Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLVII)

Porto, 6 de junho de 2043

Nos idos de vinte, o amigo Carlos pregava no deserto, apelando ao direito a brincar. Na foto, que junto a esta cartinha, vedes um chão de plástico, brinquedos de plástico, um recinto de recreio feito de plástico. Tudo estava plastificado: o espaço que deveria ser de brincar, as salas de aula, e até a profissão de professor. Dante dissera que o seu inferno era constituído por círculos de sofrimento localizados interior da Terra, mas parecia estarem à superfície

Da janela da casa da Maria via-se o pátio do “recreio” de uma escola particular.

A maioria dos alunos estava colada a telemóveis (recordais-vos dos velhos “celulares” brasileiros?), corpos imóveis (excetuando alguns dedos), seres humanos hirtos (alguns visivelmente agitados), imersos num estranho torpor.

Uma professora manifestava-se queixosa do “barulho que as crianças faziam e que a não deixam sossegar um pouco”. 

Onde estariam as funcionárias encarregadas de “vigiar o recreio”?

As funcionárias tinham sido proibidas de gritar. Usavam um apito estridente com que mandavam parar aqueles que corriam como desalmados e gritavam como possessos. Ou para apartar contendores de brigas, que terminavam no gabinete da diretora.

A diretora queixava-se da “exiguidade do espaço”.

Mas, ei-los já enfileirados, caladinhos, prontos para marchar para a cela de aula.

Por que haveria intervalos? Por que não poderiam os alunos interromper o seu trabalho, para fazer xixi, quando lhes apetecesse?

À margem desse e de outros absurdos, discreta e pacientemente, era desenvolvido um projeto de formação, que promovia a reelaboração da cultura profissional dos profissionais de desenvolvimento humano, na consideração do educador como sujeito de aprendizagem, em equipe, no exercício da profissão, em novas construções sociais de aprendizagem. 

Concretizava-se a educação integral da pessoa, no reconhecimento da multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, social, cultural e intelectual, na superação de lógicas fragmentárias, religando a educação escolar com a familiar e com a social.

Eram criados lócus de humanização, oportunidades de inclusão, contemplando as três dimensões curriculares: a da subjetividade, a da comunidade e a universal, de forma integrada. 

Nos círculos de aprendizagem, não acontecia o consumo acéfalo de currículo, mas a produção de currículo, a construção de conhecimento. A partir de necessidades e desejos de cada ser humano, integrando conteúdos, competências, capacidades, visava-se estimular talentos e cultivar os dons de cada sujeito aprendente. 

Dado que um ser humano é único e irrepetível, no desenvolvimento do currículo da subjetividade era respeitada a especificidade do seu repertório linguístico e cultural, dos estilos de inteligência predominantes, o seu ritmo de aprendizagem.

Definido um conjunto de aprendizagens essenciais, o autoconhecimento se harmonizava com necessidades e problemas da sociedade contemporânea e do planeta. E, tendo em consideração os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as quatro dimensões da sustentabilidade (social, econômica, ecológica e visão de mundo), eram desenvolvidas habilidades socioemocionais, competências transversais, o pleno desenvolvimento pessoal e social do ser humano

A partir de sonhos, necessidades, problemas da população do território de contexto, acontecia integração comunitária da escola e desenvolvimento local sustentável. O conhecimento produzido era colocado em ação, gerando… competências. 

 

Por: José Pacheco

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