Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLVIII)

Serra Grande, 18 de novembro de 2042

Sem querer afetar-vos com uma overdose de estórias da história da Ponte, não resisto a juntar mais uma ao já extenso rol.

Aquando de mais uma tentativa de destruição do projeto – a história da Ponte foi feita de sofrimento e resiliência – o Rui dissera que a nossa escola inovara à margem do “sistema”. Mas foi mais longe na conclusão:

“Seremos mais exatos se afirmarmos que ela se desenvolveu contra as reformas, na medida em que se baseia em pressupostos e em soluções que são contraditórios com aquilo que tem sido a ação dominante da Administração. Na experiência da Escola da Ponte os professores falam pouco de autonomia, mas exercem-na e constroem-na, desde há muito. É uma autonomia não outorgada nem tutelada. 

Em contrapartida, a autonomia decretada pelo Ministério desencadeou (por boas ou más razões) um sentimento defensivo e de rejeição pelos professores, da autonomia que lhes caiu em cima. Parece ser óbvio que não é a mesma autonomia que está em causa. 

As preocupações com a flexibilidade da gestão curricular estão melhor representadas na experiência da Ponte (polivalência dos espaços, flutuação dos agrupamentos dos alunos, gestão autónoma dos tempos, diversidade de dispositivos de aprendizagem, organização democrática da vida da organização) do que nas sucessivas reformas curriculares que, em nome da flexibilidade, estabelecem, de modo inflexível, soluções uniformes (por exemplo, que a aula de 50 minutos seja substituída, em todo o lado, de forma obrigatória e autónoma pela aula de 90 minutos). 

João Barroso, o “pai” do decreto da autonomia das escolas, completava a reflexão do Rui:

“O caso da Escola da Ponte não é um episódio pontual, mas, antes pelo contrário, constitui um exemplo paradigmático das posições e ações em confronto no debate atual sobre a escola pública: por um lado, os que, na Escola, se esforçam por promover um ensino justo, democrático, participativo, adaptado à diversidade e características dos alunos, pedagogicamente eficaz e civicamente ativo; por outro lado, os que, no governo e nos meios de comunicação social, querem fazer crer que a escola pública está condenada ao fracasso, que a competição e o mercado devem ser os seus valores de referência, mas que, ao mesmo tempo, têm (ou defendem) políticas centralizadoras, burocráticas e conservadoras que a impedem de mudar e de se aperfeiçoar. 

Não pode ser reduzido a uma mera discordância  quanto à maneira de gerir com mais eficiência os dinheiros públicos que o governo gasta na educação, em particular na gestão da rede escolar. 

A questão é política e interpela simultaneamente os defensores da escola pública que, neste caso, são confrontados com a necessidade de defenderem a existência de projetos pedagógicos próprios; e os defensores da introdução de uma lógica de mercado na educação que, neste caso, aparecem como acérrimos defensores da setorização e da carta escolar, obrigando os pais a matricular os seus filhos numa escola determinada pelo Estado, em função de critérios meramente administrativos. 

À distância de quarenta anos, creio ser útil refletir sobre o conceito e prática de autonomia. A Ponte celebrara o primeiro “contrato de autonomia” de que há memória. Porém, de imediato, a administração pública engendrou modos de a mitigar ou anular. 

O João dizia ser necessária uma efetiva defesa da Escola Pública, reafirmar os seus valores fundadores, perante a difusão transnacional da vulgata neoliberal que via no serviço público a origem de todos os males da educação e na privatização a alternativa. 

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