Condeixa-a Nova, 2 de abril de 2042
Cumprindo o prometido, hoje vos contarei um episódio exemplar.
À boa maneira do herói de antanho, o Viriato da estória gabava-se de não permitir veleidades aos invasores da pacata sala de aula, onde era rei e senhor absoluto. Viriato dixit:
“Impunha respeito, logo no primeiro dia de aulas. Identificava o líder dos desordeiros e arreava-lhe uma sova de mestre, porque, antigamente, o respeitinho era muito lindo, não era como agora, que já não há respeito nenhum”.
Esse ilustre representante de um “tradicional”, que eu abominava, partia do princípio de que o “seu método” era inquestionável e o melhor.
No tempo em que a Ana acreditava ser possível fazer formação de professores, coube-lhe em sorte ter o Viriato como formando. O curso visava divulgar diversas metodologias de iniciação à leitura e escrita. A Ana interpelou o Viriato, num dos breves intervalos das conversas paralelas em que ele era especialista.
A formadora Ana foi gentil, disfarçando o seu incómodo:
“O colega tem estado distraído. Será porque o assunto não lhe interessa? Importa-se de não falar para o lado e distrair os outros? Importa-se de falar para o grupo e evitar fazer barulho?”
“Eu quero lá saber do que você está para aí a dizer! Isso é tudo trata! Eu sempre me dei bem com meu método, porque é o melhor. Sempre deu bons resultados. – Retorquiu o Viriato.
A Ana poderia ter-lhe perguntado se os “maus resultados” de muitos dos seus alunos – aqueles a quem o Viriato se referia dizendo ser “tempo perdido pretender meter alguma coisa em cabeças ocas” – se ficariam a dever a outro método. Mas somente lhe dirigiu a seguinte pergunta:
“Se o colega afirma, tão peremptório, que o seu método é o melhor, importar-se-á de nos dizer quais são os métodos que considera serem os piores?”
O Viriato não respondeu. A Ana insistiu:
“O colega deverá conhecer, no mínimo, mais um método, qualquer seja, para poder fazer comparações com o seu. Não será assim? Quais são os outros métodos que o colega conhece?”
O Viriato atirou-lhe um olhar mortal, proferiu frases desconexas e remoeu outras tantas (se reproduzidas, em nada abonariam a imagem da profissão) e não mais abriu a boca, durante o curso.
Veio-me à memória a sábia sentença freiriana: não há diálogo verdadeiro, se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro, um pensar crítico. Ou, como diria o filósofo, só se pode amar o que se conhece. Não será assim? Como facilmente se conclui, a ignorância do professor Viriato não era uma questão de género.
Poucos dias após o lamentável episódio, o Viriato encontrou-me e me fez queixa da Ana. Fiz-me desapercebido. Pedi-lhe que me contasse o que tinha acontecido.
O Viriato contou a sua versão, reiterando que o “seu método” era o melhor método.
Perguntei qual era o “seu método”. Respondeu:
“É o que eu uso nas minhas aulas!”
A conversa era amena e eu atrevi-me a lhe perguntar:
“Por que dás aula? Já leste alguma coisa, por exemplo, da Maria Montessori?”
Por: José Pacheco
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