Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MLXXVIII)

Riacho Fundo, 8 de dezembro de 2042

Perguntastes: Se o avô não sai de casa, por que escreve junto à data nomes de cidades onde não se encontra?

É verdade, queridos netos. O ciático já não me permite fazer grandes viagens. Por isso, coloco junto à data os locais aonde ainda consigo ir e, também, aqueles para onde a memória me tem levado. Escrevo os nomes de lugares onde ajudei educadores a criar projetos, como Bananeiras, do sertão paraibano, de que vos falarei mais adiante.

Há vinte anos, eu regressava a lugares onde vivera por muitos anos e de onde tivera de partir para sobreviver a tempos sombrios. Em romagem de saudade, fui até ao Memorial Darcy Ribeiro. Lá, fiz a foto que junto a esta cartinha, e que fazia parte de uma exposição evocativa do Mestre. 

Após um bom repasto vegetariano no restaurante Utopia, meti conversa com o Alexandre, argentino de nascimento, brasileiro de coração. O Alexandre recordava-se do nosso encontro na casa do amigo Isaac, e me perguntou:

“Por que voltaste a Brasília?” 

“Para retomar projetos, claro! Um taurino nunca desiste, nem abandona à sua sorte aquilo que estima.”

Inevitavelmente, a Copa veio à baila. Éramos dois estrangeiros no país do futebol. A Argentina, Portugal e Brasil estavam nos quartas-de-final da competição. 

Nas escolas daquele tempo, ainda vigorava a gestão do tempo herdado da Revolução Industrial. Ainda havia ano letivo, os cinquenta minuto de aula, as sirenes ainda tocavam nas fábricas e nas escolas, para anunciar os fins de turno. Dos 365 dias de cada ano civil, as escolas apenas aproveitavam 200 (mal aproveitados, diga-se de passagem). E, em tempo de Copa, até essa tradicional gestão do tempo era subvertida – em dia de jogo do Brasil, os prédios das escolas fechavam as portas.  

A comunicação social delirava com as vitórias da seleção nacional. O futebol ocupava quase todos os noticiários, misturado com notícias de assaltos, de guerras e outras violências. De vez em quando, lá aparecia uma boa notícia. Foi o caso de uma reportagem sobre uma escola de Bananeiras.

No dezembro de há vinte anos, a Senhora do Carmo foi notícia na televisão. Gostei de ver a Leila dizer que trabalhavam em equipe, que lá não havia prova, nem sala de aula, que faziam tutoria e elaboravam roteiros de estudo. A equipe de projeto da Leila usava tudo aquilo que com eles eu partilhara, numa das minhas viagens ao interior paraibano. A Leila se inspirara no exemplo da Escola da Ponte e, com a sua equipe, tinha vivido a aventura do seu primeiro voo para visitar o Projeto Âncora.

O WhatsApp se animava com trocas de mensagens sobre a reportagem. Era evidente o regozijo dos meus companheiros universitários, que eles deveriam temperar com senso crítico. Porque aquela escola corria risco de paralisia inovacional. 

Quando eu soube que aquela escola fora convidada para fazer parte de um “programa”, que corria risco de ser apanhada numa “Rede”, em que ainda havia quem pensasse que “o centro” do processo de aprendizagem era o aluno, eu temi pelo futuro do projeto. 

Poderia vir a ter o destino de outros celebrados projetos. Quando assumiam visibilidade social, eram objeto de curiosidade, celebrados em vídeo, vertidos em teses. Acadêmicos se apossavam das “novidades”, inventando “redes de projetos inovadores” que, na realidade, não passavam de esforços de mudança. 

Elogiados, usados e abusados, esses projetos estacionavam em práticas de escolanovismo primário, não evoluíam. A inovação desaparecia sem deixar rasto. A inovação matava a inovação.

Acaso os acadêmicos não perceberiam a diferença entre “mudança” e “inovação”?

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