Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXIX)

Itaupuaçu, 9 de dezembro de 2041

O meu amigo Miguel Guerra possuía um dom extraordinário. Era capaz de escrever sobre melindrosos assuntos de um modo entre o divertido e o didático. Ofereço-vos um belo naco de prosa extraído de um dos seus livros: “No coração da escola”. Aconselho a leitura dessa obra e de tudo o que publicou. A ele devo muito do que de bom possa ter feito na minha vida de professor.

Eis como descreveu “vinte formas de enterrar uma ideia”:

“Ignorá-la. Opor um silêncio de morte a todas as propostas desanimará o seu autor, mesmo que seja dos mais resistentes.

Iludi-la. A chegada de uma ideia pressente-se à vista do apuro e da ansiedade do que se prepara para a expor. Mudar de tema, acabar a sessão, fazer-se de tonto, são modos de evitar que prospere.

Desprezá-la. É muito eficaz franzir o sobrolho e dizer com voz doce e tom de assombro: “Não estás a falar a sério”.

Ridicularizá-la. Dizer a rir: “Oh, está muito bem, tiveste que estar acordado a noite inteira para ter essa ideia”. Se, por acaso, isto é verdade ainda tem mais graça.

Elogiá-la. Uma avalancha de elogios fará com que todos se aborreçam com a ideia, inclusive o autor.

Espalhar que não é nova. Se se consegue dar a ideia de um certo parentesco com outra já conhecida, o facto de esta poder ser melhor passará despercebido.

Fazer ver que não está de acordo com a política da instituição
Como ninguém sabe qual é essa política, não se corre nenhum perigo de ser desmentido.

Falar do que vai custar. Como os proveitos são imaginários e o custo imediato e real, a ideia será interditada. Se pôr em marcha a ideia for gratuito, não será difícil avisar que o que não custa nada não vale grande coisa.

Dizer que já foi tentado. Esta ofensiva é particularmente eficaz quando a ideia vem de um novato, já que sentirá que não está ao corrente.

Levantar a dúvida sobre ela. Comentários do tipo: não é um pouco extravagante? Será que nos convém tanta sofisticação? Não parece pretensiosa?… São muito eficazes.

Fazer uma contraproposta que a bloqueie. Se a contraproposta contar com o apoio maioritário, não será difícil dissuadir o inventor.

Modificá-la sucessivamente. Este método é muito elegante. Os retoques criam a ilusão no autor de que a sua ideia é tida em conta, já que parece que se pretende dar corpo à iniciativa.

Pôr em dúvida a paternidade da ideia. “O Xavier não tinha já feito uma proposta parecida com a que o Henrique apresentou agora?” Enquanto toda a gente averigua quem foi o primeiro a pensar nela, a ideia pode expirar por falta de oxigénio.

Condená-la por associação de ideias. Se se consegue associá-la, ainda que seja ao de leve, com a ovelha negra do grupo ganhou-se a partida.

Desmontá-la para a pôr em pedaços. Se se manipular uma ideia durante o tempo suficiente, não restará dela nada mais que os despojos.

Atacar pessoalmente o autor. Enquanto o inventor se refaz da desqualificação pessoal, a sua ideia terá ido ao ar.

Sustentar que vai contra um qualquer obscuro regulamento. Mesmo que a legislação não afete diretamente a ideia em questão, ficará a suspeita de não concretizável por ser ilegal.

Adiar a ideia no tempo. Dizer que será estudada numa próxima reunião ou que se voltará a colocá-la na mesa no próximo exercício revela-se muito eficaz.

Encarregar uma comissão de a examinar. Se essa comissão nunca for constituída, se é o presidente que se opõe à ideia, se for composta por muitos membros e se têm prazos de tempo muito flexíveis, a ideia estará enterrada antes de nascer.

Incentivar o autor a melhorá-la. Se a primeira era boa, a próxima será ainda muito melhor, numa sequência sucessiva de melhoria.”

Por: José Pacheco

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