Mira-Sintra, 10 de junho de 2042
Enquanto Diretora-Geral da Educação Básica, a minha amiga Teresa fez parte da comitiva do Presidente da República, quando este visitou a Escola da Ponte. Mas fugiu dos lugares de honra, escapou dos holofotes da imprensa:
“Fui-me deixando ficar discretamente para trás, pois sempre detestei os atropelos deste tipo de visitas em que as pessoas se acotovelam para ficar junto dos ilustres e, consequentemente, na mira dos jornalistas, prestando bem pouca atenção ao contexto.
Remeti-me, pois, a um lugar discreto e visitei a escola contra a corrente, isto é, procurando os espaços menos invadidos pela horda de acompanhantes e onde poderia escutar aquilo que a escola e os seus habitantes tinham para me dizer.”
A Teresa não buscava respostas. Apenas pretendia confirmar com perguntas aquilo que acreditava a Ponte fosse.
No “Memorial do Convento “, Saramago escreveu: “Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas”. Armada de perguntas, a Teresa deambulou pela escola, atenta aos mínimos pormenores.
“Num dos espaços destinados aos computadores, duas crianças, inteiramente autónomas, de idades diversificadas, entreajudam-se no desenvolvimento da pesquisa que estavam a efetuar e que se prendia com aspectos ligados à indústria local — meninos de olhar vivaço, camisolas estampadas de feira e mãos ágeis nos computadores.
Num dos pisos de área aberta três professoras, que entendi desenvolverem funções previamente combinadas entre si, iam acompanhando as crianças que circulavam no espaço, individualmente ou em grupos, de acordo com as suas necessidades e o tipo de trabalho que desenvolviam; as professoras eram suporte provocador, andaime sólido, guia atento — mulheres comuns de meia idade, postura serena e discreta.
Instada por mim a pronunciar-se sobre o seu trabalho, uma das professoras afirma: «Este é um trabalho que não se realiza apenas das nove da manhã às três da tarde; é um trabalho que não pode ter horários rígidos, que nos envolve por completo. Mas… sabe? Eu não quero outra coisa! Estou aqui há mais de 10 anos e sou uma professora feliz!»
Desço para a sala polivalente onde se tinha iniciado a assembleia de escola. Desta vez não sou discreta e furo a multidão para poder ver a assembleia. Vantagem de ser pequena: fico quase atrás do Senhor Presidente que já estava a ser interpelado de forma assertiva por um rapazinho que não teria mais de 8-9 anos e que lhe falou de algumas das necessidades da escola.
Uma menina completa a exposição do colega com exemplos práticos e incisivos. Se a memória não me falha, tratava-se da necessidade urgente de construir um campo de jogos aberto a crianças e famílias.
Jorge Sampaio não resiste em agarrar no microfone e conversa com as crianças e os pais, dispostos ao fundo da sala. Depois de interpelar as entidades responsáveis da administração e da autarquia no sentido de apoiar o desejo formulado pelas crianças, fala de cidadania, de participação, de tomada de responsabilidades em mãos, do poder que nos assiste de poder melhorar a escola e mudar a sociedade. Mesmo quando se tem apenas 5 ou 10 anos de idade.
Estas pinceladas etnográficas são modestas memórias de quem andou contra a corrente pela Escola da Ponte, quiçá à procura de um sentido para as suas próprias perplexidades de burocrata.
Aquela escola era uma lição de prática teorizada, de uma prática viva. Era uma escola formadora que, encontrada uma legislação (ou a sua aplicação) sensível e enquadradora, poderia potenciar a sua experiência de modo a induzir e multiplicar a inovação.
Por: José Pacheco