Jardim Botânico, 07 de abril de 2040
Nos idos de abril de 2020, a crise do vírus progredia. Para aliviar o sofrimento de amigos, que haviam perdido familiares, eu enviava-lhes umas cartinhas virtuais. Outras eu endereçava ao mundo da educação. Foi o que fiz, há precisamente vinte anos, quando a secretaria de educação publicou um anúncio da Internet: “Tire suas dúvidas sobre como serão as tele aulas”. A secretaria anunciou que transmitiria um programa educativo na internet, para auxiliar alunos da rede pública durante a pandemia.
Acrescentava o anúncio: as atividades não são obrigatórias e não contam como dia letivo, mas podem ajudar a manter a rotina. Elas servem para oferecer conteúdo aos estudantes enquanto as aulas não voltam (sic). O anúncio também nos convidava para participar de um encontro no facebook, no qual a secretaria de educação responderia a perguntas sobre o programa Escola em Casa.
Aquilo que vi e ouvi no facebook foi merecedor de um comentário. Reproduzi-lo-ei nas próximas cartinhas. Espero que tenhais paciência e tempo para o ler. Fá-lo-ei sem usar jargão científico, ou recorrer a notas de pé de página e bibliografia. Porém, não deixará de acontecer sob a forma de diálogo fundamentado no bom senso e numa ciência prudente. Tal como agiu o ministro da saúde de então, perante a pandemia.
Mandetta, os profissionais de saúde e serviços, bem como muitos solidários professores, correram riscos, para salvar vidas. Foram os meus heróis durante a crise. Mandetta não se demitiu, apesar de ameaçado e criticado nas redes sociais. Leal ao Juramento de Hipócrates, ele assumia que: “o médico não abandona o paciente”.
Eu sugeria que se estendesse à nobre profissão de educador o mesmo princípio: “nenhum aluno pode ser deixado para trás”. Mas, as secretarias continuavam a impor a professores temerosos e famílias preocupadas com o bem-estar dos seus filhos um modelo de ensino responsável por um autêntico genocídio educacional. As famílias desejavam que os seus filhos fossem felizes, mas a secretaria impunha a muitos seres humanos um destino feito de infelicidade. Nesse tempo, muitos professores adoeciam e o suicídio juvenil atingia níveis nunca vistos.
Durante duzentos anos, esse modelo de escola fora um dos responsáveis por inúmeras catástrofes e flagelos. A escola da ensinagem engendrou degradação ambiental e guerras sem fim. Consciente de que fora vítima de uma educação decrépita e arcaica, um sobrevivente do holocausto deixou, num campo de concentração nazista, uma carta dirigida aos professores:
Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética, só serão importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.
Infelizmente, a escola da ensinagem sobreviveu à segunda guerra. Seria preciso substituí-la pela escola da aprendizagem. Durante a crise, para que, após o reinado do corona, não se corresse o risco de viver uma terceira… e última guerra.
Por: José Pacheco