Fajão, 8 de março de 2042
No mês de março do distante 2022, o inimaginável acontecia. A Europa estava, de novo, em guerra. No ritmo de um contrarrelógio, a população de Lviv tentava proteger edifícios históricos, estátuas, vitrais de igrejas, arquivos.
Já vos falei de uma estátua de Cristo, que foi descido aos porões protetores de um abrigo. Cristo descia, de novo da cruz. Se os tanques russos já tinham bombardeado a maior central nuclear da Europa, o que os impediria de destruir obras de arte? Se militares russos violavam mulheres ucranianas, por que não violariam templos?
Por falar em mulheres, ficou famosa uma infeliz declaração de um deputado brasileiro em visita ao cenário de guerra. Ao deixar o país, na fronteira com a Eslováquia, enviou um áudio a alguns seus amigos, comentando sobre a beleza das refugiadas ucranianas. Disse que pretendia voltar ao Leste Europeu e que as mulheres ucranianas eram “fáceis” por serem pobres. Mesmo na boca de um mentecapto, essa afirmação seria considerada gravosa. Dita por um deputado da nação, imagine-se o que fora a sua educação.
Qual a origem do machismo, da misantropia, da homofobia, dos fundamentalismos e das guerras? Hoje, é fácil identificar a origem de muitos males, que afligiam os seres humanos de então.
Dois mil e vinte e dois anos depois, o crístico calvário se multiplicava, tragédias se sucediam. Um Cristo de madeira foi colocado debaixo do chão, numa cave que lhe serviria de abrigo. Tal como constava das escrituras, um dia, talvez deixasse o bunker, para subir a uma cruz de madeira e regressar à “vida normal”.
Em contraste com o tempo dos homens, os deuses são eternos. Mas, no tempo de guerrear, muitas vidas não regressariam à “vida normal”, seriam sepultadas, sem esperança da ressurreição de uma Paz duradoura. Uma Paz que não era o mesmo que ausência de guerra. A Paz seria possível, como dissera um alto clérigo daquele tempo, se a todos os seres humanos fosse proporcionada habitação, alimentação, boa saúde, uma boa… educação.
Se aprendêssemos a cuidar do ambiente, se não conspurcássemos as águas nem poluíssemos o ar. Se a educação familiar, social e escolar garantisse tais aprendizagens. A construção da Paz dependia da capacidade de amar, de criar harmonia.
Ghandi, Luther King, Einstein, Mandela, Russel o tinham dito. Há quase um século, Miguel Torga escrevera um curto poema com o título “Fronteira”: “De um lado terra, doutro lado terra / De um lado gente; doutro lado gente / Lados e filhos desta mesma serra / O mesmo céu os olha e os consente”. Setenta anos antes da eclosão do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, na obra “A Última Oportunidade do Homem”, Bertrand Russell “explicava” que as vantagens do aumento da amplitude das unidades sociais eram principalmente evidentes em caso de guerra.
“A guerra foi em todos os tempos a causa principal desse crescimento, da transformação das famílias em tribos, das tribos em nações e das nações em coligações. Mas, muito embora seja grande o interesse das nações poderosas em triunfar, algumas começam a compreender que há qualquer coisa preferível à própria vitória, que é evitar a guerra”.
Evitar a guerra passaria pela não discriminação, pela aceitação e harmonização de todas as crenças, pela inclusão do estrangeiro, por uma educação em direitos humanos promotora de valores éticos, desde o ventre materno à hora de uma morte. De uma morte serena, natural, sem guerra.
Há vinte anos, vivíamos num Carnaval entremeado de medo de uma Covid e no temor do uso de arsenais nucleares, num tempo que exigia profunda reflexão e um repensar a educação.
Por: José Pacheco