Portela do Fojo, 25 de fevereiro de 2042
Como, ontem, vos disse, a última semana de fevereiro de há vinte anos ficou marcada pelo início de um amplo movimento de renovação pedagógica. Após dezenas de anos de incúria e sucateamento da escola pública, urgia defendê-la, libertá-la de obsoletos atavismos. A escola pública deveria ser um serviço público, gratuito – uma gratuidade decorrente da cobrança de impostos – e ter caráter universal. Para se manter fiel à sua origem, deveria ser geradora de igualdade de oportunidades e legar valores como a liberdade, igualdade e fraternidade.
O estado impunha padrões de educação idênticos para a dita “escola pública” e para a particular. Embora dispusesse de maior margem de autonomia, as escolas privadas respeitavam regras comuns à “escola pública”. Não era gratuita, visava fins lucrativos e era considerada veículo transmissor de valores religiosos, militares, elitistas, entre outros. Efetivamente, a quase totalidade das escolas ditas privadas correspondiam a esse perfil. Mas havia excepções.
Por que insisto em colocar aspas na expressão “escola pública”? Porque a maioria das escolas ditas “públicas” desse tempo não eram escolas públicas, na verdadeira acepção da palavra, pois negavam o direito à educação a milhões de seres humanos. Perante ambiguidades e contradições, operamos uma redefinição do conceito de Escola Pública – Seria aquela que a todos assegurasse o direito a uma boa educação, que educasse segundo uma nova e humanizadora visão de mundo, independentemente de ter origem estatal ou privada.
Nesse sentido, a maioria das escolas ditas “públicas” não eram públicas. E, nesse tempo, havia escolas ditas particulares que eram… públicas. Entre ela, a Escola Aberta, gratuita, filantropicamente sustentada pelo maravilhoso ser humano Arturo Lazarte. E a Open Learning, iniciativa de um pai preocupado com a educação dos seus filhos. Eram escolas de excelência acadêmica e inclusão social, que viriam a conferir projeção internacional a projetos verdadeiramente inovadores.
Nesse fevereiro, descobri outras escolas particulares realmente públicas, de que vos falarei em outra cartinha. E acompanhei secretarias de educação compostas de educadores éticos, que abriram caminhos para uma indispensável revisão normativa.
A regulamentação da lei engendrada por um sistema educacional hierárquico, autoritário, intelectual e moralmente corrupto, estava fundado no paradigma da instrução, não servia propósitos de mudança. Se pretendíamos operar inovação pedagógica, seria necessário, indispensável operar inovação normativa.
As portarias e resoluções criaram grupos de trabalho, aos quais foram atribuídas competências como: “viabilizar a infraestrutura adequada à implantação de comunidades de aprendizagem; elaborar proposta de diretrizes de política pública e validar indicadores de melhoria da qualidade da educação; propor e acompanhar ações de formação; elaborar e adequar normativos para concepção e prática de novas construções sociais de aprendizagem e de educação”.
A saga iria culminar no 26 de outubro de há vinte anos. Nessa data, Darcy Ribeiro completaria cem anos de idade. No Darcy político convergiam contribuições de Freire, Nilde, Anísio, Nise, Lauro, Cecília, Milton, Amanda, Florestan, Agostinho…
Condignamente, celebramos esses mestres, mas fomos além de celebrar um centenário. A mudança não aconteceria por via de teses feitas de teoricismo estéril, nem nos palcos dos congressos, mas praticando Darcy no chão das escolas.
Por: José Pacheco