Caraíva, 15 de outubro de 2043
Voluntariamente, “exilado” nas terras do Sul, acolhido na mátria brasileira, ainda envolvido em pedagógicos afazeres, naquela viagem aportei à Bahia. Por lá, encontrei uma empreendedora Luiza e pataxós reivindicando dignidade e espaço vital de sobrevivência. Em Trancoso, reencontrei o amigo Álvaro. Trocamos novidades, falamos de Krishnamurti, recordamos velhas andanças. Amigos da Coqueiral chegaram de Caraíva. A Caina, a Ilana, a Fada Flora e outras amigas e amigos (nunca consegui dizer “amigues”…) se juntaram a educadores provindos de muitas paragens.
Nessa manhã, voltaríamos a falar de educação regenerativa, de educação integral, de educação humanizada, de… Educação. Parecia ter chegado o momento propício à concretização de projetos-sonhos de décadas. E, enquanto a Flora interpelava o papai sobre os mistérios da vida e a Vovó Ludi saboreava a vida, preocupada com a vida da sua neta, o canto de um sabiá acompanhou a escrita deste textinho (que achei num velho computador):
“E eis que chegou mais um “Dia do Professor”! A história de vida de um professor pode ser contada num minuto. Assim…
Quando decidi ser professor, eu sabia tudo, ou quase tudo, de eletrotecnia, mas não sabia ser professor. Eu só sabia “dar aula”. Finda a crise moral, que me assaltou – porque eu “dava aulas” magistrais, bem planificadas, e havia quem não aprendesse – adquirira consciência de que já conseguia ensinar mais de metade dos alunos, mas havia outros que não aprendiam.
Quando sobreveio a segunda crise – a crise ética – eu pensava ter reinventado a roda da educação: o aluno já estava no centro do processo de aprendizagem. Foi então que o vosso avô compreendeu que havia produzido paliativos pedagógicos, na intenção de pretender melhorar o “sistema”. Para trás ficara um cemitério de projetos. E, com centro no professor, ou com centro no aluno, o direito à educação continuava a ser negado a muitos seres humanos.
A educação dos idos de vnte e três sobrevivia imersa numa crise centenária estatisticamente demonstrada, traduzida no pessimismo e no conformismo manifestados pela maioria dos professores.
A comunicação social estava enxameada de referências a “práticas inovadoras”. Eis senão quando, me convidam para um evento anunciado como “revolucionário”. Nele seriam apresentados projetos chamados de “novo tipo”. Tratava-se, mais uma vez, da fútil polêmica em torno do “ensino médio” dos idos de vinte e três, com um discurso semeado de abstrações sem caução de práticas. Recupero um naco de prosa contido no manifesto pela sua revogação:
“A parte diversificada do currículo tem o objetivo de preparar para o mundo do trabalho. Ocorre que, para a maioria das profissões, é necessário fazer estágio, cursar determinados conteúdos, além de outras regulações profissionais. Nada disso é proposto na reforma. Como a quantidade de aulas de suas matérias foi reduzida, os professores pegam muito mais turmas para completar a jornada, aumentando enormemente seu cansaço, tornando inviável conhecer seus alunos.”
À semelhança de outros papeis, que encontrei no baú das velharias, este textinho reflete uma visão tacanha do que fosse currículo, que não contemplava a dimensão da subjetividade e do projeto de vida dos jovens. Nesse tempo, a “preparação para o trabalho” era objeto de “preparo” em sala de aula para profissões que, decorridos dez anos, não existiriam. E os jovens eram compelidos a serem designers de si próprios, de aprender a se adaptar a múltiplos ofícios, algo que a escola da sala de aula não propiciava. Enfim!
Por: José Pacheco