Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXXVII)

Miranda do Corvo, 3 de abril de 2042

Num tempo em que a “Escola Nova” ainda permanecia proscrita, a Ponte atrevera-se a concretizar a transição do paradigma da instrução para o da aprendizagem. 

Embora, hoje, nos pareça estranho, certo é que, nos idos de setenta do século passado, expressões como “autonomia do aluno”, “näo-diretividade”, ou “metodologias ativas” estavam no segredo dos deuses. Essas e outros “modismos” apenas eram utilizados por empresas do ramo educacional, para fácil obtenção de lucro. A maioria dos professores desconhecia-os. Era compreensível essa grave lacuna, dado que do último dos sumários das aulas de História da Educação do curso de formação inicial constava apenas o nome de… Aristóteles. 

A lista de educadores famosos acabava aí, na antiguidade clássica, embora as práticas radicassem numa proposta do século XVII (que os professores também ignoravam) e em necessidades sociais do século XVIII e XIX. Acrescentarei que, nos idos de vinte já deste século, as práticas mais “avançadas” também não tinham logrado libertar-se do sarro do paradigma da instrução. 

A proposta de Steiner, adotada pelo proprietário de uma fábrica de tabacos, fora misturada com aulas e turmas da Escola da Modernidade. Apesar do uso de bons materiais, as escolas montessorianas iam pelo mesmo caminho. E os adeptos das técnicas Freinet continuavam sozinhos na sala de aula. 

As práticas correlacionadas com as propostas de Decroly, Dewey, Kilpatrick, e de outros escolanovistas famosos não tinham sofrido adaptações. As suas réplicas dos idos de vinte do século XXI eram cópias fiéis das matrizes da década de vinte do século… XIX. 

As promessas do “século da criança” não foram cumpridas. A Escola da Modernidade continuou a negar o direito à educação a milhões de jovens.

Os direitos sociais são a garantia de direitos considerados básicos à vida, garantia do respeito pela dignidade humana. Em 2009, Herrera dizia que a universalidade dos direitos passaria pelo fortalecimento de indivíduos, grupos e organizações, na construção de um marco de ação que permitisse criar as condições que garantissem de um modo igualitário o acesso aos bens materiais e imateriais que fizessem com que a vida fosse digna de ser vivida. E, denunciando sutis processos de “reprodução”, Bourdieu afirmava: 

“Tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar a sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”. 

Como um pouquinho de teoria não faz mal nenhum e porque não há prática sem teoria, aqui vos deixo a adaptação de uma prosa do Contreras: a existência de um modelo de racionalização técnica do trabalho docente extingue a reflexão da prática profissional. Operada a separação entre concepção e execução, o professor se transforma num mero executor de tarefas sobre as quais não decide. Acontece desqualificação profissional, perda de conhecimento para agir sobre a produção, perda de controle sobre o seu próprio trabalho, submissão ao controle administrativo. 

Como nos diria o Apel, ciência não é acumulação de saber cristalizado, mas inovação em processo. No abril de há vinte anos, centenas de educadores se empenharam em elaborar teoria, a partir de práxis propiciadoras do direito à educação. Ao longo de dois séculos, a teorização das teorias não lograra fertilizar as práticas, melhorar o dito “sistema”. Milhares de teorizações de teorias jaziam inúteis, mofadas, nos arquivos de teses do olimpo universitário.

A propósito: acaso lestes “O Nome da Rosa”?

 

Por: José Pacheco

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