Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLIX)

Ilhéus, 20 de novembro de 2042

Há vinte anos, andava o vosso avô por terras do sul da Bahia, onde o Jardim Ciranda montra arraais. Se, na região, a Escola Pública, aquela que a todos garantisse o direito à educação, não existia, famílias cuidavam da educação dos seus filhos. 

Até à chegada da primeira das pandemias, com grande sacrifício, abriram caminhos novos para a velha educação. Porém, os recursos se exauriram, a um belo projeto faltava assegurar sustentabilidade financeira.

Em Porto Seguro, encontrei uma secretária de educação preocupada e decidida a fazer Escola Pública. Os seus professores tinham feito muitas pós-graduações e doutoramentos, muitas ações de formação e projetos, e o IDEB mantinha-se em níveis indesejados.

Atentamente, escutei famílias do Arraial d’Ajuda. Em Trancoso, a Morena me acolheu e me descreveu a escola que desejava para as suas filhas. E a Mãe Negra me pediu ajuda.

À época a que me reporto, uma cidade do Ceará ganhara fama e proveito, por via do seu elevado índice de decoreba. Ingenuidade pedagógica e ânsia de resolver problemas estruturais, induzia o poder público a celebrar contratos de nulo efeito.

Assistíamos à expansão de uma perspectiva desenvolvimentista da educação com a sua subordinação aos imperativos da competitividade económica e às regras do mercado. A narrativa do “foco no resultado” se sedimentara no meio corporativo e na gestão das escolas. Por essa via, jamais aconteceria Escola Pública, tal como o João a interpelava.

“Durante mais de 150 anos o Estado assumiu, no mundo ocidental, a função de Estado Educador. A criação e desenvolvimento da escola pública tornou-se, primeiro, um imperativo para a consolidação do Estado-Nação e, mais tarde (principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial), um elemento essencial do desenvolvimento económico. 

A escola pública desenvolveu-se, assim, com base num voluntarismo político, claramente centralizador, que pressupunha um forte consenso social no valor da educação e nas modalidades de organização da escola. 

O crescimento extraordinário dos sistemas educativos e a complexificação da sua organização tornaram difícil a sua renovação e adaptação às necessidades do mundo atual. 

Perante estas situação de crise, os governos procuraram responder com grandes reformas que, com grande optimismo retórico, eram anunciadas como o mito regenerador da educação e a boa solução para tudo resolver de maneira racional e planificada.

O balanço que se faz destas grandes reformas, que constituíam o manifesto político de qualquer ministro que se prezasse é conhecido. A maior parte das reformas não passou do papel e as que foram um pouco mais longe raramente se radicaram nas escolas e, muito menos, na sala de aula e nas suas práticas quotidianas.”

Na Internet, eram abundantes anúncios deste tipo: 

“Como sair de zero para quatro mil alunos em 12 meses. Metodologia de Aceleração de Vendas. As inscrições estão abertas”.

Secretarias de educação celebravam contratos milionários com empresas. Fundações e filantropos injetavam avultadas quantias em experimentalismos inconsequentes. adotando “finlandesas e sobralísticas soluções”, que nada solucionavam.

A defesa da Escola Pública passaria pelo desmonte do carácter pretensamente neutro da introdução de uma lógica de mercado na educação, pela denúncia da sua ética perversa e por fazer da definição e regulação das políticas educativas um processo de construção coletiva do bem comum que à educação cabia oferecer, em condições de igualdade e justiça social, a todos os cidadãos.

214total visits,1visits today

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Scroll to top