Marina da Glória, 24 de novembro de 2043
Voltava do Rio com uma estranha sensação de “dejá vú” e, num cantinho da Internet, me aguardava um textinho do amigo Matias com o título “O supermercado, a escola e a guerra civil”.
“Para evitar o desespero e criar novos entusiasmos, para libertar as iniciativas e suscitar a criatividade, acreditamos que é hoje mais razoável decidir mudar de viatura do que esgotarmo-nos a consertar um motor definitivamente desconsertado.
A escola transformou-se num supermercado onde os adultos distribuem conhecimentos que apenas servem para ter sucesso na escola.”
Esta é a tese de Philippe Meirieu e de George Marc, desenvolvida na obra “L’école ou la guerre civile”. Segundo os autores, as escolas são hoje máquinas, que tanto integram como excluem, e os professores que escolhem a profissão não têm condições para responder positivamente à imensidão de pedidos e mandatos sociais, trabalhando no mesmo modelo (no mesmo molde) escolar.
Para evitar o stress e a depressão profissionais, a fuga da escola e o
desinvestimento na profissão, parece urgente construir um novo sentido para a escola (sustentam os autores que o principal problema da escola é o seu projeto educativo e não a carência de meios), experimentar novas formas de organizar os saberes, de distribuir os tempos e ocupar os espaços escolares,
desmistificar a “excelência” dos exames, instituir novas modalidades de trabalho docente, de aprender e praticar a democracia deliberativa que promova e consagre os direitos das pessoas (cada vez mais ameaçadas pelas novas exclusões sociais).
Trata-se, ao fim e ao cabo, de mudar de viatura porque esta está já, irremediavelmente, gasta. De mudar de paradigma porque este já nem sequer serve a ordem taylorista para que foi criado.
E só os professores – esses seres frágeis e excecionais, como tenho vindo a escrever – podem protagonizar estas mudanças. Mas para isso é preciso um projeto político forte que os envolva e mobilize. O que, desde há muitos anos, não tem vindo a acontecer.
O José Matias escrevera esse texto em 2011. E já estávamos no novembro de 2023. Durante uma dúzia de anos, os seus colegas universitários repetiram esse jargão, na génese de leis e de pareceres, sem que nada tenha mudado. Durante cinquenta anos – refiro-me ao tempo entre a dita Revolução dos Cravos e o ano de 2023 – palestrantes tinham repetido a mesma lengalenga, nos palcos dos congressos. Milhares de cursos ministrados por competentes formadores não tinham logrado mudança, muito menos inovação. Esta só surgia nos slogans publicitários e em teses guardadas nos arquivos das universidades.
Sempre que ouvia falar de escolas “inovadoras”, de imediato, ia á sua procura. De inovação nada tinham. Não apontavam “um novo sentido para a escola”, nem nelas se experimentava” novas formas de organizar os saberes, de distribuir os tempos e ocupar os espaços escolares, desmistificar a “excelência” dos exames, instituir novas modalidades de trabalho docente, de aprender e praticar a democracia deliberativa”.
Como dizia o amigo José Matias, tratava-se, afinal, de “mudar de viatura”, porque aquela estava, irremediavelmente, gasta, de “mudar de paradigma”, porque aquele que vigorava nas escolas já nem sequer servia a ordem taylorista para que fora criado.
Talvez não por acaso, quando regressava da Marina da Glória, o amigo António, que andava observando práticas e tomando notas no chão de escolas, me ligou. Combinamos encontrar-nos na minha mátria brasileira, para repensar a Escola e tentar encontrar modos de “mudar de viatura”.
Por: José Pacheco