Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXIX)

Itapeba, 8 de dezembro de 2041

No começo deste século, após trinta anos de ultrapassagem de obstáculos à mudança educacional, eu ainda insistia em que seria preciso incomodar os acomodados. Mas, mais do que isso, ajudar os incomodados e identificar obstáculos, para que aprendessem com os erros e soubessem resistir.

Vinte anos depois, a Bárbara enviou-me um e-mail, que terminava assim:

“Olá, José! Admiro seu trabalho. Foi por meio dele que resolvi me tornar uma “professora diferente”. Obrigada por usar sua voz para transformar a vida de educadores, que não se conformam com os atuais sistemas hegemônicos de educação.”

Sempre que deparava com mensagens deste teor, a preocupação com o futuro dos seus autores me assaltava. A decisão ética fora tomada, mas isso era apenas o primeiro impulso de mudança. Pela frente, dificuldades surgiriam. E eu me empenhava em os avisar, precaver.

Precavido, o meu amigo Miguel publicou um artigo em que descrevia o que chamava de “fagocitose do educador”:

“Fagocitose é a propriedade que algumas células têm de capturar e ingerir outras células. Simplesmente comem-nas. Destroem-nas.

No sistema social, no sistema educativo, na escola, também há mecanismos de fagocitose. São as acusações e desqualificações pessoais contra aqueles que não desistem de trabalhar para uma melhor educação. Eis alguns juízos desqualificativos:

“Tem problemas afetivos (e é por isso que se dedica, que trabalha).

É um trapaceiro. Faz bom trabalho por interesse de ascender, para ter Muito Bom, para adular os chefes, para receber uma recompensa.

Tem poucas luzes”. Atribuir a uma pessoa escassos dotes críticos ou criativos, considerá-la imbecil é uma forma de se manter na trincheira dos espertos. Ser inteligente e não “fazer nenhum”, ganhar muito com o mínimo de esforço.

“É militante do partido X”. Pôr etiquetas com intenção desqualificadora protegerá o acusador da evidente falta de rigor profissional.

Tem problemas com a mulher (ou com o homem).

Obstáculos surgiam, geravam mal-estar. Qual seria a sua origem? Michel Crozier ensaiou uma explicação:

“Identifico três problemas fundamentais. O primeiro releva da psicologia. O segundo tem a ver como relacional. O terceiro inscreve-se no campo dos saberes, onde a escola privilegia mais os conhecimentos do que o saber-fazer.

No plano psicológico, num mundo caracterizado pela liberdade infinita das escolhas possíveis, choca-me a incapacidade de as crianças escolherem. Os pequenos permanecem marcados por uma educação “dominação/revolta”. O mestre fala, o aluno escuta, não podendo tomar a palavra a não ser nos modos eruptivo ou revoltado.

A escola é o reino da submissão e da não-escolha. Para além disso, é terrivelmente ansiogénea, uma vez que toda a marcha atrás é difícil.

Que se entende por problema “relacional”? A necessidade de uma abertura, de uma disposição de espírito que não existe. Os trabalhos de amanhã lhe atribuirão uma grande importância. Um esforço considerável deve ser empreendido para dar às crianças o gosto de se dirigirem aos outros e estabelecerem o laço social.

E chegamos à terceira dificuldade: a questão dos conteúdos e dos saberes.
Há alguns anos fui convidado por Luc Ferry para refletir sobre os programas escolares. Devíamos aligeirá-los e acabamos por sobrecarregá-los. Que fazer, então?

É preciso dar aos professores instrumentos de reflexão e deixá-los trabalhar sobre os problemas e os constrangimentos que se lhes colocam. Querem fazer-nos acreditar que na educação nacional apenas o ministro pensa. As mudanças não se decretam.”

 Por: José Pacheco

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