Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXXXV)

Tatuí, 26 de março de 2043

Sempre fui muito avesso a citações e raramente a elas recorria. Hoje, abrirei uma exceção. Para que não digais que sou “rabugento”, desta vez, os “rabugentos” serão o Pierre Bordieu e o Erhard Friedberg.

Disse o Pierre que “ensinar não é uma atividade como as outras. Poucas profissões serão causa de riscos tão graves como os que os maus professores fazem correr aos alunos que lhe são confiados. Poucas profissões supõem tantas virtudes, generosidade, dedicação e, acima de tudo, talvez entusiasmo e desinteresse. 

Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os ofícios.”

Em 2043, eu escrevo inspirado naquilo que o Pierre escrevia, há sessenta anos. Apenas lhe acrescento pedaços de chão da escola. Nada de novo, portanto. Tal e qual como, há cerca de cinquenta anos, o Erhard também escrevia:

“A racionalidade limitada própria de toda a ação humana infunde tudo, tanto os comportamentos humanos no dia a dia, como os dispositivos materiais, as regras, os procedimentos e as estruturas que, supostamente, os canalizam, os «racionalizam», os regulam e os articulam para objetivos coletivos. 

Uns e outros sofrem do mesmo mal: uma vez que são produto da ação humana, não podem ter pretensões a uma racionalidade superior aos comportamentos que os geraram. 

A sua racionalidade, portanto, é também irredutivelmente limitada, ou seja, é o produto de uma mistura complexa de afetividade, de rotinas apreendidas e interiorizadas por socialização, de considerações morais e éticas, e de estratégias e cálculos instrumentais. 

Depois, um «défice» de interdependência. Este resulta por um lado da omnipresença de elos frágeis nas organizações. Na sua tentativa de proteger ou aumentar a sua autonomia e a sua capacidade de ação, todos os participantes de uma organização procuram, naturalmente, limitar, por todos os meios, a sua dependência em relação aos outros, «desligando» tanto quanto possível a sua função ou a sua tarefa da dos outros.

As normas, valores e registos de justificação não bastam para estruturar completamente os comportamentos e as interações dos participantes. Nunca se está na presença de medidas/regras/estruturas que tiram a sua legitimidade unicamente de considerações técnicas: misturam-se sempre considerações de oportunidade «política», no sentido da gestão das relações de poder e de acomodamento dos compromissos necessários entre lógicas de ação e registos de justificação.”

Como vedes, há vinte, quarenta, setenta anos, a teoria tudo explicava. O teoricismo – doença infantil das ciências da educação – até apontava caminhos de prática. Como era fácil (em teoria) construir uma comunidade! 

Em comparação com a escrita elaborada desses e de outros autores, eu era um bruto da escrita. Por ter traduzido na prática aquilo que eles teoricamente conceberam e explicaram, fui um incômodo. A vida de professor de chão de escola me fez assim e a tantos outros que, imersos numa prática explicada pelos teóricos, mereceram a sina de quem ousou cometer o pecado de uma práxis coerente. 

Netos queridos, o teoricismo foi um dos grandes obstáculos à mudança. E foram muitos os companheiros de jornada que suportaram a incompreensão e a arrogância de teoricistas. Dizeis que o vosso avô é “rabugento”? Então, juntai-me a uma lista de “rabugentos”, que construíram comunidades e reconstruíram a Educação.

 

Por: José Pacheco

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