Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXX)

Arruda dos Vinhos, 18 de maio de 2042

Quando os professores se transmutaram em tutores, quando ficaram mais atentos a si e ao próximo, detectaram dramas e medos até então ocultos. E, no afago sereno das palavras, devolveram aos pequenos seres a confiança perdida.

Quanto tempo se gastaria nesse processo de transformação? Todo o tempo do mundo. Porque eram os gestos simples de todos os dias os que restituíam aos dias que despontavam e cessavam o suave mistério da vida sem tempo calculado. 

Era durável somente o que fazia sentido que se renovasse em transitórios dias. Porque, quando uma certeza tombava na arca das inutilidades, novas doutrinas, tão perecíveis como as perecidas, ressurgiam.

Como se processava essa reelaboração cultural? A resposta era simples: errando. Errar, aceitar o erro (o nosso e o dos outros) era o caminho para uma possível redenção da Escola. Errar no duplo sentido da palavra: quer se tratasse de vaguear por caminhos incertos, quer significasse o desacertar, que ficasse a intenção e o reconhecimento de que “errare humanum est”.

Havia quem pensasse que não errava. Velhos de qualquer idade deixavam-se possuir pelo medo de pensar e, sobretudo, de sentir. Consumiam o parco tempo de passagem a repetir o que outros velhos de qualquer idade pensaram, crendo serem suas as ideias, sem saber que as ideias são de todos e de ninguém. 

Eram velhos mesmo velhos, não percebiam que, quando lhes ocorria um mesmo pensamento, ele já não era o mesmo que pensaram. Quando voltavam a pensar, já era outro que pensava. Como o pássaro que regressava de um breve voo já não era o mesmo pássaro que partira. 

As ideias velhas envelhecem, tal como os homens. Outras geram novas ideias. Os novos (de qualquer idade) são novos porque são animados por novas ideias, das que já não nos pertencem (se alguma vez nos pertenceram) e daquelas que nem sequer chegaremos a pensar. 

Por essa razão, os novos de todas as idades sabem sempre mais que os mais velhos. É exemplar a história do miúdo que pergunta ao pai se sempre é verdade que os pais sabem mais que os filhos. 

“Claro!” – respondeu o pai, prontamente – “Poderia lá ser de outra maneira! Os pais sabem sempre mais que os seus filhos”. 

O pimpolho não se deu por satisfeito e rematou: 

Então, pai, quem inventou a máquina a vapor? Foi o Watson, ou foi o pai do Watson?”  

Quando se acreditava estar acabada a monda dos sofrimentos, surgia novo motivo de preocupação. O professor viu duas meninas, uma de cabeça pousada no ombro da outra, a outra passando a sua mão no rosto da companheira. Viu lágrimas no rosto desta. 

Aproximou-se. Seria, certamente, mais um arrufo de namoradinho, ou zanga de amigas… 

“Então, o que se passa?” 

“Ó professor, ela disse-me que, ontem, o pai dela se zangou com a mãe, e que dormiu no sofá da sala. Está muito triste e diz que não quer voltar para casa”. – “Deixa lá, pequena!” – disse o professor, para aligeirar, ao aperceber-se de que a aluna já tinha interiorizado um sentimento de culpa – “Quando chegares a casa, vais ver que os teus pais já estão de bem um com o outro! Os adultos são assim, miúda! Não te preocupes! Não fiques triste! 

Esperava resposta da chorosa, mas quem lhe respondeu foi a que não chorava: “É, professor, eu também já lhe tinha dito que não vale a pena chorar. Os meus pais já não se falam, nem dormem juntos há dois anos, mas que eu já não me importo com isso. Quero lá saber!” 

O professor ficou em confusão, sem saber se deveria condoer-se da menina chorosa, ou abraçar aquela que lhe respondera. Dizia-se, nesse tempo, que um homem não chorava. Mas, esse “incidente crítico” originou uma copiosa exceção à regra.  

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXIX)

Rio Maior, 17 de maio de 2042

“Quando sinto que já sei” era o título de um filme sobre práticas de relação solidária, de partilha de saberes, de cooperação. Durante as filmagens, assisti a um diálogo entre o realizador do filme e uma jovem aluna. 

O realizador perguntou:

“Então, não há avaliação nesta escola?”

A menina respondeu:

“Avaliação há! Só não fazemos prova, como eu fazia na outra escola, onde eu andei.

“Não entendo” – replicou o realizador.

“Eu explico” – E a criança “explicou”.

“Quando eu tenho cá dentro uma vontade de aprender alguma coisa, quando uma pessoa do meu bairro precisa que a ajude, ou quando estou preocupada com as guerras e com pessoas com fome, por exemplo, eu falo com a minha tutora e fazemos um projeto. Ela ajuda-me a fazer um roteiro de estudo. Depois, eu estudo nos livros, na Internet, pergunto a quem sabe. E, quando eu sinto que já sei, eu partilho com os meus colegas o que aprendi”.

O que teria ficado a pensar o realizador? Não sabemos. Sabemos que, ao editar o filme, o realizador retirou dele as imagens do seu diálogo com a menina, apesar de colocar a fala da menina como título do filme.

Há quase trinta anos, um episódio trágico deu que pensar aos professores. Um aluno cometeu suicídio. Eu sei que custa aceitar a ideia do suicídio na infância, mas a criança em causa, ao que pude apurar, há muito evidenciava comportamentos que poderiam ter sido sinais de alarme. 

Reflexão após reflexão, chegou-se à conclusão de que todas as escolas deveriam estar atentas a certos pormenores. Era a Inês, que ficava fixava os olhos num ponto qualquer e se ausentava. Era o Júlio, que infligia a si próprio sofrimento, com qualquer objeto cortante que estivesse à mão. Era aquele aluno que alternava súbitos gritos com longos períodos de prostração. 

Nos encontros de fim de tarde, falou-se de desencontros, de falta de comunicação, de sofrimento e infelicidade infantil. O que, até então, poderia ser considerado tabu, passou a ser encarado como déficit de atenção. Não que aqueles professores andassem distraídos, mas que não se perderia nada em atentar em insignificantes significâncias.

Não tardou que a redobrada atenção desse frutos. A caixinha dos segredos (assim foi batizada pelos alunos) passou a encher-se de mensagens de seres sedentos de diálogo. Havia os que colocavam na caixinha papéis dobrados e bem colados, e escreviam por fora: 

“É para a professora F…” 

A professora lia: 

“Professora, a minha irmã mais velha tem um curso, mas não arranja emprego. Ao jantar, há sempre discussão. O meu pai diz que ela é uma preguiçosa e que na idade dela ele já trabalhava. Ontem, à noite, o meu pai levantou-se da mesa e atirou com o telefone à cabeça da minha irmã. Eu fugi para o meu quarto. Nem jantei. Não sei o que fazer. A professora pode ajudar-me?”. 

Havia as cartas de amor decoradas com corações e setas, umas mais longas, outras telegráficas: 

“Se gostas de mim, põe uma cruzinha à frente do “eu gosto de ti”. Depois volta a pôr na caixinha dos segredos”. 

As professoras ajudavam, discretamente, sem saber que começavam a esboçar o perfil de um professor-tutor. Feita a entrega das primeiras aos respectivos destinatários, os professores percorriam as salas, fazendo a entrega do correio sentimental. 

Mas não se pense que a redobrada atenção se resumia à atividade epistolar e aos encontros que dela decorriam. Nem um professor-tutor tem por vocação ser mero confidente ou médico de almas. Os papéis de um professor-tutor iam mais além, ou nem sequer a sua missão passava por aí, porque, felizmente, a maioria das crianças eram filhos felizes de famílias felizes. 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXVIII)

Setúbal, 16 de maio de 2042

Já levava vinte anos de voluntário exílio, quando uma enxurrada de e-mails instalou o caos na minha caixa de correio eletrônico. Eram professores, escolas, famílias, autarcas, gente que me pedia ajuda. Acreditava que me tivessem esquecido e não conseguia entender o motivo de súbitas solicitações. 

Acedi a voltar a Portugal, com muito ceticismo na bagagem, confesso. Por lá fiquei, durante quase um ano. Valeu a pena. Em meados de vinte e dois, mais de cinquenta projetos se organizaram num protótipo de rede de comunidades de aprendizagem.

Entretanto, pude deambular por escolas que a esse projeto não aderiram. Em reuniões “autorizadas” com as suas direções, tentei fazer-lhes entender a importância da sua participação na criação de uma nova construção social. Em vão tentei. Mas consegui adentrar os prédios chamados “centros educativos”.

Foi um susto repetido. Era inconcebível, assustadora a ideia de as escolas se manterem fiéis ao paradigma da escola-presídio, adoptado pelas congéneres do século XIX. Apesar de tiques de modernidade, os arquitetos do Parque Escola agiam em conformidade com o modelo de escola-caserna, que inspirou os seus diabólicos criadores. 

Enquanto cogitava sobre o modista conceito de “escola integrada na comunidade”, visitei escolas que tinham portões fechados e vigilantes nas portarias. Esperava do lado de fora, até que o portão se abrisse e o vigilante me pedisse o bilhete de identidade. Em troca, entregava-me um cartão para pôr ao peito. Em seguida, uma funcionária conduzia-me por corredores ladeados de salas de aula, avisando:

“O senhor doutor” deu-me ordens para o acompanhar, mas pediu que seja breve a visita! Faça favor, por aqui! Pode entrar”.

Naquele tempo, os diretores de agrupamento eram tratados por “doutores” – embora o não fossem – e controlavam apáticas escolas, alheios à “Idade da Educação”, que já acontecia em espaços intersticiais apenas acessíveis a olhares que se não deixavam corromper. 

Todos os dias, chegavam notícias de discretos prodígios operados por professores que não esperavam e recriavam. O ofício do educador era meticuloso, trabalho de precisão, como o dos ourives. Mas um trabalho que não admitia que a criança fosse cobaia de laboratório, pois era um bem mais precioso que o ouro.

Se um educador recusasse refletir sobre o seu ofício, se ousasse não o recriar (o que seria de esperar de um trabalhador intelectual), pedia-lhe que se abstivesse de se aventurar em modas. Eram modismos o que se oferecia aos professores, sob pretexto de os “capacitar para novas práticas”, supostamente centradas no aluno, mas efetivamente centradas no professor. 

Rogers escreveu: 

“Quanto mais um indivíduo é compreendido e aceite, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir numa via construtiva”.

Mas, séculos volvidos sobre Copérnico e Leonardo da Vinci, metade da população dos Estados Unidos ainda acreditava que era o Sol que girava em volta da Terra. Como poderíamos suportar a ideia de que uma professora acreditasse que Deus habitava a Lua e que, por essa razão, advertia os seus alunos de que os homens nunca poderiam lá ter estado, e que os astronautas eram bonecos animados? 

Nos idos de vinte, um estudo revelou que metade das crianças japonesas nunca tinham visto um amanhecer ou um pôr-do-sol. E isso me fazia recordar palavras de Kalil Gibran:

Vivemos somente para descobrir a beleza. Tudo o mais é uma forma de espera”. Foi-me dado viver num tempo de espera. Em 2022, compreendi por que tive de esperar.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXVII)

Torres Novas, 15 de maio de 2042

No mês de maio de há vinte anos, quando via passar os peregrinos a caminho de Fátima, fazia votos de que alguns deles pedissem à Virgem que fizesse o milagre da remissão da escola. Septuagenário, já começava a pensar que só um milagre nos libertaria de atavismos, de hereditárias práticas sociais e vícios curriculares.

O currículo que dava sentido à escola, ao modelo dominante e totalitário de escola não era mais do que um imenso e complexo programa de produção em série de pinóquios replicantes, de mulheres e homens cada vez menos diferentes uns dos outros. A escola que tínhamos nos idos de vinte, produzia clonagem, bonsais humanos vez menos autores de si próprios e dos seus destinos.

O Ademar assim a descrevia:

“Repare-se que não é outra a ambição daqueles que pensam, modelam e formatam o currículo tentacular e totalitário da escola contemporânea. Eles não respeitam, nem desejam acarinhar e fomentar a diversidade (de aptidões, de expectativas e de sonhos, de saberes e de sentimentos, de capacidades e de competências, de atitudes e de comportamentos); eles querem, antes, apagar e abolir a diversidade (a identidade, a autoria), para, através da escola, impor a indiferenciação universal. Todos os alunos, ao longo pelo menos da escolaridade básica, deveriam adquirir os mesmos conhecimentos, interiorizar os mesmos valores e desenvolver as mesmas capacidades, competências e atitudes, desejavelmente ao mesmo tempo, no mesmo ritmo e grau e nas mesmas circunstâncias

Se a escola contemporânea curricular fosse verdadeiramente eficaz, ela andaria, há muito, a clonar e a produzir em massa, numa lógica de pesadelo orwelliano, cópias replicantes do mesmíssimo modelo de educando escolarizado. Seriam jovens talvez dotados das mais excelentes e excelsas virtudes com que o homem pode imaginar a própria espécie. Só que o resultado da obsessão uniformizadora e formatadora da escola seria uma sociedade de idiotas sobreformados, a sociedade perfeita da indiferenciação e despersonificação universal”.

Façamos um “contraponto”. Quando, no final do século passado, Rubem Alves visitou a Ponte, publicou “A Escola com que sempre sonhei” e “Por uma Educação Romântica”. Nos Brevíssimos Exercícios de Imortalidade”, que integram o segundo dos livros, Rubem falou de utopias

“C. Wright Mills, um sociólogo sábio, comparou a nossa civilização a uma galera que navega pelos mares. Nos porões estão os remadores. Remam com precisão cada vez maior. A cada novo dia recebem remos novos, mais perfeitos. 0 ritmo das remadas se acelera. Sabem tudo sobre a ciência do remar. A galera navega cada vez mais rápido. Mas, perguntados sobre o porto do destino, respondem os remadores:

“O porto não nos importa. O que importa é a velocidade com que navegamos.” 

Wright Mills usou esta metáfora para descrever a nossa civilização por meio de uma imagem plástica: multiplicam-se os meios técnicos e científicos ao nosso dispor, que fazem com que as mudanças sejam cada vez mais rápidas; mas não temos ideia alguma de para onde navegamos. Para onde? Somente um navegador louco ou perdido navegaria sem ter ideia do para onde”.

 Em relação à vida da sociedade,  ela contém a busca de uma utopia. Utopia, na linguagem comum, é usada como sonho impossível de ser realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto inatingível que indica uma direcção. 

Mário Quintana explicou a utopia com um verso de sabor pitanga: “Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é motivo para não querê-las …/Que tristes os caminhos, se não fora/A mágica presença das estrelas!” 

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXVI)

Gare do Oriente, 14 de maio de 2042

Queridos netos, vinte anos atrás, em plena pandemia, armado de testes rápidos e PCR, o vosso avô atravessava o Atlântico, ao encontro de educadores utópicos. O vosso pai era um deles. E calhou de passar uma obrigatória “quarentena” na vossa casa. 

No décimo quinto dia, cansado de estar fechado, deitei pés ao caminho, percorri ruas e praças da Tavira islâmica. Até que, exausto de quase duas horas de intenso caminhar, me sentei num banco de jardim. Subitamente, me dei conta de que a última vez que me sentara naquele local fora há… cinquenta anos.

O que fizera de tanto tempo de vida? 

Esse tempo fora entregue à aprendizagem de utopias, à denúncia da Escola da Modernidade, ao anúncio de novas construções sociais de aprendizagem. Diria o Ademar que a maior crítica que se poderia fazer à escola não era a de que ela ignorava as utopias, mas antes parecia acreditar na mais perversa e desumana das utopias – a utopia de uma sociedade curricularizada, programada, na qual todos deveriam pensar o mesmo, sentir o mesmo, saber o mesmo, dizer o mesmo, sonhar o mesmo.

Nos últimos anos do século XX, o Ademar escrevia;

“Na madrugada do naufrágio do Titanic, o quinteto liderado por Wallace Hartley só parou de tocar trinta minutos antes de o luxuoso navio se afundar. Os músicos sabiam que da sua atuação dependia, em larga medida, o controlo do pânico dos passageiros. Um dos sobreviventes do naufrágio contou mais tarde aos jornais que ao mesmo tempo que as águas tumultuosas do oceano se insinuavam discretamente sobre os mais recônditos escaninhos do Titanic, preparando o golpe fatal, a orquestra ia tocando “músicas muito agradáveis” para distrair os condenados à morte, as cerca de mil e quinhentas pessoas (incluindo os tripulantes) que não teriam lugar nos botes salva-vidas e pereceriam daí a pouco afogadas. 

Meia hora depois, os cinco músicos estavam mortos no fundo do oceano, talvez abraçados aos seus maravilhosos instrumentos”.

Depois, deste modo, o Ademar refere-se a alguém, que vós bem conheceis:

“(…) é, em Portugal, um desses resistentes, seguramente, um dos mais lúcidos, teimosos e acutilantes. Diferentemente de outros passageiros que não quiseram, não souberam ou não puderam evadir-se a tempo do Titanic, arriscou a ruptura, deu o salto e sobreviveu, levando consigo e salvando do naufrágio não apenas os outros músicos e o resto da tripulação, mas as crianças, todas as crianças que lhe foram estendendo a mão. 

Com todos eles, ao largo do Titanic, fundou uma ilha em forma de escola – onde instituiu um único e arrojado princípio curricular: todas as crianças, solidariamente, têm direito à sua escola pequenina. E com as escolas pequeninas de todas as crianças cerziu, também solidariamente, uma escola grande, que passará aos anais da história da pedagogia como a Escola da Ponte. 

A ilha não se fechou, porém, sobre si própria. Rapidamente começou a emitir sinais, que outras ilhas, outros barcos e outros náufragos captavam. E a ilha da Ponte, paulatinamente, foi-se convertendo, sem o desejar, numa espécie de farol, cuja luz intensa iluminava o trajecto indeciso de um número cada vez maior de navegadores solitários à procura de novos mundos”.

(…)  combate denodadamente o mito dos homens providenciais e insubstituíveis e que nunca perde a ocasião de enfatizar que um projecto de escola é e será sempre um acto coletivo e um compromisso solidário para a vida, é apenas (ele perdoar-me-á o qualificativo sempre redutor) o mais experimentado (e o mais metafórico) dos cronistas da extraordinária aventura da Ponte”. 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXV)

Abrantes, 13 de maio de 2042

Para o Mestre Edgar, a maior necessidade histórica era a de encontrar um método que detectasse e não ocultasse as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as interdependências, as complexidades.

Seguindo o conselho do Mestre, também aconselhava que não se segmentasse o processo de aprendizagem. Por isso e por ocultas razões, havia quem dissesse que o vosso avô praticava catequese pedagógica, que enviava mensagens subliminares em tudo o que escrevia. Talvez! Mas apenas falava e escrevia a teoria que se fazia. Não ocultava solidariedades, não me dessolidarizava. Desse modo, afirmava que a profissão de professor não era um ato solitário, deveria ser solidário. 

Na década de oitenta, um estudo publicado por uma universidade inventariava as condições do exercício da profissão docente, realçando o sentimento de solidão de muitos professores:

“Sinto muito o isolamento. Vou-me desmoralizando, vou deixando andar. Perdi iniciativa. Reconheço que num trabalho de grupo trabalharia melhor. Já quase faço parte do mobiliário. Estou quase todo o tempo sozinha”.

O isolamento físico e psicológico era uma constante, um isolamento que engendrava insegurança e fomentava individualismo. No contacto fortuito com colegas do mesmo ofício, com outras experiências e com outros saberes, sobravam atitudes de reserva, ou de objetiva recusa. 

Um texto publicado pelo G.E.P. repetia a conclusão do estudo académico:

“O receio de pedir ajuda para a resolução de problemas concretos, de trabalhar em equipa, de trocar experiências, de partilhar o vivido, o receio de se exporem, constituem-se em traços do perfil do profissional de ensino”.

Os professores sobreviviam hesitantes entre o cumprimento cego de normas e adaptações das normas. Nesse oscilar prevalecia a percepção do seu papel como agentes de mudança e da imagem de si-mesmos, da gestão e da tutela. E do estudo do quadro legal ressaltava, claramente, a complexidade do aparelho administrativo, que suportava a gestão da rede de ensino. 

Numa cadeia de decisões a escola não era uma unidade significativa de gestão, quer no que se referia ao domínio administrativo, quer no que se referia ao domínio pedagógico. Perpetuavam-se as estruturas centralizadoras da decisão que garantiam o controlo dos indivíduos, isoladamente. Esse controlo, parcimoniosamente exercido e raramente interrogado, originava quebra do sentido de  coletividade. 

Nos idos de oitenta, coordenei uma pesquisa envolvendo cerca de quatrocentos professores, no decurso da qual tive acesso a depoimentos deste tipo 

“A maior parte de nós trabalha sózinha há já muitos anos e, como tal, muitos vícios se foram adquirindo.”

“Um dos motivos desta minha grande insegurança é que tenho que fazer o trabalho sozinha; se tivesse mais alguém com quem pudesse trabalhar…”

Essa constatação serviu de aviso. E, no contexto do nosso subsistema de formação contínua, o espaço da formação em círculo de aprendizagem já não era o do professor considerado isoladamente, dado que o professor mantinha uma forte relação (também afectiva) de pertencimento a um grupo organizado. 

Aprendia-se com os outros, todos chamados ao papel de formador e de formando. O projecto pessoal de formação consubstancializava-se no projecto de formação de grupo. A formação era concomitante com a ação, era mudança refletida, humanização. 

Concretizava-se o triplo movimento de que vos falei em outra cartinha: “conhecimento na acção, reflexão na acção e sobre a reflexão na acção”. O Donald estava conosco.

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXIV)

Óbidos, 12 de maio de 2042

Queridos netos, quero pensar que as miudezas teóricas que misturo com as estórias que vos conto não vos aborreçam. A Alice já me disse que até lhe fazia bem lê-las, porque lhe recordavam os livros de Psicologia, que leu e releu na Universidade. Mas tu, querido Marcos, és designer. Não sei se te interessarás por estas divagações, mais ou menos, teóricas. Enfim! Arrisco manter este meu hábito de remexer em velharias.

Ontem, me lembrei de vos ter falado de um senhor chamado Donald. Nos meios académicos, era mais conhecido pelo seu apelido: Schön, mas eu tinha a mania de tratar as pessoas pelo primeiro nome, desde que me apresentaram um aluno e me disseram chamar-se Teixeira, nome de família, que a diretora não soube dizer qual era o nome próprio do rapaz. 

Esse filósofo da educação norte-americano era especialista em “educação prático-reflexiva’, na esteira de Dewey e Rogers (deveria dizer John e Carl…?). Fora meritória a sua contribuição e muito citada a sua obra. Porém, quando, no final da década de noventa, Donald Schön faleceu, a sua teoria não passava disso mesmo: de teoria. 

Aliás, nos idos de vinte, a sua excelente produção teórica continuava apenas a enfeitar teses e a não ser transmutada em práxis. Foi esse o destino de grande parte das propostas teóricas, até há uns dez anos atrás.

A preocupação do Donald consistia no desafio de reconsiderar a formação profissional de forma a não opor o conhecimento técnico a uma mestria. Sempre que algum professor me pedia para falar sobre a obra de um qualquer cientista da educação, eu sugeria que o lessem. Muito menos falava do conteúdo de livros meus. Se a pessoa sabia ler, então, que fosse ler. Sabeis que eu nunca me citava, pedia que me lessem, comentassem e até mesmo me contestassem. Por isso, poupar-vos-ei à descrição da sua proposta, recomendando que, se dispuserdes de um tempinho livre, o gasteis na leitura de uma obra, que muito me influenciou. O livro “The Reflective Practioner” foi escrito por Schön em 1983 e ainda deve haver por aí, num sebo digital. 

Donald elaborou uma Epistemologia da Prática, realçando o valor assimétrico do conhecimento científico em detrimento das habilidades práticas. Se quiserdes ir além dessa leitura, podereis passear os olhos pelos trabalhos de Michael Polanyi, que o Donald teve por referência. E por aqui me quedo, para não vos forçar a uma overdose de leitura.

Já neste século, o amigo António publicava “Os professores e sua formação”, no qual também abordava o conceito de “professor prático reflexivo”. Citava o Donald como “referência obrigatória” na formação de professores e dissertava sobre os termos por ele criados: “knowing in action, reflection in actionreflection on reflection in action”.  

Nos idos de vinte, infelizmente, as práticas de formação careciam de contemplar o que Schön e Nóvoa propunham. Pecavam por um isomorfismo reprodutor de práticas instrucionistas. Mas havia quem se preocupasse com o fenómeno.

Conheci o Miguel, quando aceitei o convite para conversar com educadores no Politécnico de Leiria. Ofereceu-me um livro, que “devorei” em dez horas de voo sobre o Atlântico. Eram relatos de práticas investigadas a rigor.

O Miguel também me falou de um lugar-comunidade, que me aguçou a curiosidade e quis conhecer. Aí recomeçou um projeto, que bebeu em Schön, Nóvoa e muitos outros autores contribuições essenciais à criação de comunidade de aprendizagem. A teoria saltou dos arquivos de teses para espaços sociais favoráveis à praxeologia. A universidade subiu ao chão da escola. Donald Schön estava vingado.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXIII)

Mogi das Cruzes, 11 de maio de 2042

Naquele final de tarde, de passagem por Lisboa, precisei de estabelecer contato com uma amiga. 

Na minha vida de andarilho em terras lusas, dependia de quem me facultasse acesso a wi-fi. E ele estava, ali, mesmo à mão de semear, no prédio da Calouste Gulbenkian. Lá chegado, instalei o computador numa sala vazia, consegui um hot spot, começava a comunicar, quando imagens de um seminário surgiram numa tela. O evento decorria no auditório principal. Enviado o internético recado, para lá me dirigi.

No palco, três ex-ministros da educação prelecionavam sobre aquilo que diziam ser preciso fazer, para melhorar o “sistema”. Fui descendo até junto do palco, escutando algumas reações à minha presença. Eram educadores, que me conheciam e me julgavam ausente do país. O auditório estava lotado. Cheguei à primeira fila. Ninguém se sentara naquelas cadeiras, que ostentava cartazes com a palavra “RESERVADO”: Presumi que os excelentíssimos convidados tivessem enjeitado o convite e numa delas me sentei.

Terminados os discursos em que os ex-ministros fizeram apelo, por exemplo, a práticas inovadoras e ao direito das escolas à autonomia, o moderador achou por bem perguntar se alguém pretendia fazer perguntas aos ilustres conferencistas. Ergui o braço. Fui o único a inscrever-me. E só uma pergunta me permitiram fazer, pois, “devido à hora tardia”, o tempo estabelecido para perguntar ficara reduzido a cinco minutos.

“Concordo com tudo aquilo que os senhores ex-ministros disseram. Contudo, fiquei algo confuso. Se assumem ser necessário desenvolver novas práticas, por que consentiram que funcionários do ministério tivessem impedido que novas práticas fossem implementadas? Por que não agiram, quando burocratas ao seu serviço perseguiram professores, que reivindicavam autonomia? Se consideram ser necessário mudar o sistema, por que não o mudaram durante os seus mandatos?”

Fui aplaudido por todos os presentes. Exceto pelos ex-ministros. Responderam “nim”. E o moderador deu por encerrados os trabalhos.

A Carmo reapareceu numa rede social. Não a via, há muitos anos. Há tantos quantos já nos separavam do furtivo encontro, que descrevi. Disse-me que, no dia em que eu passaria por Lisboa, ela estaria no Conselho Nacional de Educação, participando num “seminário presencial, cujo lema era “Faltam professores! E agora?…”

O assunto era sério e reclamava soluções urgentes. Vede como ele era apresentado:

“Ao longo da última década, o CNE tem vindo a alertar, em relatórios e recomendações, para o envelhecimento do corpo docente e consequente aposentação, e para a necessidade da sua renovação, nomeadamente através de um planeamento prospetivo que permita antecipar o estudo e a implementação das respostas mais adequadas.

Estudos recentes apresentam projeções das necessidades de recrutamento de novos docentes para os próximos anos, tendo em conta a evolução do número de alunos e a disponibilidade de profissionais no ativo decorrente da redução de horários e das aposentações devidas à idade. As análises mais finas referem regiões territoriais e grupos de lecionação que poderão apresentar maiores necessidades de recrutamento”.

A participação era gratuita, “mas de inscrição obrigatória”. No site anunciador do evento, estava escrito “Inscrições em breve”. Porém, a faltar apenas uma semana para a realização do evento, o “em breve” eternizava-se. Resolvi enviar um e-mail à Maria e ao Miguel, perguntando-lhes como poderia realizar a inscrição no seminário.”

Vos contarei o que aconteceu.

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXII)

São Paulo, 10 de maio de 2042

Queridos netos, certamente, estareis recordados do que vos contei numa cartinha enviada há cerca de uma semana. Era o início de uma estória, na qual dedicados discípulos deixaram que a cabaça do mestre se perdesse.

“E, depois?” – perguntastes.

Pois bem! Deixei que uma semana passasse, para que tivésseis ensejo de pensar o “depois”. Vede se a vossa hipótese coincide com o vosso desfecho da estória.

“Quando o mestre acordou, perguntou se estava tudo bem.

“Está tudo bem, mestre — responderam. — Acontece que a tua cabaça caiu.

E vocês não a apanharam? Onde vou agora pôr a minha água? 

Os discípulos responderam:

Mestre, disseste-nos para vermos bem o que caía da carroça e assim fizemos.

Sois mesmo néscios! — replicou o mestre. Não era isso que eu queria dizer, mas o que está feito está feito. A partir de agora, se alguma coisa cair no caminho, apanham-na e põe-na na carroça, perceberam?

Sim, mestre — responderam em uníssono.

O mestre adormeceu, de novo. A carroça balançava e os alunos sentiam dificuldade em manter os olhos abertos. Subitamente, a carroça parou, devido às necessidades dos bois. Quando estes terminaram, a marcha foi retomada. Dois discípulos saltaram para a estrada e apanharam os dejetos para os meter na carroça. Um dejeto caiu sobre a cabeça do mestre, que acordou.

Que estais a fazer? Que porcaria é esta?

Mestre, disseste-nos para apanharmos tudo o que caísse no chão.

O mestre ficou silencioso, por instantes. Decidiu fazer uma lista minuciosa do conteúdo da carroça e deu-a aos discípulos.

Se alguma destas coisas cair do carro, recolhei-a. Mas só o que está escrito na lista.

Sim, mestre — concordaram os alunos.

O mestre voltou a adormecer. A carroça subia uma encosta íngreme, ladeada por um riacho. Os discípulos iam ensonados. De repente, ouviram um grande ruído: o mestre tinha caído à água.

Socorro! Socorro! — gritava.

Os discípulos pegaram na lista e percorreram-na escrupulosamente. O nome do mestre não constava dela. Decidiram retomar o caminho. Ao vê-los afastarem-se, o mestre gritou:

Aonde ides? Parai imediatamente!

Os alunos, obedientes, pararam e foram ao encontro do mestre.

Quereis que eu morra? Caio da carroça, quase me afogo e nenhum me vem socorrer?

Mas, mestre — desculparam-se — não tínheis incluído o vosso nome na lista e nós só devíamos apanhar o que lá estivesse escrito. Quisemos obedecer-vos.

Claro que me obedeceis! — gritou o mestre, exasperado. — Mas o fazeis sem refletir! Pensai antes de agir, em vez de seguirdes cegamente o que eu vos digo para fazer!”

Sei que não agis como esses discípulos. E que estareis a pensar: por que razão o nosso avô nos conta esta estória? Porque, há vinte anos, vigorava o paradigma do comando e controlo. O Donald dissera serem os professores profissionais críticos, reflexivos, mas eram reproduzidas práticas carentes do ato reflexivo e pródigas em atos reflexos. 

Eram trágicas as consequências. Por essa altura, um milhão e seiscentos mil estudantes estavam sob a influência de duas ou mais drogas psiquiátricas. Contava-se por setenta a quantidade de jovens que se mutilavam e por 120 mil os que tentavam suicídio (só nos Estados Unidos). 

O Donald também afirmava que era impossível aprender sem ficar confuso. Neste mesmo dia de há vinte anos, eu completava o meu septuagésimo primeiro ano de vida e começava a suspeitar de que seria eu quem estava confuso e sem razão. Começava a pensar que, por desejar refletir e aprender até ao fim da vida, a minha perplexidade perante a trágica situação talvez não passasse de um primeiro sinal de senilidade. Talvez…

 

Por: José Pacheco

Open post

Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXI)

Parceiros, 9 de maio de 2042

Na década de 80, o prédio onde se começara a “Fazer a Ponte” foi demolido. A Associação de Pais providenciou instalações provisórias. E uma ágora nasceu num edifício de “área-aberta”. 

A ele aspirávamos, desde os anos setenta. Sobre ele o Miguel escreveu um artigo, em língua inglesa. Dele vos falo em português:

“As escolas de “área aberta – tipo P3” foram amplamente contestadas em Portugal. Muitos professores, administradores e até encarregados de educação consideravam este modelo de escola inapropriado e, por isso, um “fracasso”. 

No entanto, a Escola da Ponte, uma das escolas de área aberta que “sobreviveu”, foi reconhecida num guia sobre experiências inovadoras. Curiosamente, uma das principais razões do sucesso dessa escola era, precisamente, o seu design em “área aberta”. Essas escolas eram convites à inovação e abertura à comunidade”. 

Assim falava quem sabia… e a abertura à comunidade se expandiu, quando fiz uma breve passagem pela gestão da autarquia. Foi um tempo propício à participação. O polivalente do novo edifício foi espaço propício à prática de desportos e nele se realizaram inúmeros espetáculos e reuniões. 

Em 87, fui um dos oito professores selecionados para frequentar a primeira licenciatura em Ciências da Educação. Foi tempo de compreender que toda a prática tem, implícita ou explicitamente, teoria. Tudo o que fizéramos na Ponte tinha teoria subjacente. Amor e coragem tinham sido suficientes nos primeiros anos do projeto, mas ignorávamos que o projeto tinha explicação… científica. 

Atualizáramos Montessori, Claparède, Dewey, Steiner, Decroly, Freinet, Freire e um sem-fim de autores da Escola Nova – a transição para o paradigma da aprendizagem estava consumada.

Adaptáramos contribuições da Psicologia da Educação, da Filosofia da Educação, da Sociologia da Educação, do Desenvolvimento Curricular; da Epistemologia, das T. I. C., da Política Educacional, da Psicanálise, das Neurociências, da História da Educação e de outras áreas. Mas, um incidente crítico me propiciaria refletir sobre o que fizéramos. 

Um realizador de cinema fizera um documentário sobre a Ponte e me mostrou algo de que eu não me apercebera. Sempre que eu me sentava junto de um aluno, ele abraçava-me, eu dava-lhe a mão e a conversa fluía. Foi o que aconteceu, quando uma criança ergueu o seu braço e fui ao seu encontro.  Perguntei-lhe:

“Que me queres, amigo Pedro?”

“Tenho uma dúvida, Professor Zé.” – respondeu.

“E qual é a dúvida?”

A conversa findou com uma surpreendente observação:

“Pensa um pouco, professor! Se um ser vivo é aquele que nasce, cresce, se reproduz e morre, então eu não sou um ser vivo, porque ainda não me reproduzi, nem morri.

Quando a criança questionou o que estava escrito nos livros, compreendi que acontecia metacognição, que ela já pensava sobre o pensar. Persistentemente, tínhamos ajudado a desenvolver processos complexos de pensamento. Tínhamos ensinado a selecionar informação pertinente, a analisar e a criticar a informação colhida. As crianças comparavam diferentes informações e as avaliavam. Após as sintetizar, passavam do saber construído à ação, desenvolvendo… competências.

Nas formações realizadas no contexto dos programas de Coordenação Pedagógica dos anos setenta e oitenta, aprendizagens realizadas ainda em transição de sala de aula para novas práticas fertilizaram outras práticas, e nos deram ensejo de pensar sobre o pensar. Sempre que ensinávamos aprendíamos, porque seguíamos o conselho de um jovem aluno: 

“Pensa um pouco, Professor Zé!”.

 

Por: José Pacheco

Posts navigation

1 2 3
Scroll to top