Zambujeira do Mar, 2 de julho de 2042
Volto a falar-vos de pedagogos, cuja memória foi violentada. Desta vez, em referência a uma mulher. Nos idos de vinte, quando se listava nomes de eminentes pedagogos (numa profissão eminentemente feminina), apenas Maria Montessori e Emília Ferrero surgiam ao lado de dezenas de masculinos nomes. Mas, foi um homem, o Drummond, quem sobre a Helena Antipoff escreveu:
“Russa mais mineira não há, na assimilação plena de valores e características da gente mineira, em harmonia com o fundo eslavo que se abre para o sentimento do mundo sem distinguir limitações convencionais, e quer abarcar no mesmo amor todos os seres carentes de proteção e compreensão.
Belo e perfeito retrato de quem soube exercer o seu múnus profissional com razão e sensibilidade. Toda a sua vida foi dedicada ao aprofundamento dos saberes da psicologia, que soube harmonizar com os saberes da cultura popular, numa vida comprometida com a convivência democrática, que tardava a entrar nas escolas. Falar de democracia era mera retórica
O “país do futuro” submetia-se a uma modernização tardia, numa sociedade da informação caraterizada pela solidão e pelo individualismo. As escolas enfeitavam-se de novas tecnologias, sem que fosse afetado o modelo de ensino obsoleto, que denodadamente, Helena combateu. As propostas pedagógicas elaboradas no decurso do século XX jamais foram vertidas em práticas efetivas. As escolas das cidades mineiras onde Helena viveu ignoravam os seus contributos e até a sua existência. Pouca serventia teve a sua preocupação com a exclusão social e a sua crença nas virtudes da psicologia na democratização da sociedade brasileira.
Não se pense que fui ou sou pessimista. Tento sempre ver o “copo meio cheio”. Por isso, vos digo que, tendo eu vivido três anos em terras de Minas Gerais, esse tempo foi suficiente para, no chão de escolas, encontrar educadores partilhando os ideais da Helena. Dirão que são poucos, mas eu direi que são os imprescindíveis, pois buscam contemplar o direito de todos à educação, como a Helena propunha que se fizesse, no espírito da escolanovismo e do seu mestre Claparède: a “escola sob medida”.
A sua confiança na contribuição da ciência para a educação de crianças consideradas especiais esteve na origem da fundação da Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte, obra de uma comunidade de médicos, educadores e religiosos. Isso mesmo! De uma comunidade se tratava, unida pelo sonho de a inclusão não ser miragem e de que se passasse do sonho à sua concretização. Surpreende a maturidade desse projeto, a consciência de que a educação é ato político e de que a inclusão é exercício de direitos humanos!
Na comunidade científica, que a Helena ajudou a criar, na década de 1930, acontecia inovação, enquanto, nos idos de vinte, certas propostas de comunidade de aprendizagem incorressem na cedência a práticas tradicionais. Estabeleciam, por exemplo, que todos os alunos conseguissem “realizar a atividade e compreender os conteúdos trabalhados em um tempo determinado”, um tempo determinado igual para todos. Porquê o padrão único de tempo? Estariam a falar de aprendizagem, ou de ensinagem?
A catástrofe anunciada pelo aumento de quatro graus na temperatura da Terra era mais uma prova da inutilidade do instrucionismo. Não era somente a velha escola que continuava em crise, era a vida que estava por um fio. Propostas pedagógicas elaboradas no decurso do século XX continuavam no limbo das teses, legitimando práticas incoerentes. E eu chegava a ter vergonha da minha mania de tentar ser coerente.
Por: José Pacheco