Maricá, 28 de fevereiro de 2043
Na Brasília de vinte e três, uma boa surpresa me esperava: a deputada Érica Kokay citando Paulo Freire, num evento patrocinado por um banco, e uma equipe de excelentes educadores com um verdadeiro projeto de comunidade. Não se tratava de mero apoio financeiro, mas de preocupação com o fenômeno da desigualdade social.
Prometi ajudá-los e voltei ao convívio de outra boa gente, que construía comunidade nas margens de uma lagoa. Nas longas viagens de vinte e três, deleitava-me com a leitura das sábias (e críticas) palavras do Mestre Pedro:
“O sistema fundado em aula instrucionista não arreda o pé, em grande parte capitaneado pela escola privada e pelo ambiente de cursinho. No Ideb de 2013 a escola privada se saiu muito mal, pior que a pública: não só não atingiu a meta em nenhum caso (anos iniciais e finais, ensino médio), como caiu nos anos finais e mormente no ensino médio, insinuando crise pedagógica lancinante.
Mesmo assim, o sistema continua impávido, por agarramento ideológico canhestro, levado pela vanglória de ser a Meca dos vestibulares e concursos mais procurados.
Isto apenas mostra o que a China secularmente sempre mostrou na análise de Zhao: é possível passar apenas com decoreba alucinada. Enquanto o próprio mercado globalizado competitivo brada que não aproveita decoreba, porque precisa de trabalhador crítico e criativo, autorrenovador, capaz de produzir conhecimento próprio, a escola não vai além de repassar conteúdo, sem que o estudante entenda, em especial em matemática.
Uma inutilidade e uma injustiça! Quando aprendizagem é excepcional, para que serve a escola?
Um sistema que produz tamanha asneira não pode permanecer a base do PNE, como se fosse apenas questão de reformas pontuais. É preciso, frontalmente, virar a mesa.
O fracasso escolar tem múltiplas causas (pobreza socioeconômica, falta de apoio familiar, condições precárias de trabalho, moradia em periferias urbanas violentas, falta de acesso a apoios intelectuais e culturais etc.), sendo o professor uma delas.
Ainda, não aludimos aqui que seja “culpa” docente, porque o professor faz na escola o que fizeram com ele na universidade – ele mesmo não sabe aprender; como conseguirá que seu estudante aprenda?
A vilania da universidade está em dois lances que precisamos desvendar. Não se pode alegar que a universidade não saiba o que é aprender, não só porque é detentora das melhores propostas e pesquisas de aprendizagem, ainda que todas sejam naturalmente incompletas, discutíveis, revisáveis; segundo, porque, tratando-se se formar a elite superior docente, aplica-se uma pedagogia completamente diferenciada, de marca autoral inconfundível.
Para fazer mestrado ou doutorado, mesmo ainda em meio a excesso de aulas, o procedimento central é constituir um projeto de pesquisa, submetê-lo à qualificação, realizar a pesquisa, produzir um livro, defender com banca pública. Fabrica-se tipicamente um autor. Neste caso a universidade reconhece que a produção de conhecimento pressupõe autoria, não aula, prova, repasse.
O segundo lance se refere à hipocrisia comum de que este autor, ao adentrar a sala de aula, “só dá aula”. Esta reclamação é mundial – PhDs ilustres, mesmo Prêmios Nobel, quando entram em sala de aula, “dão aula”. Fazem bem o “conto do vigário.”
Universidades de pesquisa saem deste script porque, no contexto de uma comunidade de aprendizagem e produção científica, todos produzem conhecimento.
Por que a Universidade prefere aula, prova e repasse, negando isso na formação do mestre e doutor?”
Por: José Pacheco