Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCVIII)

Covões, 3 de novembro de 2041

Reforçando as corajosas denúncias feitas pela minha amiga Tina, nos idos de vinte, invoco Schumann, que, numa das suas canções, nos dizia que “aqueles que são ignorantes são fáceis de conduzir, seguem os passos de quem os conduz, esquecem-se de si próprios.”

A adoção de manuais didáticos não era causa única do descalabro do sistema educacional e do desperdício do erário público. Vivia-se no tempo de “vender gato por lebre”. Sociologicamente, uma mentalidade coletiva apoiada numa “justificação científica” somente ficava receptiva às ideias veiculadas pelos “cientistas”, quando estes logravam vender tais ideias. E o tempo em que a Tina denunciava era propício à venda de ideias-feitas, à reinvenção da roda da educação.

Os “cientistas” e os “especialistas” eram tão hábeis nas palavras como impotentes nas decisões e ações, que as suas ideias implicassem. Vendido o produto a quem, ingenuamente, o consumisse, avaliações fictícias atestavam a sua “excelente” qualidade. E, volvidos alguns anos, novos-velhos produtos surgiam no mercado da educação, tão caros e tão inúteis quanto os anteriores.

Se fosse vivo, o Sigmund não conseguiria explicar esse fenômeno, nem os professores conseguiam libertar-se de “modismos”. Quase sempre, por detrás de uma pretensa “inovação” estava apenas a intenção de extrair vantagens de mais uma moda pedagógica. Ato bem mais reprovável, quando “justificado” por um discurso de caução “científica”. Havia quem fizesse apelo a uma argumentação “científica” que justificava o injustificável. E, após a adopção de um determinado comportamento, prevalecia a autopersuasão e a recusa de qualquer argumentação contrária.

Nos idos de vinte, no templo das ciências da educação, havia vendilhões assalariados por políticos manhosos. Assistíamos a campanhas eleitorais imersas na costumeira mesmice – promessas já prometidas, disparates proferidos por candidatos. Não me intrometeria nas contendas, não fora escutar alguns deles, besteirando nos palanques. Por exemplo, quando barafustavam contra os malefícios do que denominavam de “progressão continuada”. Sobretudo, quando apresentavam pretensos “doutores cientistas da educação” como assessores e consultores capazes de operar a quadratura do círculo da avaliação.

Sobre os efeitos dessa perversão, os políticos apoiavam a sua “argumentação”. Iniciavam o seu exórdio, repetindo a ladainha de carpideira habitualmente usada pelos profetas da desgraça, em que o sistema educacional era pródigo. E todos os candidatos afinavam pelo mesmo diapasão, dado que o disparate se democratizara. E, porque os candidatos a eleitos não falavam com conhecimento de causa, eu imaginava o tipo de assessores que redigiam os seus discursos. Supostamente, os associavam a certos “teóricos da educação”. E a eles regresso, a eles me refiro, vinte anos depois. Para começar tecendo algumas breves considerações sobre a avaliação que, então, se fazia.

Aquilo que acontecia na maioria das escolas não era progressão continuada. O que acontecia era confusão contínua e não avaliação continuada, era aprovação automática e a perversão automática dessa “avaliação” sob a forma de escalas de classificação. Confundia-se avaliação com aplicação de provas e com classificação. Confundia-se avaliação formativa (contínua, sistemática, centrada em processos, participada) com o facilitismo de uma “progressão automática”, que pervertia qualquer esforço no sentido de colocar algum rigor no ato de avaliar.

Até que, certo dia…

Por: José Pacheco

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