Vassouras, 3 de janeiro de 2042
Queridos netos,
No dealbar da “Idade da Educação”, o vosso avô desgastava-se em constantes viagens e reuniões. Despendi o mês de fevereiro de vinte e dois numa sucessão de encontros e desencontros. No dialogar com a Magda, a Paula, com outros secretários de educação, gestores e professores, tentava não-desesperançar. Ganhava novo alento, quando recebia mensagens como o amargo e, também, esperançoso e-mail da Bruna:
“Olá, caro amigo, como vai?
Começamos, hoje, mais um ano letivo. A expectativa, como sempre, é das melhores: novas possibilidades, novos alunos, novas relações, um novo tempo para aprender e para viver juntos. No entanto, logo na primeira reunião administrativa realizada com as gestoras da escola, somos surpreendidos com uma votação estranha. Confesso que momentos democráticos são muito apreciados por mim, ainda mais sendo tão raros como são na instituição em que trabalho. Mas, nesse caso e pelo objetivo da votação, fiquei muito triste e até mesmo surpresa com o resultado.
As gestoras colocaram em pauta a execução de planejamentos de aula idênticos para todas as turmas de mesmo ano. Ou seja, todos os primeiros, segundos, terceiros, quartos e quintos anos, como também a educação infantil, deverão aplicar atividades iguais para os tantos diferentes alunos.
A justificativa para essa decisão é, segundo elas, que se trata da mesma escola, na qual os alunos devem receber as mesmas atividades, que os pais comparam planejamentos quando são diferentes e que, além disso, fica mais fácil para os professores, ficando menos atarefados, dividindo as atividades a serem planejadas, um planejando para a turma do outro (a qual nem conhece) sequências didáticas sem fim e sem sentido.
O que mais me surpreende é que do grupo de mais de 40 professores, apenas eu e mais uma professora votamos contrárias a essa prática, defendendo a observação dos interesses das crianças, seus desejos e suas histórias de vida.
Parece uma história do século passado. Infelizmente é de 2022. O sentimento que me toma é a tristeza. Como podem educadores optarem por uma prática reprodutiva e sem nenhum sentido, que se distancia tanto da ciência da educação? Como podem educadores optarem por ações tão contraditórias aos documentos e à legislação educacional? Sinceramente, acho que morri mais um pouquinho, hoje. Mas logo ressuscito, novamente, assim que me encontrar com as crianças e ouvir tudo o que elas têm para me contar.
Outra coisa que me entristece é que o motivo dessa votação é evidente. Pretendem que, de uma vez por todas, eu deixe de insistir em aprender com os meus alunos, de planejar com eles e fazer pesquisa a partir do que eles se interessam. Impõem que passe a aplicar planejamentos iguais. Afinal, a maioria assim decidiu.
É uma luta dolorida escapar da reprodução, reprodução e reprodução… Esses últimos anos têm sido um desgaste tão grande, que quase meus sonhos escorrem pelas mãos. O tempo gasto, batendo de frente com práticas arcaicas, demonstrações de autoritarismo, ouvindo ofensas contra as crianças e professores, poderia mudar vidas, se fosse utilizado para discussões pedagógicas, científicas coletivas.
Concretizar a Lei de Bases, como você bem citou na entrevista publicada no DN do dia 23/01/22, está cada vez mais distante da minha realidade. Enquanto isso, continuamos driblando o poder, sempre com esperança.
Muito obrigada, por compartilhar seus pensamentos, suas ideias e inquietudes de forma tão corajosa. E, além disso, por nos dar o privilégio da escuta.
Um abraço!
Professora Bruna.
Por: José Pacheco