cerceada pela louca velha escola. Mas a “busca da verdade e da beleza são domínios em que nos é consentido ficar crianças toda a vida”, como nos dizia o sábio Einstein. E as pinturas dos considerados loucos, nos quais a Nise reconheceu genialidade, deram origem a um belo museu, prova de que nem tudo estava perdido.
Pela mão do meu amigo Vítor, fui até ao Engenho de Dentro, onde o Hotel da Loucura provava ser possível, em imprevistos e improváveis lugares, retomar o rumo perdido da humanização, concretizar utopias.
No discurso sobre educação, a palavra utopia era sinônima de impossibilidade. Mas, como diria o Quintana, “se as coisas são inatingíveis… ora! / Não é motivo para não querê-las”. Concretizar utopias – recriar vínculos, rever e re-olhar, reelaborar as práticas – reconfigurava a metáfora do Mito de Sísifo, o “inédito viável” freiriano. A nova educação, que emergia do sonho de todos nós, deveria formar o cidadão democrático e participativo, o ser humano sensível, solidário, amoroso.
Todas as teorias já estavam escritas. Importava renovar a denúncia da guetização da juventude, a par com o anúncio da possibilidade de uma aprendizagem transformadora. Nunca seria demasiado afirmar a possibilidade de uma escola na qual os aprendizes aprendessem a lidar com um conhecimento mutante, na busca da integração das diversas dimensões do humano “para garantir condições de se atribuir novos sentidos à existência e atender a necessidade do engajamento do sujeito na construção do futuro”, como diria uma Nise, que um tal Carl Jung admirava e desejava conhecer.
Então, como entender a pressa na decisão de, ainda em plena pandemia, remeter a infância para dentro de muros? O que se aprendia dentro de um edifício escolar, que não pudesse ser aprendido fora dos seus muros? Quase nada! Os decisores não sabiam que o espaço de aprender era todo o espaço, tanto o universo físico como o virtual, e a vizinhança fraterna. O modelo escolar não era o único modelo de educação. E esta deveria ser pensada mais a partir das comunidades que servia, do que a partir da instituição.
Urgia que os “paidagogos” não mais conduzissem as crianças da comunidade para a escola, mas que as libertassem da reclusão em guetos escolares e as devolvessem à comunidade. A recuperação de vínculos afetivos, seria início de cura das enfermidades sociais, como dissera a Nise: “O que cura é o contato afetivo entre uma pessoa com a outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito”.
Nos anos trinta, chegaria o tempo do despontar da claridade, que pôs fim à loucura. Tinha chegado o tempo de, à semelhança do Jung, o Brasil (finalmente!) encontrar a Nise.
Por: José Pacheco