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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXL

Lordelo, 16 de março de 2044

No início deste século, deste modo eu tentava explicar-vos (e a quem pelo assunto se interessasse) o que era uma sala de aula e o que dentro dela se passava. Tarefa difícil de desempenhar, mas lá comecei por falar de instrumentos de ensinagem utilizados na “escola das aves”, que era, nem mais, nem menos que a Escola da Ponte, de Vila das Aves, quando o vosso avô a encontrou. 

“Havia o manual (igual para todos) utilizado pela coruja para o ensino do cálculo da velocidade e da direção de voos jamais materializados. Os voos lidos no manual eram, obrigatoriamente, muito curtos e obedeciam a critérios de que as jovens aves ignoravam o fundamento. 

Por sua vez, o galo ensinava o bater de asas de voos simulados, e impunha aos jovens pássaros a repetição do teórico cócórócó, que os faria conformar-se com o destino de habitar gaiolas e acatar a hierarquia das bicadas. 

Copiava-se pelo manual de História a história oficial. Outro manual orientava o milhafre que, nas aulas de sobrevivência, ditava a quantidade de milho, farelo, ou couve picada, da ração diária a dar à criação. 

Periodicamente, os mochos submetiam o receoso bando de aprendizes ao estranho cerimonial dos testes. As provas eram iguais para todos, num tempo igual para todos, com todos os pássaros aprendizes fechados no mesmo espaço. Se o teste fosse de voo planado, ainda que, lá fora, soprasse um vento propício ao looping, do lugar não saíam. 

Pouco importava que as asas do albatroz fossem dez vezes maiores que as do estorninho. Às aves mais lestas eram cortadas as asas, para que acompanhassem o ritmo dos restantes. E as avezinhas que não conseguissem bater as asas ao compasso das outras eram remetidas para “classes especiais”.”

Alheios às nefastas consequências da manutenção da ensinagem em sala de aula, acadêmicos ociosos velavam o cadáver adiado instrucionista, enquanto três insignes mestres o denunciavam. O maior desses mestres se chamava Pedro Demo. Homem sábio, autor de farta e excelente produção científica. 

Espero que ele me perdoe a ousadia de o citar, pois teve a generosidade de me enviar alguns textos solidários:

“Tendo escutado você mais de perto, nesses dias, também suas angústias, ocorreu-me fazer alguns textos. Tentam entender algumas ideias que mais chamam a atenção, mesmo assustam, mas são cruciais para a “comunidade de aprendizagem”. Admiro, entre outras coisas, sua coerência. E espero que os textos sejam úteis.

Os dados são, pois, cruéis com as aulas. Sendo aula o que mais existe e mesmo define a escola, e sendo os resultados um desastre avassalador, sua inutilidade é fragrante. 

Poucas coisas são mais inúteis do que aula: roubam o tempo do estudante, desmotivam-no ostensivamente, refletem autoritarismo grotesco, deturpam o sentido da aprendizagem e do conhecimento, e representam a vanglória mais tola do professor. 

Aula é o que mantém a escola presa ao passado fordista ou similar, como consta dos “Tempos Modernos” de Chaplin, repetitiva, monótona, linear, sequencial, insuportável, desumana. Não tem como objetivo cuidar da aprendizagem do estudante, mas de transmitir conteúdo que frequentemente o estudante sequer entende, como é o caso notório de matemática. É o signo também do professor ensimesmado, que mantém o sistema de ensino centrado em si mesmo, em torno de sua aula, prova e repasse, além de praticar um cognitivismo tosco, reducionista ao extremo.”

Na cartinha de amanhã (que esta já vai longa), continuarei a transcrição da bem fundamentada argumentação do Mestre Pedro.

Me despeço, com Amor.

O vosso avô José.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXIX

Rebordões, 15 de março de 2044

“Era uma vez, um reino encantado e junto ao mar. Encantado, porque uma fada má transformara todos os seus habitantes em pássaros. Junto ao mar, porque convém ao enredo da história. No reino encantado, havia cidades e, para além dos muros das cidades, outras cidades e outras escolas. 

As escolas de aprender a voar eram quase todas iguais entre si. E iguais a essas eram outras escolas dentro das cidades das aves. As avezinhas aprendizes eram todas diferentes umas das outras. 

Havia o rouxinol e o seu maravilhoso trinado; havia a calhandrinha e o seu canto monótono. Ia à escola o melro saltitante e o beija-flor de voo gracioso. Mas o manual de canto era igual para todos, o manual de voo era igual para todos.

Ensinava-se o piar discreto e em coro. Praticava-se o voo curto, de ramo para ramo. Havia o manual para as aulas de piação. Nas aulas dadas pelo manual, os papagaios treinavam os seus pupilos no decorar melopeias sem sentido. Todos ao mesmo tempo, no mesmo ramo, na cadência imposta pela batuta do papagaio instrutor.” 

Metaforicmente, assim descrevi aos meus netos a Escola do início dos anos setenta e que, mais computador menos pau de giz, se replicava no final de década de vinte – a Escola do século XIX, em pleno século XXI. 

Creio ter detetado uma das causas desse desajuste. Durante o século XX, académicos ociosos teorizaram teorizações de teorias. E a praga teoricista se prolongou, adentrou o século XXI, sofisticando um discurso  que contratava com a miséria das suas práticas. 

Era fácil a tarefa de identificar teoricistas. Pavoneavam-se nos palcos dos congressos, acariciando egos de professores, publicavam teses sobre o paradigma da aprendizagem (e até sobre o da comunicação), sem, contudo, lograrem emancipar-se do rame-rame das suas salas de aula instrucionistas. 

Escutei-os dizendo:

“Tenho visto equipamentos escolares lindos e com todas as condições dignas para professores e alunos poderem usufruir.”

Confundia-se escola com prédio, considerava-se “condição digna” a existência de salas de aula do século XX instaladas em “equipamentos escolares lindos” do século XXI, “fruindo” uma pedagogia do século XIX.

Vai para vinte anos, alguém que eu muito admirava também sofreu um ataque de puxa-saquismo: 

“Sempre achei bastante injusto (até mesmo um pouco demagógico) dizer que as nossas escolas são “do século XIX”. Acho que quem emprega esta “frase de efeito” não entra há muito tempo numa escola ou então não sabe o que eram as escolas no século XIX.

Estou a fazer um tempo de visitas aprofundadas a agrupamentos de escolas em Portugal (de Norte a Sul) e hoje quero celebrar o esforço de tantos professores, de tantos profissionais que fazem o melhor para que a escola seja digna do século XXI.”

Quando isto li, por pouco não vomitei. O “demagógico” discurso vinha de quem “visitava” escolas, um discurso legitimador do “esforço” de professores, “que faziam o melhor”. 

Uma professora se lamentava:

“Sabe o que me preocupa? É imaginar que os meus alunos são meus filhos e que não lhes posso dar tudo o que eles precisam e merecem”.

Numa tomada de consciência inconsequente, aquela professora confessava que, em sala de aula, não conseguia garantir a todos os alunos o sagrado direito à Educação. Mas, um teoricista não conseguiria ajudá-la, responder ao apelo, porque apenas exibia “frases de efeito” e não entrava nas escolas – apenas as “visitava”.

Por que não se interpelava tabus teoricistas? Por que não se exigia que fundamentassem a existência de sala de aula nas escolas do século XXI? 

Pedi ao Mestre Pedro que o fizesse.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXVIII

Santo Tirso, 14 de março de 2044

Volto à terrinha, para presencialmente me redimir de erros cometidos. Acreditei nos bons propósitos ministeriais e acabamos por perder meio século de oportunidades de democratização da Escola e de humanização da Educação. 

Pior! Involuntariamente e por Amor, menti. Prometi à minha neta uma Escola à medida dos sonhos de qualquer criança:

“Eu explico… Os teus pais conheceram-se, amaram-se e quiseram que viesses ao mundo num tempo incerto. Não esperaram por tempos seguros, que, nestas coisas do amor como nas de aprender e ensinar, o que é urgente não deve esperar. Impedidos de concretizar o sonho de fazerem as crianças mais felizes, afastados daqueles que aprenderam a amar, os teus pais mudavam de casa, ano após ano. Dentro da casa, levavam o teu berço para longe das paragens habitadas pelos teus avós. 

Se não te disse as palavras doces no tempo certo, agora me redimo. Falar-te-ei em nome de todos aqueles que, em perturbados tempos, se deram a utópicas tentativas de dar sentido a experiências que a maioria das crianças que foram as da geração dos teus pais e avós não puderam conhecer. 

Falar-te-ei de professores que acreditavam ser possível pôr humanidade no ato de aprender e ensinar. Quero que saibas que havia pessoas assim. 

Através das imperfeitas palavras, farás a viagem ao tempo em que em que se desenhavam os destinos das crianças futuras, projetos (como então se dizia) de escolas de um devir luminoso.

Comecemos… pelo princípio. No final da década de sessenta do século passado, o meu esperançoso envolvimento na abortada Reforma Veiga Simão resultou em desilusão e precipitou a minha decisão de abandonar uma carreira de engenheiro e de me fazer professor. 

Salazar morrera. A ditadura amainara. Na chamada “Primavera Marcelista”, o vosso avô contribuía, nas margens do possível, para a transformação da escola salazarista numa escola pública, berço de democracia e de igualdade. A educação para a cidadania salazarista deveria ser substituída por uma educação no exercício de uma cidadania plena. 

No Portugal de mil novecentos e setenta e um, grupos de professores influenciados por correntes cooperativistas introduziram duas inovações no projeto: o trabalho em equipa de dois ou três professores; a consideração de núcleos de espaços para grupos de alunos, fugindo ao tradicional sistema de turmas-classes. Apesar de refletirem a tendência para a criação de “classes de nível”, anteciparam a constituição daquilo que, mais tarde, seriam os núcleos de projeto Fazer a Ponte. 

Uma figura ímpar surge no limiar da década de setenta. Rui Grácio acreditava que o destino dos pedagogos era o de “preencher o espaço entre o ensino e a aprendizagem, entre a teoria e a prática, entre os alunos e os professores, entre a ciência e a arte, entre diferentes disciplinas, preencher este espaço e transformá-lo em ação.” O amigo Nóvoa assim descreve aquele que foi um dos primeiros inspiradores do trabalho do vosso avô:

Para Rui Grácio, o problema da “democratização do ensino” é, acima de tudo, político, pois “a grande máquina do sistema escolar não pode ser entendida fora da sua integração no mais amplo sistema sociopolítico da comunidade”.  Trinta anos depois da sua morte, é uma ambição ainda longe de estar cumprida, em Portugal e no mundo.”

Nóvoa publicou esse texto em 2021, quase 50 anos após a transição para a democracia, quando a escola democrática ainda era uma “miragem”. Uma democracia que não cuidara de democratizar a Educação continuava controlada por lideranças tóxicas e era berço de tentações totalitárias.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXVII

Évora, 13 de março de 2044

Netos queridos,

No agosto de 2001, escrevi a primeira das “Cartas para a Alice”. No Brasil, as dezassete cartas enviadas por um avô “coruja” para a sua neta foram publicadas num livrinho com o título “Para Alice com Amor”. Embora estivéssemos em 2001, as cartinhas tinham data de… 2007. Explicarei a intenção com um pouquinho da primeira das cartas:

“Algures, em 30 de agosto de 2007, 

Querida Alice, 

Chegou, finalmente, o dia do teu sexto aniversário. Finalmente, porque a pressa de ser grande se transforma em impaciência quando os aninhos ainda podem ser contados pelos dedos. 

Entre agosto e setembro, entre o brincar sem cuidados e o ir à escola é só um saltinho de pardal. Dentro de poucos dias, a criança que és há-de ser “aluno”. Presumo que não vás perceber a diferença, mas não ouso afirmar. Quero apenas acreditar que, em 2007, já não sofras os dramas que crianças de outras gerações suportaram. 

Como todas as crianças, sentirás apreensão e curiosidade. Irás fazer novos amigos e conhecer adultos que, supostamente, te ajudarão a crescer e a compreender o mundo. É sobre esse mundo novo e misterioso, que se abre para os teus olhos de menina curiosa, que eu te venho falar. Venho contar-te as histórias que não te pude contar quando eras mais pequenina.

Nasceste no primeiro ano deste século, mas houve alguém que, já no início do século XX, escrevia que aquele seria “o século da criança”. Enganou-se.” 

No ano de 1900, Ellen Key escreveu aquilo que passou a constar de programas da Unesco e de outras instituições vinculadas à infância. Ao longo de mais de cem anos, muitos tratados citaram a obra da pedagoga sueca. Mas, só em teoria se cumpriu o Século da Criança. Permanecemos num tempo feito de promessas.

Por isso, a desagradável surpresa das Legislativas de 2024, não constituiu surpresa. 

Uma democracia sem educação democrática fora o berço de tendências totalitárias, de potenciais ditaduras. 

Em 74, no auge da “revolução”, com os meus companheiros de armas e com educadores éticos, partilhei a alegria de um alvorecer de liberdade. Com eles me envolvi na faina de ajudar a implantação do regime democrático e de refundar a Escola da Democracia. No exercício de uma cidadania plena, militantes convictos, fomos para o chão das escolas, anunciando tempos novos.

Ao longo de meio século, participei de várias iniciativas ministeriais de remediar o sistema educacional português. Foram concebidas entre o burocrático e o ingênuo e nunca lograram garantir a todos os alunos um direito fundamental: o direito à educação.

O obsoleto sistema de ensino herdado de 48 anos de ditadura foi sequestrado por lideranças tóxicas. E, ao longo de cinquenta anos, as promessas de um “Abril da Educação” foram hipotecadas a troco de inúteis iniciativas reformistas. Pelo caminho ficaram tímidos projetos dissidentes, albergados em escolas particulares. Restou a indústria dos “centros de explicações” (eufemisticamente chamados “centros de estudos”), a fuga para o “ensino doméstico”, “escolas alternativas”, alguns “focos de pedagogia neoliberal e um cemitério de promissores projetos. 

Perdêramos 50 anos de oportunidades. Mas, há quarenta e oito anos, num canto discreto do extremo Noroeste português, uma escola resistia. 

Debilitado, desenraizado, o projeto “Fazer a Ponte” ainda era referência de um “Abril da Educação”, que não se cumpriu.

Há vinte anos, encontrei no fundo do baú das velharias o anúncio de um encontro, que contaria com a presença de professores e alunos da Ponte (juntei-o a esta cartinha). Fui até Évora, matar saudades. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXVI

Agrela, 12 de março de 2044

Quando nascestes, netos queridos, enviei-vos cartas descrevendo a escola do início de século, augurando uma escola acolhedora na idade de irdes à escola. Retomo, agora, o exercício epistolar, iniciado na primeira década do vigésimo primeiro século, para que saibais como era a escola no tempo em que o vosso avô nela se iniciou (em meados do século vinte) e como ela era, cinquenta anos depois. 

É confusa esta “viagem no tempo”? Pois ficai sabendo que o tempo não existe, nem estabelece os rumos da humanidade. Foram seres humanos amorosos que, em amorosos atos, geraram impulsos de humanização. Foram educadores esperançosos e éticos que marcaram o tempo da mudança, rumo à idade da educação, que os futuristas dizem ser a década de 40. 

Nesta carta, escolhi falar-vos de alguém, que, em meados da década de setenta do passado século, erguia comunidades. Com ela aprendi o dom da gratuita oferenda. O seu labor foi quase contemporâneo da publicação do “Escola de Comunidade” do Lauro brasileiro e muito anterior ao enunciado de princípios concebido pelo Ramon da Catalunha. 

Em 77, a Escola da Ponte imaginada pelo vosso avô era já comunidade. Trabalhava um ano inteiro com a Associação de Pais, na preparação da “Colónia de Férias” das crianças. 

Estávamos a cerca de 30 quilómetros do mar, mas a maioria das crianças (e dos seus pais) nunca tinham pisado a areia de uma praia. O tempo de férias das crianças era passado na rua, no mato, ou auxiliando os pais nas vindimas e em outras labutas familiares. 

Em 76, organizamos festas, tômbolas, saraus, vendemos rifas, pedimos ajuda a quem podia ajudar. Com o dinheiro obtido em mil e um modos de o angariar, foram feitos 180 leitos-beliches, adquiridos utensílios de cozinha e outros materiais. Formei alguns monitores, fui negociar alojamento numa escola à beira-mar. E, pela primeira vez, as famílias do bairro da Ponte puderam ver o mar.

A Tita, sem ser missionária também não era demissionária. Era professora apenas. E, sem querer saber se Julho era mês de férias, levava à praia crianças e adultos que nunca tinham visto o mar. E escrevia: 

“Chegámos à praia felizes por sentir a areia nos pés. Bem depressa cada um se começou a despir, indiferente aos olhares de espanto de gente que nunca tal coisa viu. 

Os Torres, de cabelos rapados onde ainda se notavam sinais das lêndeas esmagadas pela tesoura da poda, tinham um ar de presidiários famintos da vida e do ar que lhes oferecíamos.  Também eles queriam mostrar os seus fatos de banho.

Ó, meu Deus! Que vergonha! Aqueles meninos só têm cuecas! – E, envergonhada, a gentil senhora mandou o filho levar-lhes um fato usado. Ficaram felizes os Torres. E ei-los a correr alegremente para o mar, dispostos a acabar com a raça das cuecas velhas do pai. E os Almeidas eram tantos! Nove na mulher e quatro na amante. Tinham um distinto ar de ciganos matreiros a quem a vida ensinara a vencer. 

Naquele tempo, não era preciso mostrar serviço, não havia a preocupação de separar o letivo do não-letivo, de apartar os cognitive skills dos non cognitive skills, nem de depender do limite de horas da “carga horária”, porque carga era coisa de asno, não de gente que… FAZIA. 

Naquele tempo, já tínhamos apercebido de que quem sabe faz, quem não sabe ensina. O Dalai Lama e o Presidnete Kennedi também sabiam…

“A única coisa que importa é colocar em prática, com sinceridade e seriedade, aquilo em que se acredita” (Dalai Lama). 

Um homem faz o que deve fazer – apesar das consequências pessoais, apesar dos obstáculos, perigos e pressões – e é essa a base de toda a moralidade humana” (John Kennedy).

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXV

Inoã, 11 de março de 2044

Num encontro de educadores realizado no final da tarde do dia 25 de abril de 74, perante algumas dezenas de “operacionais da revolução”, o vosso avô assim falou:

“Ontem, os portugueses adormeceram num regime fascista. Hoje, certamente, não acordaram democratas. A Democracia se ensina e se aprende. Uma grande missão nos espera, a de criar a Escola da Democracia.”

Cinquenta anos decorridos, no mês de março de há vinte anos, um comentador de serviço assim se manifestava:

 “Nunca tivemos uma noite eleitoral tão instável como esta, é um ambiente terrível e saio desta noite profundamente preocupado.”

Tarde demais para arrependimentos! O espectro de tendências autoritárias renascia. Um partido de extrema-direita, democraticamente, capturara um quinto do total de votos (não nos esqueçamos de que Hitler foi democraticamente eleito).

Há vinte anos, ainda sofríamos as tribulações da proto-história da política. Rastreei velhas memórias, para buscar as causas de desumanizadores paradoxos. E fui cair em recordações da primeira infância.

Na minha sala de aula de uma escola do Portugal de Salazar, os dias começavam com “salve rainhas, ave-marias, pais-nossos”, entoados em alta voz, à mistura com uns socos dados na cabeça de quem rezasse em surdina. Seguia-se o estridente cantar de hinos fascistas. E, como é bom de ver, no aquecimento para a ensinagem, que se seguiria, também não faltavam as reguadas assentadas nas mãos daqueles que não tivessem feito devidamente o trabalho de casa.

O meu colega de mesa era filho de um exilado político. O seu pai era “protestante”, mas o Jorge fingia ser católico. Descoberto, foi rudemente segregado pelos fundamentalistas da época. O professor não perdia uma oportunidade de o humilhar e de, sem pretexto aparente, o agredir verbal e fisicamente. Era raro o dia em que não o “chamasse ao quadro”. Mais raro ainda, era não o agarrar pelos cabelos e lhe bater a cabeça no quadro negro, no final da “chamada”. 

“Vai-te lá sentar, meu increuzinho! Vai! E não chora! Ouviu?

O Jorge engolia o choro e lambia furtivas lágrimas. A turma, hirta e muda, desviava o olhar da repulsiva cena. E baixava a cabeça, na esperança de não ser, também, um “bombo da festa”. 

O Jorge expiava pecados que não cometera. Era a vítima perfeita de um sádico, que a ditadura fizera “professor”. Sentado na mesma carteira, sentindo o seu oculto soluçar, eu me condoía, chorando por dentro e aprendendo a odiar.

Nos regimes fascistas, as corporações modernas, herdeiras das análogas da Idade Média, eram quem ditava o que fazer em sala de aula. O mesmo acontecia na ditadura de Salazar. 

No tempo da “Revolução dos Cravos”, os alunos tinham na ponta da língua a tabuada, sabiam de cor as estações de caminho-de-ferro e o sistema galaico-duriense e entoar a música (já só a música!) dos hinos fascistas. 

A democracia não lograra alterar hábitos escolares. A Escola de Salazar não tinha sido desmantelada, apesar da ordem expressa dos novos poderes.

Um povo não adormece fascista e acorda democrata. Dispusemos de 50 anos para cumprir uma Lei de Bases e ela não foi cumprida. “Centros de estudo” cresciam, exponencialmente. Também cresciam os índices de suicídio juvenil, do “bournout” e do analfabetismo funcional. 

Os resultados do ato eleitoral de 10 de março de 24 nos diziam que perdêramos cinquenta anos de oportunidades de concretizar uma educação cidadã. Para que não perdêssemos mais oportunidades de mudança, iríamos reunir-nos no abril de 24, promover o debate público em torno de um projeto exequível e urgente. Nem tudo estava perdido.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXIV

Guarani, 10 de março de 2044

Na década de oitenta, o vosso avô fez parte da primeira turma da licenciatura em ciências da educação. Na disciplina de Sociologia, li todos os livros do sociólogo francês Pierre Bourdieu. A leitura da sua obra “O Poder Simbólico” me inquietou. 

O “poder simbólico” é um poder invisível, que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder, ou mesmo daqueles que o exercem. 

Manifestei perplexidade face à incoerência dos meus mestres. Na primeira das faculdades de ciências da educação, se venerava o sociólogo que denunciara a “reprodução” de um velho e obsoleto modelo de ensino. Eram redigidas teses questionadoras desse modelo. Mas era (e continuou sendo) esse o modelo praticado pelos académicos. 

O termo “instituído” foi cunhado por Bourdieu, que o utilizou para descrever as estruturas sociais – normas, valores, regras e estruturas – internalizadas pelos indivíduos e que influenciam suas ações e pensamentos. Segundo Bourdieu, o instituído é uma forma de poder simbólico, que é exercido sobre os indivíduos de maneira invisível e sutil. 

Num domingo de há vinte anos, quando relia o “Livro do Desassossego”, encontrei um princípio de explicação da universitária incoerência:

“Uns governam o mundo, outros são o mundo. Entre um milionário americano e o chefe socialista da aldeia, não há diferença de qualidade (…) Abaixo estamos nós, o dramaturgo atabalhoado William Shakespeare, o mestre-escola John Milton.”

O Pessoa sabia que, num sistema educacional, que ia de mal a pior, havia quem pugnasse pela manutenção do status quo e quem tentasse transformar o caos numa “nova ordem”.

Os “mestres-escolas” da Escola da Ponte nunca foram perdoados de terem encontrado um dos possíveis caminhos de humanização da Escola.

Houve quem se apropriasse desse saber-fazer. Senti dó daqueles que, consciente ou inconscientemente, alimentavam um sistema moral e intelectualmente corrupto, e, compassivo, os indultei do crime de enriquecer à custa do trabalho alheio.

Fui clemente face a parasitas universitários, que da Escola da Ponte se serviram, copiando o projeto em teses, “formações”, palestras feitas de PowerPoint e outros rentáveis produtos.  

Desculpabilizava e senti pena de funcionários ministeriais, que promoviam a “funcionarização” dos professores. Me compadeci dos seguidores de seitas pedagógicas neoliberais. E perdoei formadores reprodutores do modelo educacional prussiano.

Nutri compaixão por fundamentalistas terraplanistas, que chegaram a ministros e administradores ignorantes. Para eles pedi clemência a Deus. Que por Divina Graça lhes perdoasse os crimes de abandono intelectual, de falsidade ideológica, de assédio moral, sistematicamente cometidos – essas criaturas de Deus não sabiam por que faziam aquilo que faziam.

Pacientemente, tentava ignorar os efeitos perversos da indústria do “cursinho”, dos “centros de estudo”, de “explicações” e de reforço”.

Perdoei burocratas, para os quais as ciências da educação não passavam de ciências “ocultas”. Também tentava ser complacente com idiotas autoritários e abstrair-me das pérfidas façanhas de políticos intelectualmente corruptos que, em comissões de educação, tomavam decisões de política educacional.

Só não conseguia ser compassivo com os meus colegas das ciências da educação. Sentia vergonha de os ver colaborar com “túmulos caiados, onde germinava a podridão” (Mateus, 23:27).

Era obsceno o seu silêncio. Eles sabiam como mudar e refundar o “sistema”, mas não agiam para o modificar.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXIII

Itamaraju, 9 de março de 2044

Me redescubro num regresso cíclico a Freinet, a Nilde, a Lauro, a Agostinho, a Nise, a Freire – uma herança crítica de professor primário a quem as Ciências da Educação tarde tocaram num percurso profissional quase feito. Também (talvez) por isso, a linguagem e o conteúdo do discurso me pareçam gastos, já-ditas, ultrapassadas pela urgência da intervenção.

Em trabalhos não publicados – busco legitimá-los com o teste de práticas refletidas – verifico a prevalência de uma matriz que radica na tradição e manifestos da Escola Nova. Não farei transcrições desses trabalhos, apenas os refiro por serem caracterizados pelos mesmos traços que, agora, julgo reencontrar no trabalho com círculos de aprendizagem: a iniciativa, o senso crítico, a solidariedade, a autonomia.

Quando escutava comentários sobre a minha inabalável iniciativa de transgressão, respondia que não fizera mais do que a minha obrigação de educador, pois o conceito de iniciativa poderia identificar-se com o de implicação deliberada em processos de mudança, poderia ser definida como a Ana Benavente a definiu: 

“Comportamentos individuais ou de grupo, que consistem em ocupar os espaços de liberdade e de autonomia, no interior de uma instituição ou de uma sociedade, em investi-los no sentido de um projeto consciente. Os professores esperam que a resolução dos problemas “venha de cima”. 

Distingamos essa implicação deliberada da implicação de facto. Nesta, os professores não intervêm na realidade, porque como Barbier refere, “estão cativos dela, involuntariamente “metidos dentro” dela. 

A reação a inovações, que tantas vezes comentei, poderá ser reflexo de subjetividades decorrentes da não-participação ativa dos professores em processos de decisão. A insegurança engendra resistências, quando são postos em causa determinados princípios e práticas de ensino. Poderá acontecer que, contrariando os desígnios expressos nas obras de eminentes pedagogos, os professores se mantenham relutantes em modificar a sua conduta. Este efeito perverso das reformas verticais acompanha a convicção de que nos sistemas escolares está implícito que a escola tem poucos meios para iniciar, desenvolver, e ser lugar de formação.

Poderemos considerar a emancipação como o interesse por um conhecimento substantivo propiciador de uma práxis libertadora, o que pressupõe a necessidade urgente substituição de um modelo educacional prescritivo por um outro de cariz apropriativo. 

Se a educação tem por finalidade permitir aos indivíduos a realização dos seus destinos, na realidade ela tem contribuído para manter os professores numa relação dual de forte dependência, através de processos de “clonagem” adaptativa nada consentâneos com uma racionalidade emancipatória. 

A formação de profissionais do desenvolvimento humano desenvolve-se, no dizer de Eugène Henriquez, “no quadro de uma sociedade tecnocrática, na qual, ao mesmo tempo que o conformismo é prescrito, a iniciativa, a criatividade, o espírito inovador são reclamados com insistência”. A formação acaba sendo uma deformação carente de desconstrução de certezas e da criação de condições de realização pessoal e social

Nos idos de vinte, os professores continuavam privados da apropriação crítica de saberes e da interpelação de constrangedoras estruturas. Urgia criar contextos onde não existisse um saber constituído, onde se gestasse um saber constituinte, sobre o qual novos conhecimentos pudessem emergir.

Era, também, isso o que fazíamos nos “Encontros de Sábado”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXII

São Geraldo, 8 de março de 2044

Até há muito pouco tempo, esta data era celebrada com festas e consumismo. Longe ia a origem da homenagem prestada às mulheres, longínquos os ecos de lutas, de intensos movimentos de reivindicação política, de perseguições. Neste dia de há vinte anos, era comemorado mais um “Dia Internacional da Mulher”. E o que havia para comemorar? Tentativas de chamar a atenção da sociedade para desigualdades gritantes? 

No fundo baú das velharias, achei algumas notícias:

“Cúpula da República teve uma mulher para cada dezasseis homens, após redemocratização”.

“Mulheres negras voltam a alisar cabelos após críticas e relatam pressão sobre a própria imagem”. 

“Ações trabalhistas que citam assédio sexual crescem 200% desde 2018”.

E a educação escolar e familiar não conseguiam conter o aumento do feminicídio.

Ia longe o tempo em que as professoras pediam ao ministério autorização para casar, mas outras heteronímias se mantinham. Muitos projetos capazes de inverter essa triste situação haviam perecido. Por isso, eu insistia em chamar a atenção para a necessidade de desenvolvimento de autonomia pessoal (da mulher, em particular) e dos projetos.

Era meu hábito usar um tom coloquial, para ser entendido. Na véspera do terceiro “encontro de sábado”, preparávamo-nos para apresentar evidências de aprendizagem, para diversificar espaços de aprendizagem e introduzir alguns dos dispositivos utilizados na Ponte da década de setenta. Não se tratava de produzir clones de um projeto, mas de Refazer a Ponte, à medida de cada comunidade.

Propus que se relesse documentos básicos: o projeto, o regulamento, o contrato de autonomia. E que, revistos e ajustados, esses documentos fossem entregues aos diretores de agrupamento e às secretarias. 

Pedia, insistentemente, que as práticas, quaisquer que fossem as adotadas, fossem fiéis à letra e ao espírito dos documentos, porque o discurso da autonomia poderia desempenhar uma poderosa função ideológica, estimulando na micropolítica escolar uma “eficácia pessoal” promotora da subordinação do indivíduo ao controlo organizativo. 

Seria necessário, portanto, promover a distinção entre uma autonomia formal e uma conceção democratizante de autonomia, geradora de modalidades de intervenção formativa distintas da participação formal de professores em ações condicionadas pela instrumentalidade e a racionalidade técnica. Creio que poderíamos chamar-lhe, à maneira de Fritzell, “autonomia relativa”, uma autonomia diversa que era concebida como “uma certa quantidade de alguma independência abstrata”. 

Esta presunção de autonomia diferia de outras, que tendiam a considerar como autónomas meras qualificações para assunção de responsabilidades pessoais no quadro de constrangimentos estruturais, sem que se questionasse a legitimidade de relações sociais de reprodução.

O exercício de autonomia pressupõe risco, compreensão da situação, do sistema interaccional, dos constrangimentos institucionais, num ambiente organizado para a participação na decisão e no exercício da profissão. Pressupõe algum controlo sobre a profissão e sobre as condições do seu exercício. 

Os círculos de aprendizagem dimanados dos “Encontros de Sábado” agiam como subsistemas sociais autónomos, na medida em que – como também diria Fritzell – as suas consequências sociais significantes, interiormente e exteriormente, não estivessem ajustadas à reprodução de outros sistemas, e nos quais se pudesse reclamar responsabilidade pelos próprios atos e seus efeitos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXI

Teixeira de Freitas, 7 de março de 2044 

Já aqui vos trouxe estas palavras da Cecília, mas as retomo. Nos idos de vinte, esse texto mantinha-se atual (80 anos após ser escrito!).

“Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? 

Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes, como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento levou… 

As aulas de psicologia ficaram geladas nos livros; as de pedagogia fecharam-se nas caixas de jogos; as outras não levaram em si nenhum gérmen dessas duas, que são, no entanto as indispensáveis a quem vai ser professor. 

Pobres alunas que não tiveram quem as orientasse a tempo! Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pode fornecer no momento devido” 

A situação descrita (que só quem não a partilhasse poderá questionar) contrastava com os propósitos expressos em teses e documentos de política educacional. 

Em meados de setenta, quando a Ponte dava os primeiros passos de uma formação emancipadora, o Decreto-Lei 290/75 tecia considerações jamais concretizadas:

“Na revisão do regime de formação, haverá que engendrar decididamente pela elevação do nível de preparação daqueles que escolheram o magistério como carreira profissional”.

De um modo geral, a formação organizada segundo esse tipo de racionalidade era geradora de formas de organização escolar decalcadas de antanho, nas quais os professores exerciam um controlo escasso sobre o seu trabalho. Programas e projetos de formação colocavam a ênfase em “técnicas pedagógicas que, em geral, evitam as questões sobre as finalidades e o discurso de crítica e de possibilidade” – palavras de Aronowitz e de Giroux.

A racionalidade tecnocrática, que tendia a separar a teoria da prática, promovia pedagogias que suprimiam a autonomia dos professores (e, concomitantemente, a dos alunos). Na Ponte se questionou ideologias que legitimavam a separação entre processos de conceptualização e de execução. E uma das primeiras tarefas da formação, que se fazia há vinte anos, foi a de elaborar contratos e termos de autonomia. 

Há vinte anos, a avaliar pelo desempenho da maioria dos novos professores, a formação inicial continuava a manifestar incapacidade para obstar ao choque das realidades. À formação inicial desprovida dessa qualidade juntava-se a não-inicial que qualitativamente nada acrescentava à primeira. 

O professor recém-formado era atirado, sem recursos, para o isolamento de uma sala, que tinha dentro um grupo de crianças. Desenvencilha-se. Os primeiros dias eram decisivos, definitivamente decisivos para a instalação de rotinas que resolvessem a crise inicial. 

O professor “probatório” evocava modelos da sua experiência como aluno e passava a exercer um apertado “controlo disciplinar”, que anulava o exercício de autonomia nos alunos, anulando a sua própria autonomia. Recorria ao manual, que anulava o professor. Utilizava o teste, que anulava uma avaliação “alinhada” com a aprendizagem. A passagem do tempo e o exemplo dos colegas asseguravam a sedimentação do isolamento, do improviso e do primado da racionalidade instrumental. 

Estão decorridas duas décadas sobre os “Encontros de Sábado”, um tempo em que a formação ganhou novos contornos. Bem hajam aqueles que neles participaram!  Bem-vindos aqueles que, hoje, nesses educadores se inspiram.

 

Por: José Pacheco

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