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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXIV)

Coelho Neto, 9 de março de 2041

O João convidou-me para partilhar uma Mesa de Debate. Esse meu amigo era doutor em Sociologia da Educação, mas era diferente de outros teóricos, pois praticava a teoria no chão da escola.

O debate ainda ia a meio, quando um professáurio usou da palavra, pela terceira vez, evocando “o direito de resistir à mudança” (sic). Fê-lo na tentativa de justificar a sua inércia, numa fala de baixo estofo moral, rasa e sórdida. Quedar-me-ei por citar o amigo João, quando pôs fim às ridículas intervenções da criatura:

“Olhe, colega, ao longo de mais de vinte anos, trabalhei o conceito de “resistência à mudança”. É um conceito central da minha tese. Tenho escutado o ilustre colega com todo o respeito e com paciência. Mas, pela terceira vez, o colega usou um conceito que me é muito caro, mas inadequadamente. No seu caso, não se trata de “resistência à mudança”, mas de preguiça mental”. 

Esse episódio despertou em mim a memória da Brígida. Ela era a vedeta do curso. Desenvencilhava-se a preceito de trabalhos práticos e exames. Era apontada pelos seus mestres como uma “promessa do ensino”, diziam estar “fadada para grandes voos e eu não duvidavai do idealismo que ela derramava. Mas a vida tem o condão de nos reservar amargas surpresas…

Terminado o curso, fomos cumprir o destino de educar as novas gerações. Reencontrei-a no fim dos anos setenta, nos corredores do Ministério. Conservava nos olhos resquícios da fogosidade de outrora e na boca um entusiasmo esmorecido. Após algumas palavras de circunstância, de ficar a saber que havia casado recentemente e que eu “continuava o mesmo”, quis saber novidades.

“Sabes, Zé, não sei onde ficarei colocada no próximo ano. Ando de escola para escola. Acho que não devo mudar o que quer que seja”. 

Também eu andara de escola em escola, também eu passara por cortes de gado adaptadas a salas de aula, também eu tivera turmas de mais de quarenta alunos. Mas isso não dissipara o sonho.

Os nossos caminhos voltaram a cruzar-se ia a Brígida nos 36 anos e já era professora efetiva. Desabafou:

“Ó Zé, eu sei o que estarás a pensar… Mas eu tenho filhos pequenos para criar! Como se eu não soubesse! Como se eu os não tivesse! – Primeiro estão os filhos! Eu bem gostaria de entrar num projeto, mas tu não vês a vida que eu levo? Às quatro, ponho o meu Márcio na piscina. Às cinco e meia, a Marina sai do Instituto de Inglês e o meu marido, a essa hora, ainda está no escritório. Ele ainda me faz o favor de ir buscar os miúdos enquanto eu preparo o jantar. E, depois, uma casa dá muito trabalho. Eu tenho lá tempo para essas coisas! Lá para diante, quando eles forem mais crescidinhos, logo se verá.”

Voltei a encontrá-la, à entrada dos cinquenta, uma mulher madura com alguns cabelos brancos mal disfarçados. Nada lhe perguntei que a pudesse contristar. Mas ela foi direta ao assunto:

“Já sei o que me vais perguntar. É um lírico, mas eu já me deixei de fantasias. No nosso tempo, éramos novos, cheios de energia. Com o tempo a gente começa a amadurecer. O melhor é deixar tudo como está. No nosso tempo, o papel do professor era muito claro, tinha o conhecimento e transmitia-o conforme os meios que possuía. Os alunos que conseguiam acompanhar eram bem sucedidos, os que não conseguiam repetiam as vezes necessárias para aprender. E assim é que estava bem. Olha! Agora, o que eu quero é ir para a aposentadoria. Agora, o que eu quero é sossego.” 

Confesso que, em nome dos velhos tempos, o único sentimento que as suas palavras me suscitaram foi uma grande ternura. Naquela Brígida descolorida, vencida, eu vi refletida uma imensa legião de desistentes.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXIII)

Coruípe, 8 de março de 2041

No mês de março de há vinte anos, duas notícias me devolveram alguma esperança. Na cidade de Taiz de um Yemen fustigado pela guerra, um menino cego, de nove anos de idade, assumira o papel de professor, a partir do momento em que os professores, não sendo pagos, deixaram de frequentar as salas de aula. Nas ruinas de prédio de escola destruída por bombas, Ahmed recebia outras crianças e delas cuidava. No mesmo mês, a midia sensacionalista apropriava-se do exemplo da Érika, jovem de doze anos de idade, que, nos cafundós do Brasil, instalara a sua “escolinha”.

Coelho Neto foi escritor, político, professor brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras e membro ativo das campanhas abolicionista e republicana. Coelho Neto deu o seu nome ao município maranhense, onde, no decurso da pandemia e no meio da extrema pobreza, a jovem Érika rompeu com a resignação. Vítima de uma sociedade desigual, evocava um dos mais fundamentais direitos humanos. Escutêmo-la:

“Toda a criança tem o direito de brincar. Toda criança tem o direito de estudar”. 

A Érika tomara consciência de que esse direito lhe era negado. intuitivamente, se apercebeu de que era vítima de abandono intelectual:

“As crianças andavam sem nada que fazer, sem ter uma leitura, sem ter uma pessoa que as apoiasse”.

Durante uma reportagem, enquanto uma jornalista falava dos “vídeos da menina professora, que viralizaram nas redes sociais”, a mãe da Érika evocava um marido, que chorava por não ter que comer e de dar de comer aos seus filhos.

“O meu sonho é fazer advocacia, ter um lar digno, melhor e a escolinha bem apresentada, bem ventilada, para poder mostrar às pessoas que o sonho da gente não é impossível. Chorar não adianta nada. É melhor tentar do que ficando a chorar, de cabeça baixa. E você, mesmo sendo adulto, nunca vai deixar de ser criança” – Quanta sabedoria contida num corpo franzino de jovem de periferia da periferia!

“A Érika se lembra de como era difícil se concentrar durante as aulas. Porque havia muitos problemas. Havia goteiras, entrava água…” – comentava a jornalista –  “Do lixo veio alimento, mesas, lápis, mas a Escola da Esperança e o lar da família foram demolidas. Vão ser reconstruídas”.

O assistencialismo oportunista quase conseguiu apropriar-se do fenômeno Érika. Uma prefeitura boazinha já tomara “todas as providências em relação à construção da casa”. A Érika e a mãe “receberiam ajuda da Assistência Social”.

Num longo e-mail, a minha amiga Maria manifestava preocupação:

“Se eles só pegaram a “estrutura”, a tendência dela será seguir o ensino tradicional. Mas se, por acaso, fosse possível um contato com ela, assim que tivesse uma base de internet, poderia acontecer aí uma mudança significativa, a de construirmos com ela uma mudança de paradigma, auxiliando-a no sonho de ser advogada”.

O meu espírito se aquietou, quando companheiras e companheiros do projeto das “turmas-piloto” intervieram e estabeleceram contato com a Érika.. E quando na reportagem vi aparecer a diretora pedagógica da Casa Meio Norte, um projeto extraordinário, digno de atenção. .

Conheci a Escola Meio Norte, pouco tempo depois de ter chegado ao Brasil. Em Teresina não se falava de outra coisa. Escutando a Ruthnéia dizer que “a escola tem o papel de fazer a interseção com a comunidade, famílias e crianças”, me tranquilizei:

“A menina vai te apoio da Escola Meio Norte. Vamos trazer para a Érika um notebook. Ela vai pesquisar muito. A Érika é fruto da escola pública”.

Era bem verdade, o que dizia. Mas, cadê a “escola pública” a que a Ruthnéia se referia?

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXII)

Praia do Taípe, 7 de março de 2041

Houve um tempo em que era frequente escutar esta exclamação:

“Eu não sou da educação. Não fiz Pedagogia!”

Eu respondia:

“Graças a Deus!”

Não que eu tivesse qualquer ponta de animosidade relativamente aos pedagogos. Respeitava-os e até estudava alguns deles. O que me surpreendia era o fato de a formação pedagógica de então acontecer, na maioria dos cursos, virtualmente. E que o curso prevalecesse sobre outras modalidades de formação. Acresce que a metodologia utilizada era, em geral, a mesma de há cem anos. 

O semestre já ia adiantado, mas as aulas de História da Pedagogia não desencalhavam da Antiguidade Clássica. A sebenta ia até ao Platão, mas a feminina intuição da Brígida guiava-me nas surtidas à biblioteca (que era mais um emaranhado de livros e teias de aranha), por atalhos de índices e bibliografias, até à exata página ou capítulo.

Numa errância sem fim, bisbilhotávamos armários, passávamos as estantes a pente fino, em busca de novidades. Porém, a mão censória há muito dera sumiço a tudo o que fosse passível de afetar as mentes cândidas dos futuros professores. Até que, num fim de tarde de um abril, se foi toda a gente embora e nós ficámos fechados na Escola do Magistério (já estou a ver os espíritos mais lúgubres congeminando aventuras, mas saibam os maliciosos que nunca a nossa relação confundiu a comunhão intelectual com a tentação de partilharmos algo mais).

Ao fundo de um armário de que se perdera a chave, encontrámos uns livrinhos que um apiedado censor teria poupado à devassa. Vagabundeando por páginas amarelecidas, ficámos a saber os saberes que nas aulas nos ocultavam. Convivemos com personagens até então desconhecidos: Faria de Vasconcelos, Ferrer, Montessori, Kilpatrick… Horas a fio, devorámos as palavras dos avatares de uma “Educação Nova”, que sobreviveu confinada a um conjunto restrito de experiências e que, no nosso tempo do Magistério (e muito para além do contexto histórico em que emergiram!) se mantinha atual.

Apercebemo-nos de que os nossos mestres se esforçavam por nos fazer crer que a intenção libertadora da Educação Nova não passava de uma utopia irrealizável. De posteriores surtidas ficou-nos a paixão por Erasmus e Fénelon, através dos quais iríamos chegar ao convívio de proscritos como Elise Michel ou Proudhon.

Enquanto não se esgotava a pilha da lanterna, vasculhávamos febrilmente os armários empoeirados, tropeçávamos num Rosseau – que um dos nossos zelosos mestres cognominava de “espírito pérfido” – descobrindo que não teria sido o Emílio o inspirador direto da Educação Nova, dado que, pelas nossas contas, entre o filósofo e o início do movimento mediaria mais de um século. Ainda que, depois de feitas as contas – e nós, professores primários à antiga, que bem sabíamos fazer contas! – concluiríamos, ao cabo de muitas horas de furtiva leitura subtraídas às aulas de Legislação, de Didática A e de Didática B, que o Rosseau, que ficara a levedar cem anos, viria a ser recuperado nos primórdios do movimento da “Educação Nova”, que tínhamos descoberto há alguns meses.

Quem cursava Pedagogia, nos idos de vinte, ficava tolhido de mudança. Não partia daquilo que era para ser algo mais. Debaixo do Sol, não havia coisas novas, mas feitas de uma nova maneira: “non nova, sed nove”. Tudo se transformava, assumia diferentes contornos. Só os cursos de Pedagogia se mantinham como um barco à deriva, encalhado à entrada para um porto de promessas. Havia quem continuasse a consultar velhas cartas de marear, indiferente ao impacto das ondas que destroçavam o casco enferrujado.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXI)

Caraíva, 6 de março de 2041

Nasci e vivi os primeiros anos de minha vida num dos bairros mais pobres da cidade do Porto. Quando vivemos imersos na miséria física e moral não nos apercebemos dela. Valeu-me ter nascido numa das famílias que reinventavam com dignidade a sua existência. A escola que eu tive foi a de maior pobreza que se possa imaginar. Tinha um quadro negro e umas carteiras a desfazer-se. As crianças iam à escola para poder comer o queijo amarelo da Caritas, alimento mitigador de processos de desnutrição. E os professores esforçavam-se, muito se esforçavam para ensinar os filhos dos deserdados da vida, para incluir os excluídos.

Nesse tempo, era muito raro alguém concluir a “quarta classe” e ainda mais raro ir além. Não saí da quarta classe para ser professor, mas para ingressar num curso técnico: o de eletricista. Na década de cinquenta, ter um filho “fazendo estudos” era motivo de orgulho para minha família e o pai António mostrava a todo mundo as notas e os diplomas do seu filho.

Trabalhei para poder estudar. Não era emprego da minha predileção, mas trabalho duro de oficina. Creio ter achado a “vocação”, quando ajudei o Artur na preparação para o exame de acesso à Universidade. Ele havia conhecido uma mocinha por quem se apaixonara. O pai da moça era muito rico, não queria que a filha se relacionasse com um “serralheiro maltrapilho da Rua da Vitória”. O Artur encheu-se de brios, que a motivação era forte. Com a minha ajuda, se fez engenheiro, tal como eu iria ser.

Ganhei fama de bom “explicador” e não tardou que a minha casa se enchesse de jovens necessitados de “explicações”, de “aulas de reforço”. E o encontro com um professor mudou toda a minha vida. Fui ouvir uma palestra sua, que deu uma volta à minha vida.

Chamava-se Lobo. No meu país, ainda hoje, a sua memória nunca é evocada, ninguém fala desse professor, nem de outros tão extraordinários como anônimos educadores. Trabalhava nos moldes do ensino dito “tradicional”. Dava aula e batia nos alunos que respondessem errado. Até que, certo dia, após ser castigada, uma criança susteve o choro e perguntou:

“Professor, por que é que tu nos bates? Por que é que tu não nos ensinas?”

“Tenho cinquenta anos” – contava o professor Lobo – “Durante vinte anos, dei aula e dava aula muito bem. A partir desse dia, mudei tudo, tudo! Os meus alunos assumiram-se como pessoas, passaram a aprender com facilidade” (sic).

Escrevi num papel os nomes que o Professor Lobo citou no decurso da palestra. Ouvi falar de Montessori, Freinet, Steiner, Dewey… para mim ilustres desconhecidos. Dei início a uma pesquisa, que dura há já setenta anos, converti-me ao paradigma da aprendizagem. Entre a filiação no Movimento da Escola Moderna e o apoio à criação de escolas Waldorf, da criação de “cantinhos” na sala de aula à colaboração em escolas montessorianas, do aprofundamento do estudo de Dewey até à aplicação das práticas de Kilpatrick… se chegou à Escola da Ponte.

Vinte anos decorridos sobre a palestra, fui convidado para trabalhar numa faculdade. Quando fiz acordos sobre o processo de avaliação, um dos meus alunos perguntou se eu aceitava como “evidência de aprendizagem” a biografia de um professor. “Certamente” – respondi – “De que professor se trata?”

“É um professor que fez setenta anos e está no seu último ano de docência”.

“Qual é o seu nome?“

“Lobo” – respondeu o jovem – “Acaso o conhece?”

Acenei um “sim” com a cabeça, poque a voz se reteve na garganta.

E, quando dispus de tempo para visitar o professor inspirador de tudo o que eu fiz ao longo da minha vida e lhe manifestar gratidão, ele já havia falecido.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLX)

Bom Futuro, 5 de fevereiro de 2041

Muito tempo atrás, teóricos da mecânica quântica defendiam a possibilidade de existirem universos paralelos. Num livro chamado “Algo profundamente oculto” um físico expôs a teoria de múltiplos mundos. E certo é que, nos domínios da educação, os havia. O submundo do ensino “superior” coabitava com o submundo do ensino supostamente “inferior”. O mundo do chão de escola se submetia ao submundo de uma administração educacional autoritária. E, de tão paralelos, raramente esses mundos se encontravam.

Sabemos que educar pressupõe relação, “estar com”. Porém, no sistema de ensino, subsistia um paradoxo: quanto mais distante o educador estivesse da relação, da prática em chão de escola, mais solitário estava, maior salário auferia e mais elevado estatuto social parecia deter.

No tempo do “ensino superior”, documentos oficiais utilizavam um eufemismo que não constava do dicionário: ensino “não-superior”. Esse ridículo eufemismo agia como repelente de novas práticas. A escolas de “ensino inferior” replicavam a escola “superior”. Em Portugal até havia “escolas superiores de educação”. Labutei numa delas e nada de “superior” nela encontrei.

Eu queria crer que, se funções “superiores” houvesse, a mais elevada deveria ser a de ajudar a aprender, num sistema de aprendizagem. Porém, no sistema de ensinagem, as deserções para funções ditas “superiores” eram tantas, que parecia que os melhores professores eram aqueles que conseguiam libertar-se das agruras do mundo paralelo do chão de escola “inferior”.

Quando eu já era mestre em educação, recebia salário de bacharel, só por ter optado por continuar professor do ensino fundamental. Considerava injusto e imoral que houvesse salários diferentes para idênticos horários de trabalho e para o exercício da profissão em idênticas condições.

Eu questionava o abismo salarial existente entre professores com diferentes tempos de serviço e estatuto social. Por que razão um professor da “ensinagem superior” auferia salário maior do que um professor da “aprendizagem inferior”? Por que razão um doutor deveria auferir maior salário do que um licenciado? Que razões ocultas legitimavam que um professor aposentado ganhasse o dobro do salário de um professor em início de carreira? Por que se mantinha a antiguidade como critério de graduação?

Para a última pergunta, era conhecida a resposta. Seguindo a lógica do funcionalismo público, quanto mais tempo se fosse fiel ao seu “superior”, maior salário se recebia, quanto mais servil, maior a recompensa. A lealdade ao sistema era recompensada, sacrificando-se a autonomia, a dignidade.

Estalou uma polémica em torno dos critérios utilizados num concurso. Professores excluídos diziam que outros haviam “passado à frente”, garantindo que foram colocados colegas “com menos anos de experiência”. A professora Sofia queixava-se de haver colegas que, “por não terem sido denunciados, foram colocados, ter regalias”, enquanto o ministério alegava que “havia quem manifestasse a opinião de que a colega Sofia só pretendia passar à frente de tudo e de todos”.

Nos idos de vinte, os professores “inferiores” assistiam impávidos à depreciação das suas práticas, tudo suportavam com infinita paciência. Mas, com bom senso, um deles comentou a polémica:

“É aviltante a falta de ética! Será preciso lembrar que somos exemplo para as crianças?”

Resta dizer-vos que a erradicação do sistema de ensino e a fundação de sistemas de aprendizagem, consumadas nos anos trinta, possibilitou a junção de mundos paralelos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLIX)

Guaiú, 4 de março de 2041

Na vossa carta, me dissestes que o “Avô Mário” faria 111 anos e não 112. Vos agradeço a correção, mas sabei que os nossos amados ausentes não têm idade. Também dissestes que ele não era trisavô, mas bisavô. Sugiro, pois, que regresseis à leitura do livrinho a que dei o nome de “Para os filhos dos filhos dos nossos filhos”. Ireis perceber que, nesse livrinho, me dirijo ao trisavô espiritual dos vossos filhos, ao “Avô Mário”.

Por altura de 2021, a Humanidade aprendera algo com a lição dada por um vírus. Mas, apesar de a pandemia ter escancarado os trágicos efeitos do instrucionismo, ainda decorreria uma década até ao anúncio de um “novíssimo normal,” a “Idade da Educação”, aquela de que os vossos filhos – os filhos dos filhos dos filhos dos pais do início do século – eram merecedores.

Por razões que aqui não contarei, durante a pandemia, vi-me forçado a uma diáspora, que me expôs a múltiplos perigos, mas que também me propiciou reencontros. Adversidades, que não quero lembrar, me fizeram passar por lugares de fraterno acolhimento. Em escassos dias, me vi sendo cuidado em fraternos lares, pude saborear a suave brisa marítima do mundo dos tupinambás, penetrei o remanso de uma resiliente Mata Atlântica. Por breves, mas ditosos dias, convivi com a Maria, o Ramon, a Nádia, a Caína, o Marquinhos, a Flora, o Tiê, a Ilana, o Filipe, o Uanan…

“Uaná” é nome de origem Tupi, significa “pirilampo”. Uanan era um belo menino, um vagalume, um dos pontos de luz do Jardim Ciranda que, como o Tiê e a Flora, vivenciariam a nova educação. Nesse tempo e lugar, admiráveis seres humanos preparavam o rútilo futuro de outros seres. E, ao observar as conversas entre o Uanam e a sua mãe, confirmei que uma criança pertence ao que está acontecendo à sua volta. Ela é o que está acontecendo. Se a acompanhamos na identificação com o aqui e agora, reencontramo-nos com o movimento livre da criança que fomos, reaprendemos a tudo ver como se fora a primeira vez.

Nos dias de peregrinagem, sentia-me voltando ao tempo em que o vosso pai nasceu. Voltei a sentir a preocupação então sentida, quando cogitava a escola que eu desejava que fosse a do André… até que chegou o tempo da Ponte.

O tempo do seu adolescer me surpreendeu nas andanças a que a Ponte me forçou. Deveria ter aproveitado todo o tempo breve de o vosso pai se fazer jovem adulto e me confesso arrependido de longas ausências. Por isso, recomendava aos pais que aproveitassem bem o tempo dos seus filhos. Quando “já somos grandes”, na idade de comunicar na linguagem dos homens, já é demasiado tarde para reaver uterinas memórias. Elas ficam guardadas no mais secreto recanto, até que, passada a idade de ser velho, se esvai o tempo e se regressa ao lugar da memória de todos.

Acontece um tempo nas nossas vidas em que ficamos órfãos dos filhos, porque os amamos e os queremos com vida própria – como diria Kalil, “uma árvore não cresce à sombra de outra árvore”. Mas, o nascimento de um neto é como o regresso de um filho pródigo. Voltamos ao tempo de contar estórias. Não somente as que falam de duendes e fadas, mas daquelas que assomam à memória dos avós.

Quando a vida me levou para o sul, só a espaços contava aos meus netos estórias do tempo em que eu também fui menino. Para eles eram tão reais e verosímeis como as que falavam de unicórnios azuis, ou de princesas encantadas.

No meu peregrinar, sabia que toda a viagem tem regresso. Que o barco que parte não é o mesmo que regressa, mas regressa. Que a vida é toda ela feita de reencontros. Que somos um pouco de cada ser encontrado na viagem. E que, ao nosso lado, há seres viajando… outras viagens.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLVIII)

Trancoso, 3 de março de 2041

Com a introdução da BNC prosperaram as empresas que vendiam milagrosos paliativos para os males do sistema de ensinagem e negacionistas soluções da pandemia. Nos idos de vinte, a comunicação social era pródiga na divulgação desses e de outros absurdos.

Avultavam modismos como o ensino híbrido e “inovações” como a “aula invertida”. Nas palavras do seu “criador”, flipped classroom, ou sala de aula invertida, era o nome que se dava ao método que invertia a lógica de organização da sala de aula. Os alunos aprendiam o conteúdo no aconchego dos seus lares, digerindo videoaulas games (a chamada aula cassino), e na sala de aula, faziam exercícios.

Dizia-nos a “mídia especializada” que o “peer instruction” fora inventado há cerca de vinte anos. Mas, há mais de um século, o Vygotsky dissera que a aprendizagem resultava de um processo interativo. Considerava a existência de uma ZDP, que representava a diferença entre aquilo que o aprendiz poderia fazer individualmente e aquilo que era capaz de atingir em colaboração com outros aprendizes. Também sabíamos que, há mais de trinta anos, o Papert escrevera sobre o assunto. E que, há cerca de setenta anos, o trabalho de pares já era prática comum no quotidiano de uma escolinha de Portugal, muito antes de um professor norte-americano o ter “inventado”.

Mas escutemos o “inventor”:

“Nos últimos vinte e três anos, em aulas de diferentes disciplinas, ficou comprovado que o ensino ativo (active learning) coloca o foco no estudante”. 

O “comprovado” cheirava a escolanovismo reciclado e não passava de mais uma reinvenção da roda da educação.

“Mudar é difícil” – acrescentava o “inventor” – “especialmente na universidade, que mudou muito pouco nos últimos 400 anos”. 

O “inventor” estava coberto de razão. Só não entendia por que buscava compradores da “invenção” nas universidades, quando acrescentava:

Na sala de aula, existe uma pessoa falando em frente aos alunos (…) não se dá conta de quão pouco seus alunos aprendem”. 

Se assim era, por que razão metade da “invenção” acontecia em sala de aula?

Durante os cursos que ministrava, o “inventor” do método referia ter escrito um livro sobre a “abordagem” (felizmente, sem tradução em português). Eu recomendaria substituir essa leitura por escutar o amigo Nóvoa, referindo-se à escola da aula:

“Uma instituição retrógrada, detentora de esquemas arcaicos de organização do trabalho, sistemas de ensino centralizados e estruturas físicas e curriculares rígidas. Hoje sabe-se que este modelo está fatalmente condenado.

Universidades brasileiras convidavam o amigo Nóvoa para palestrar. O mesmo Nóvoa que, como muitos outros eminentes educadores, teoricamente rejeitavam a ensinagem e a sala de aula. E as mesmas universidades praticavam ensinagem, continuavam “dando aula”.

Era confrangedora a receptividade da universidade brasileira a pseudo-inovações. Talvez padecendo da síndrome do vira-lata e desconhecendo que a “invenção” já tinha sido inventada em escolas do Brasil da década de 1960, um centro universitário brasileiro promoveu uma palestra proferida pelo “inventor”. E um consórcio de catorze universidades brasileiras iria “adotar o método”:

A intenção do consórcio é capacitar 300 professores em três anos” (sic).

À boa maneira instrucionista, sujeitos de aprendizagem eram considerados objetos incapazes, a quem se “capacitava”. Modas pedagógicas desciam do hemisfério norte, por via de empresas do ramo educacional do sul. Mal não viria ao mundo, se os educadores as não comprassem. Mas compravam.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLVII)

Jequié, 2 de março de 2041

Nos idos de vinte, gastei tempo e paciência, tentando que o debate sobre a proposta de uma base curricular fosse sério, fundamentado na lei e numa ciência prudente. Apelei aos meus companheiros das ciências da educação, mas cansei-me de falar para surdos cativos de corrupção intelectual e moral.

Nos anos seguintes, o debate manter-se-ia num nível de indigência pedagógica. Todo mundo se “achava” no direito de dar “opinião”. Se o “achismo” prevalecia sobre a argumentação de natureza científica, desisti. E, sempre que me pediam “uma opinião” sobre a BNCC, a minha indignação ditava a “opinião” e eu a adjetivava com um termo “radical”. A paciência se esgotara.

Muitos amigos haviam participado no “Movimento pela Base”. Ficou difícil o diálogo. Longe de mim duvidar da seriedade e da dedicação do meu amigo André ou da minha amiga Tatiana, por exemplo. Louvável fora o seu envolvimento na elaboração do documento. Esses e muitos outros extraordinários educadores nunca admitiriam que, na sua generosa disponibilidade, tivessem sido usados, manipulados, mas foram-no. As suas excelentes contribuições serviram apenas para legitimar, enfeitar a base, porque a sofisticação do discurso viria a contrastar com a pobreza das práticas, que a base impunha e com os trágicos efeitos que ela causou. Uma administração burocrática e autoritária anulou iniciativas de mudança. Embora a LDB tivesse aberto oportunidades de participação, a participação dos meus amigos na elaboração da BNCC foi pervertida.

Currículo não é mero repositório de competências, é um conjunto de experiências, vivências, que convergem para objetivos educacionais. Se o currículo é a totalidade das experiências de aprendizagem, conviria saber que tipo de experiências seriam proporcionadas e em que tipo de escola. Qual o modelo epistemológico, que subjazia à proposta de base curricular? Eis a resposta: “aula” era a palavra mais frequente no texto da base (75 vezes), no pressuposto de que a BNCC se concretizasse com referência ao paradigma da instrução.

Sempre que conseguia colocar um educador à beira de tomar a decisão ética de refutar o instrucionismo, escutava:

“Mas a lei não permite…”

“Qual lei?”

Ficava sem resposta. A lei permitia. Era a regulamentação que criava obstáculos ao cumprimento da lei.

Quando se requeria inovação educacional prática, não seria de exigir, também, inovação normativa? 

O artigo 23º da LDB determinava:

“A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”.

Perguntei a muitos “especialistas”:

“Quais os critérios de natureza científica, que legitimam a determinação de, no ano de escolaridade “x”, os estudantes devam reconhecer, identificar, usar o conteúdo “y”, ainda que disfarçado de objetivo de aprendizagem “z”? E por que todos devem aprender ao mesmo tempo?”

Esperei sentado por uma resposta, que nunca chegou.

Para garantir a todos o direito à educação, essas escolas não esperaram por uma base curricular, para reconfigurar as suas práticas. Se a BNCC virou lei, ter-se-ia de alterar o artigo 23º de LDBEN? Os projetos que haviam abolido a cartesiana segmentação em anos, ficariam “fora da lei”? Ou estaria parcialmente ferida a LDB, quando uma BNCC obrigava os jovens brasileiros à decoreba de conteúdos em salas de aula, em determinado ano?

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLVI)

Algures, no dia 1 de março de 2041

Hoje, o ser humano mais perfeito de quantos seres humanos conheci faria cento e doze anos. A extrema generosidade e a discreta honestidade do vosso trisavô Mário foram para mim exemplo. E quero que saibais que celebro o seu nascimento, porque o sinto presente.

No tempo do seu terreno existir, o “Avô Mário” vivia para além do tempo, vivia a eternidade em vida. Sabia que muita infelicidade humana findaria quando a humildade desfizesse o mito da existência de um tempo medido. Nada acabava, quando se acabava um ano. Quando um ramo secasse, novo ramo germinaria. Quando uma certeza tombasse na arca das inutilidades, novas doutrinas, tão perecíveis como as perecidas, se esboçariam, no rendilhado tecer das efémeras ciências. Era durável somente o que fazia sentido, o que se renovasse em cada um dos nossos transitórios dias.

Quando, no início do século, me afastei da pátria, para viver e morrer nos braços da mátria brasileira, todos os dias primeiros do mês de março, numa ligação telefônica, que era mais do que uma breve conversa, o felicitava por ter cumprido mais um ano de vida. Era uma singela homenagem, ato de gratidão, porque aquilo que com ele havia aprendido não tinha preço.

Com a avó Mina, o Avô Mário dedicara grande parte da sua vida a cuidar da educação religiosa de crianças e adultos. Já idoso, visitava os enfermos e os velhos impossibilitados de “ir à missa” e com eles comungava. A memória desse ser extraordinário me conduziu à evocação daquele que foi seu guia, um Jesus que disse que o homem velho não tardaria a interrogar, ao longo dos seus dias, uma criança.

Qualquer criança sabe que o tempo não existe, que é invenção dos homens. O tempo não é mais que uma sucessão interminável de bateres de corações alimentados por gestos de ternura. Gestos de todos os dias, que restituem aos dias, que despontam ou cessam, o suave mistério da vida sem tempo calculado.

Quem, como eu, alcançou a provecta idade da criança, sabe que viver não é mais do que sorrir perante um calendário, compadecer-se da angústia dos que ainda creem que é o tempo que passa.

Conheci um homem sensível à dor humana. Walter Steurer compreendeu que fazer contraturno de escola era como “tentar enxugar gelo” e me convidou para “salvar vidas de jovens”, me desafiou para ajudar a criar uma escola. Quando convenci a Cláudia a trocar Minas por São Paulo, com maravilhosos educadores se fez o “Projeto Âncora”. Mas, o Walter já partira deste mundo, num primeiro dia de março. E, quando começaram as matrículas nessa escola, a primeira criança matriculada nascera… num primeiro dia de março.

Quando, vinte anos atrás, a minha barca de sonhos chegava ao seu terceiro porto e se aprontava para nova viagem, comecei a coabitar com um mistério a que não dei nome. Os projetos, até então ainda anónimos, viriam a resgatar a vocação da Escola, como se o tempo fosse circular. E súbitos reencontros de um tempo linear nos mostravam que nos alimentávamos de ocultas solidariedades, para além do tempo.

Talvez não te recordes, Alice, mas houve alguém que mexeu com o teu conceito de tempo e te dirigiu a habitual pergunta:

“O que queres ser, minha menina, quando fores grande?” 

“Eu quero ser veterinária, minha senhora!” – respondeste.

“Então, vais ter de ir à escola, vais ter de estudar muito.” 

“E para que tenho eu de ir para a escola, minha senhora?”

“Porque sempre foi assim ao longo do tempo, minha menina. Os pequenos vão para a escola, os grandes vão trabalhar.” 

“Então, eu acho que já não quero ser grande.”

Alice, se puseste fim à conversa, foi porque fizeste parar o tempo que não existe.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLV)

Eunápolis, 28 de fevereiro de 2041

Vos dou a ler mais um dos muitos apelos, que suscitaram enorme indignação e uma sensação de impotência:

“Tenho dois filhos. E tenho estado angustiada com a lentidão com que as escolas se adaptam a essa nova humanidade e aqui, particularmente, assusta-me ainda mais pela rigidez das formas e métodos. Parece ser uma educação sem afeto, sem amor e a crítica. Mas o que me faz enviar este e-mail, que é, na verdade, um pedido de ajuda, é o meu filho, que acabou de ser retido em quatro disciplinas, depois de passar por toda sorte de castigos e punições.

O seu pecado é falar o que pensa e não aceitar imposições. Foi vítima de xenofobia, agressão física, deboches e toda sorte de ocorrências. Não aceita de forma nenhuma injustiça e, por isso, rebate. Cerca-se no seu mundo de criador de páginas e projetos. É o popular da escola, amado entre os colegas, odiado entre os professores, especialmente a diretora de turma. Eu era chamada na escola, constantemente. A reclamação era que o meu filho era muito rápido a aprender e que fazia perguntas sobre matéria que só deveria aprender mais tarde.

A diretora de turma do ano seguinte tinha uma antipatia especial pelo meu filho e isso se foi agravando. Ele era chamado de parvo, tratado com deboches. A escola teria autoridade para punir de acordo com o estatuto, sempre que achasse por bem. Não demorou e lá foi ele limpar a escola por uma semana. Durante algumas semanas, antes do ocorrido, ele não saia do quarto, não comia direito, só chorava, não queria ir mais à escola (que sempre amou, apesar de tudo).

Por favor, me ajude a saber se meu filho é um agitador ou um contestador. Desde muito pequena, eu achava a escola sem sentido. Aprendia tudo sozinha, mas, pelo menos, eu era comportada, não respondia, não falava.  A minha filha é mais normal, mas perdeu o interesse pela escola, também (…)”. 

Tive oportunidade de conhecer o jovem. O seu “pecado” era o de “aprender coisas que só dois anos depois, nós pretendemos ensinar”, como foi dito por um professor. A imposição instrucionista de ensinar determinados conteúdos em determinado ano, não admitia que jovens “aprendessem antes do tempo”, ridícula afirmação escutada da boca de outro professor.

Eu só consegui ajudar aquela família, enchendo-me de compaixão pelos meus companheiros de profissão e ajudando-os a entender que, se uma base curricular os obrigava a proceder do modo como procediam, essa base contrariava todo o edifício teórico da sua introdução.

Os professores reconheceram que a Universidade os “formatara”, tratando-os como objetos e não como sujeitos de aprendizagem – contrariando, por exemplo, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada (a Resolução nº 2 de 2015, do CNE)” – documento cuja existência eles desconheciam. Estavam desarmados, legal e cientificamente desarmados. Os meus companheiros de profissão padeciam de uma estranha enfermidade, de heteronímia. O problema era de origem cultural. Urgia cuidar das pessoas dos professores, ajudá-los a modificar a sua cultura pessoal. Urgia criar condições de reelaboração da sua cultura profissional.

A formação pressuposta no “Guia de Implementação da BNCC” reforçava os vícios da formação inicial, convidava a que, em sala de aula, os professores continuassem a consumir um currículo “pronto a vestir”. Poder-se-ia pressupor que, com a formação para atuar em sala de aula, o modelo de desenvolvimento curricular se alterasse?

Hoje, sabemos que nada se alterou. O instrucionismo desvirtuou a introdução da base curricular, neutralizou-a.

Por: José Pacheco

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