Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXXI)

Várzea das Moças, 11 de dezembro de 2041

Mais uma vez… a avaliação.

Quem visitava a Ponte surpreendia-se com o fato de as crianças-cicerones saberem explicar o funcionamento de cada dispositivo e a sua fundamentação. E, quando alguém perguntava se na Ponte não havia avaliação, as crianças respondiam que avaliação havia, o que não havia era a prova, pois quase nada provava.

Nos encontros com a comunidade, nas tardes de sábado, a agenda contemplava assuntos propostos pelos pais dos alunos. E os professores aproveitavam todos os pretextos para explicar em linguagem de gente, despida de jargão científico, o porquê das suas práticas. Alguns pais manifestaram interesse em aprofundar a compreensão do modo como avaliávamos e me pediram “explicações suplementares”.

Quando uma visitante da Ponte nos questionou acerca do modo como acontecia a avaliação, foi um pai-professor quem respondeu. Aqui, vos deixo duas das perguntas e as respetivas respostas.

“A questão da avaliação sempre me deixou intrigada. Como aplicar um mesmo tipo de avaliação a cabeças pensantes diferentes, que aprendem, entendem de formas e em tempos diferentes. Como mudar a cultura arraigada nos gestores das escolas, nos professores, nos alunos, nas famílias?”

“A cultura é aquela que está arraigada nos gestores das escolas, nos professores, nos alunos, nas famílias. Por isso, a mudança tem que ser bem pensada, estruturada. Pensarmos que tudo se muda de um dia para o outro é uma forma de não mudar.

Para mudar a avaliação, é necessário mudar todo o trabalho escolar (e vice-versa). O que nós tentamos na Ponte é que cada aluno veja reconhecido o seu ritmo e que, paralelamente, a avaliação também seja para cada aluno uma oportunidade de aprendizagem.

A segunda pergunta:

“Percebo que o objetivo da Ponte é proporcionar aos alunos um clima adequado, onde se constitui um marco de relações admiráveis. Eu poderia supor que as avaliações sejam feitas conforme as possibilidades reais de cada um, para que a aceitação das competências pessoais não ocorra em detrimento de uma autoimagem positiva?

“Os laços que unem alunos e professores, alunos e seus pares têm de ser laços de aceitação, confiança, respeito e sinceridade. A aprendizagem efetiva apenas se concretizará num ambiente de reconhecimento e aceitação de diferentes individualidades.

A avaliação regula, reorienta todas as aprendizagens: a aquisição de novos conteúdos, mas também as atitudes e comportamentos. É errôneo pensar que aprender na escola é aprender somente Língua Portuguesa e Matemática.

Um aluno com uma baixa autoestima tem grandes dificuldades em conviver com a frustração, necessita da solidariedade dos seus orientadores educativos, assim como dos seus pares. Neste ano letivo, um aluno precisava ouvir “És capaz de…”, “Tu consegues…”, antes de iniciar qualquer trabalho que julgasse ser mais difícil. Precisará ainda que muitos outros lhe digam o mesmo, para que possa caminhar com mais autonomia.

Há alunos que se revoltam perante o desrespeito pelas suas dificuldades e ritmos de aprendizagem. É curioso verificar que alguns professores encaram a avaliação como um meio de amedrontar os “indisciplinados” da sua sala de aula. Lembro-me de uma professora que carregava consigo testes, que ameaçava aplicar, se as coisas não corressem como havia planeado.

É obvio que só faz sentido que as avaliações sejam feitas conforme as possibilidades reais de cada um dos nossos alunos. Pedir o mesmo a todos poderá significar pedir demasiado a alguns.

Na Escola da Ponte, se fazia avaliação… dialogando.

Por: José Pacheco

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