Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXVI)

Mar de Espanha, 6 de dezembro de 2042

A minha amiga Cláudia acompanhou o drama de uma escola que, por trinta anos resistira a múltiplas investidas, à semelhança de um Asterix num canto da Gália, e de uma equipe que via se aproximar uma espécie de “orfandade” de “líder histórico”.

Como vedes, estou sempre a retomar a história da Ponte, porque ainda está por utilizar um manancial de informação contido em muitos estudos. No decurso da pesquisa da Cláudia, os entrevistados repetiam o que em outros estudos haviam dito:

“O afastamento do Professor Zé foi numa altura em que nós ainda estávamos com grandes desequilíbrios dentro da equipa, ele teria que estar por perto.”

Estive “por perto” nos momentos em que me pediram para estar. Como numa reunião em que assisti ao abjurar de princípios. Só dez anos depois, me dispus a procurar explicação para o sentimento de vergonha, que me assaltou nessa reunião. Mas, voltemos à tese da Cláudia, que assim descrevia as suas primeiras impressões na chegada à Ponte:

“Muitas coisas chamam a nossa atenção ao chegarmos na Ponte. Para mim, o primeiro impacto foi o “portão da rua”. Cheguei na escola numa segunda-feira à tarde, horário de aula, e o portão de acesso à escola estava completamente aberto. Achei que alguém tinha esquecido de fechar ou até mesmo de trancar.

Lembrei das escolas que trabalhei e convivi no Brasil, o portão sempre estava trancado, de preferência com cadeado, deixá-lo aberto era uma falta grave.”

A Cláudia surpreendeu-se com a atitude de “abertura” da escola, simbolizada num portão aberto, porém, a interface escola-meio social nem existia nessa autônoma construção social de aprendizagem, porque essa escola era um nodo de uma comunidade. E a Cláudia concluía:

“A curto e a médio prazo, a qualidade da escola pública não será tributária de políticas educacionais macros, tampouco de massificados e efêmeros programas, projetos ou política de governo, mas sim da decisão dos (as) profissionais que nela trabalham de tornarem-se autores (as).

 

A singularidade da construção pedagógica realizada na Escola da Ponte abriga um processo de produção intelectual dos seus atores, que talvez só possamos nos dar conta da sua verdadeira importância, passado o período de um certo apelo mitológico.

O Projeto Fazer a Ponte, tanto no que diz respeito aos princípios, quanto às práticas, não deixa de ser tributário de um quadro teórico e conceitual com base em trabalhos de estudiosos do fenômeno educacional escolar e do desenvolvimento humano. Entre esses, incluem-se Celestin Freinet e os educadores que fazem parte do Movimento da Escola Moderna.”

Efetivamente, o projeto Fazer a Ponte nascera sob o signo da Elise e do Celestin (porque, por detrás de uma grande mulher, há sempre um grande homem), mas soube evoluir, atualizar a proposta da família Freinet. Nesse movimento nos afastamos do “congelamento” de técnicas e de fundamentalismos pedagógicos.

Conta-se que, em tempos idos, foi promovido um concurso, para distinguir o projeto dos projetos e o seu guru.
Concorreram dezenas de confrarias pedagógicas e, após sucessivas eliminatórias, duas se defrontaram na final.
O júri apresentou um problema e pediu propostas de solução. Tratava-se de mudar uma lâmpada fundida. A equipe que apresentasse a proposta mais criativa seria considerada vencedora.

As duas equipes desistiram da competição.

Quando o júri quis saber o porquê da desistência, uma das equipes disse que, no tempo em que o seu guru teorizara, ainda não havia lâmpadas.

A outra respondeu:

“O nosso mestre nunca escreveu sobre lâmpada fundida.”

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