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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXVI)

Ipê, 4 de agosto de 2043

Para que não digais que só vos falo de desaires e queixumes, vos ofereço alguns excertos de boas-novas, recebidas nos idos de vinte.

A “profecia” de Agostinho dos anos sessenta tomava forma concreta. Se o Portugal quinhentista havia desembarcado na África, na Ásia e na América, era chegada a vez de Portugal desembarcar em… Portugal. 

A Escola Aberta de São Paulo abria as portas, para acolher educadores sedentos de novas e humanizadoras práticas. A Marta e a Rute foram as primeiras professoras que atravessaram o oceano, para participar de “vivências” numa das escolas de referência de uma nova construção social. Outras “travessias” se seguiriam. 

“Muito bom dia professor! Escrevo-lhe para confirmar que, nos dias 21, 22 e 23 de agosto, estarei na Escola Aberta de São Paulo. Esta oportunidade vem renovar a esperança de voltar a acreditar que é possível fazer evoluir uma comunidade para valores genuínos, de respeito mútuo, aquela que é a base da co-construção de cada projeto de vida, que pela escola/comunidade se cruza.

É muito importante para mim renovar esta esperança, sobretudo porque a maternidade me trouxe não só essa urgência, mas também uma maior consciência do que quero oferecer ao meu filho e, se possível, aos que se cruzam com ele, comigo (connosco), neste lindo caminho que é a vida. 

Um abraço, até breve, Marta.”

“Bom dia, professor! Sou a Rute, professora viva de São João da Madeira. Hoje, terei reunião com a diretora Helena e o representante do centro de formação, o Daniel. A reunião será às 11h, se surgir alguma dúvida no momento, posso contactá-lo?

Professor obrigada por tudo. A turma-piloto segue, já hoje, para a aprovação. Como eu já não tinha dúvidas, fui respondendo a tudo sem problema e com a ajuda do Daniel. A primeira pergunta que a diretora me colocou foi se eu tinha a certeza. Eu respondi que não só tenho a certeza, como estou à espera disto, há anos!”

“Boa tarde, querido professor! Como está? Só para lhe dizer que a nossa turma piloto foi aprovada na escola de Fundo de Vila. 

Próximo passo? Constituição do Núcleo de Projeto. Desenhar a Lista de Valores e uma proposta de termo de autonomia. Não tenho parado de ler, professor. Mas, o mais importante será trabalhar com o coração.”

Voltando a Portugal, estas educadoras operaram profundas transformações nas suas práticas, e não estavam sós. Nas duas margens do Atlântico, centenas de educadores se lhe seguiram o exemplo. Diretores apoiavam iniciativas. Os projetos das escolas eram analisados pelos núcleos de projeto. Eram elaboradas matrizes axiológicas. Cartas de Princípios definiam o rumo dos projetos que assegurariam coerência escrita e prática. Contratos e termos de autonomia eram enviados para a administração educacional, acompanhados de propostas de diálogo. Planos de inovação eram esboçados. 

E, porque Freire dissera que criar o que não existia deveria ser a pretensão de todo sujeito que estivesse vivo, famílias procuravam nas escolas professores que ainda não tivessem morrido. Na génese das comunidades, se deveria priorizar a necessidade da transformação do professor-objeto de formação em professor-sujeito, no contexto de uma equipe de projeto. Uma formação de novo tipo teria início no décimo segundo dia de agosto. 

O empreendimento era grande demais para ser assegurado por uma pequena equipe. Na semana que antecedeu o primeiro encontro virtual de formação, foram criadas as primeiras “assembleias de redes de comunidades de aprendizagem” (ARCA), em regiões onde já havia “projetos de referência”, como o da Escola Aberta. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXV)

Viradouro, 3 de agosto de 2043

Num agosto dos idos de vinte, ao lado da Priscila, participei num auspicioso encontro e, durante alguns anos, ajudei devotados trabalhadores da educação a colocar alicerces no sonho de um prefeito. Mogi tinha condições de vir a ser um potencial locus de inovação. Com a ajuda da Tina, a Bia e a Noeli assumiam uma exigente coerência praxeológica, não confundindo mudança educacional com modismos importados da Finlândia. Só faltava assegurar continuidade, efetivas mudanças.

“Só o que está morto não muda!” – dissera a Clarice – e o que estava morto deveria ser enterrado. Na cartinha de anteontem, vos falei dos primeiros tempos do projeto “Fazer a Ponte”, tempo de ousadia e resiliência. tempo de desobediência civil. Hoje, vos trarei notícia do início do fim desse tempo opróbrio, feito de obsoletas práticas, que não resistiam ao ímpeto de sete perguntas: 

Por que aprendemos? O que precisamos aprender? Quando aprendemos? Onde aprendemos? Com o quê e com quem aprendemos? Como aprendemos? Como sabemos que aprendemos? 

Em simultâneo com a leitura crítica dos projetos das escolas, esse arrolamento de questões essenciais foi uma das primeiras tarefas dos processos de mudança conducentes à inovação, à conceção da nova construção social de aprendizagem, inúmeras vezes teorizadas e jamais experienciadas. 

Estávamos no agosto de vinte e três. À medida que iam sendo dadas respostas práticas a tais perguntas, logo defrontávamos sete obstáculos.

O primeiro obstáculo à mudança seria eu, se não modificar a minha cultura profissional.

O segundo obstáculo se configurava nas famílias e numa sociedade doente, que “achava que a escola deveria ser como sempre foi” ignorando que nem sempre fora assim.

O terceiro consistia na reação dos alunos, sobretudo universitários viciados em práticas de sala de aula, apenas desejosos de obter um diploma.

O quarto obstáculo decorria da formação inicial e continuada, que teoricamente propunha mudança, mas reproduzia um modelo educacional herdado da primeira revolução industrial.

Lideranças tóxicas que, da administração à direção das escolas, engendravam normativos de cariz técnico-instrumental, se constituíam num quinto obstáculo.

As nefastas intervenções dos áulicos, “especialistas e doutores em educação” saídos das catacumbas da educação do século XIX, eram o sexto obstáculo.

O sétimo era aquele que eu considerava mais doloroso de aceitar – o maior aliado de um professor era outro professor, e o maior inimigo do professor que ousava fazer algo diferente era… outro professor.

Eram sete as perguntas, sete eram os obstáculos e sete os modos de os ultrapassar. Bastaria invocar os pilares da educação da UNESCO e juntar-lhe mais três. Deveríamos reaprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. Também, a desobedecer, a fundamentar e a desaparecer. Sabíamos que a solidariedade deveria andar a par com o desprendimento, com o dom do desapego. 

Situações vis, vividas em lugares onde uma nova educação acontecia foram a gota de água que faltava para fazer transbordar um copo meio-cheio. É, netos queridos, o vosso avô ainda hoje se refugia em aquosas metáforas, para não dizer da indignação sentida, quando recorda perdas e danos.

Respeitando a atitude conservadora daqueles professores que não queriam mudar, valendo-se da intuição e da amorosidade, não fazendo das crianças cobaias de laboratório, houve quem fizesse jus à memória de Freire. Mas, em muitos lugares, as mazelas do “sistema” deram origem a cemitérios de projetos.

Como ultrapassaríamos os obstáculos?

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXIV)

Rio do Ouro, 2 de agosto de 2043

Entre agosto e setembro de vinte e três, muitas mensagens, manifestações de cansaço chegaram à minha caixa do correio. Não as guardei no baú das velharias, mas num velho computador. Dele extraio estes apelos.

“Meu nome é Liria. Sou de Teresópolis e trabalho num espaço criativo. Me sinto só, buscando parcerias. Criar um grupo de conversas e convidar pessoas seria um bom caminho?” 

“Sou a Mariana. Faço minha pesquisa de doutorado na Escola Municipal Polo de Educação Integrada, o POEINT, que o senhor conhece e ajudou a construir com as bases pedagógicas alicerçadas na Escola da Ponte. 

Trabalho em outras duas escolas públicas, há 15 anos, estou sozinha, buscando novos caminhos. Confesso que estou um pouco cansada, pois, o Sistema insiste num modelo falido há anos. 

Preciso de ajuda para realizar uma transformação de fato. Ou sou eu que preciso sair do sistema, para que eu possa sobreviver? Não sei se foi bem uma pergunta, mas talvez um grito de socorro.”

Fui a Portugal, correspondendo a convites de amigos. Encontrei uma sociedade exausta de reformismos. Deparei com vidas plastificadas e apressadas, com escolas possuídas por uma angústia pandémica. Reencontrei professores doentes da mesma solidão de antanho. 

“Na escola pública em Portugal não há comunidade, não há autonomia e não há relação. Quando aparece alguém a fazer diferente, é “chacinado”.

“Infelizmente, há poucos professores felizes. Como fazer crianças felizes?”

A norte, revisitei uma Ponte sobre águas turbulentas e agarrei a “segunda oportunidade” da Daniela. No Minho, ajudei dedicadas mães exigindo para os seus filhos uma escola do século XXI. 

Onde suspeitava encontrar só desalento, uma nova geração de educadores despontava, uma utopia se concretizava, uma nova educação surgia. O afã de diretores de agrupamento e de professores marcava um auspicioso recomeço. Não resisti a tão tentador convite. Reuni energias dispersas. E num derradeiro fôlego, me deixei atrair por novos e retomados projetos. 

Voltando ao Brasil, nos encontros de Instagram, em catadupa, surgiam perguntas de sempre.

“Somos um espaço pedagógico e recreativo que atua, também, com Acompanhamento Escolar (Reforço). Entendo que tanto o termo quanto o sentido de “Reforço” é inapropriado (para não dizer outra palavra). O fato é que noto que a comunidade tem muito essa necessidade de que alguém ajude os filhos com as inúmeras ‘tarefas de casa’ passadas pela escola. 

Como atender esse anseio das famílias em ajudar nas tarefas de casa, estudo para prova, trabalhos escolares e, ao mesmo tempo, trabalhar novas construções de aprendizagem com as crianças e adolescentes?”

“Faço serviço voluntário, há muitos anos. Realizo trabalho junto a pessoas em situação de rua e em comunidades terapêuticas para recuperação da dependência química. Fala-se muito em insegurança alimentar, mas como não tê-la presente em lares onde muitas vezes está presente o abuso de drogas e por consequência a violência? 

Como fazer a ” Educação” chegar nestes locais?” 

A resposta sempre foi uma só: pela Educação. Não aquela que, com aspas, era praticada na Família, na Sociedade e na Escola, mas uma nova Educação para um novo tempo, uma nova construção social de Educação.  

Ao longo de meio século, tinham sido muitos os ciclos de euforia a que se sucederam ciclos de frustração. Por isso, recomendava a pais conscientes dos seus direitos que fossem à escola mais próxima e procurassem professores que ainda não tivessem morrido. – Muitos resistentes ainda havia! –  E que lhes estendessem uma mão amiga. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXIII)

Algures, no dia 1 de agosto de 2043

Nos idos de vinte e três, os jovens da fotografia, que junto a esta cartinha, tinham entre 58 e 62 anos de idade. Alguns já eram avós. Três deles já tinham falecido. Era doloroso ver partir um aluno, quase como “arrumar o quarto do filho que já morrera”.

Muita água passou em volta da Terra-de-Entre-Águas (o significado do nome da terra onde a Ponte aconteceu). Há muito tempo já, o vosso avô tomara uma decisão ética irreversível. O tempo de, quixotescamente, pelejar contra ventos e marés cessara. 

Neste ano da graça de quarenta e três, é chegado o tempo de fazer a memória de outro tempo, o dos últimos vinte anos. 

Naquele tempo, tomando consciência da inutilidade do confronto com um monstro de sete cabeças (o “sistema”), decidi recomeçar como começara, na Ponte dos idos de setenta, quando ousei desobedecer a autoritárias ordens e escapar às armadilhas da sorte, logrando estabelecer práticas do paradigma da aprendizagem. pela primeira vez na história da educação o escolanovismo passava da teoria para uma práxis, na qual o aluno assumiu autonomia, passou de objeto a sujeito de aprendizagem.

Quando me emancipei da solidão da sala de aula, a senhora diretora me ordenava que para lá voltasse. Gritava que não permitiria “falta de respeito pelas autoridades” 

Eu recomendava-lhe calma, dizia-lhe que só estava a cumprir a lei e a atender a recomendações de Montessori, de Dewey, da Elise, do Celestin Freinet.

“Não sei quem são esses seus amigos estrangeiros, mas sempre lhe digo que anda com más companhias” (sic)

Aquela diretora “dadora de aula” ignorava a existência e a obra desses e de outros insignes pedagogos. E, sempre que eu quis saber por que me ordenava que voltasse para a sala de aula, ela nada respondia. Ameaçava de fazer queixa ao delegado escolar.

O delegado era boa pessoa, com gentileza me pedia que “acatasse as ordens da senhora diretora”.

Agradecia o conselho, mas não “acatava”.

E lá vinham os inspetores do ministério ameaçar-me com suspensão e até exoneração, acaso eu insistisse em desobedecer aos superiores hierárquicos.

A minha costelinha taurina deixava-os a falar sozinhos. e, serena e resolutamente, aguardava o início dos processos disciplinares.

Havia lido Thoreau:

“Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes alicerces.”

E agia como Gandhi agira e recomendara. 

Na Índia da primeira metade do século XX, reagira às injustiças perpetradas pelo Império Britânico. monopólio britânico proibia os hindus de produzir o seu próprio sal e Gandhi decidiu desobedecer às “Leis do Sal”. 

Quando o colonizador ameaçou com represálias, Gandhi informou o vice-rei de que iniciaria uma desobediência civil em massa. E levou os indianos a desafiar o imposto salino cobrado pelos ingleses.  A “Marcha do Sal” foi uma das iniciativas não-violentas, que contribuíram para libertar a Índia do colonialismo britânico. 

Em 76, eu lera a crítica do instrucionismo feita pela Clarice, quase numa espécie de autocrítica: 

Quando penso que eu dava aulas de matemática e português a ginasianos, mal acredito. Porque hoje seria incapaz de resolver uma raíz quadrada. Quanto a português, era com o maior tédio que eu dava regras de gramática. Depois, felizmente, vim a esquecê-las. É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente”.

Há setenta anos, colocamos na entrada da Escola da Ponte um cartaz com versos atribuídos à Clarice:

“Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.

Só o que está morto não muda!”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXII)

Engenho do Mato, 31 de julho de 2043

Uma professora universitária divulgava dados de pesquisa recente: “sessenta por cento dos municípios não cumpriam a lei antirracista, que  estava no papel há vinte anos”. Referia-se aos direitos dos negros, que, no dizer da pesquisadora, “não faziam parte da prática quotidiana das escolas, porque só havia dois tipos de escola”: as escolas que cumpriam as leis e as escolas que não cumpriam as leis”.

Foi, exatamente, aquilo que ela disse, num congresso a que assisti. Denunciava a discriminação, a exclusão dos negros. Esquecia a dos brancos quase negros, a dos negros quase brancos, a dos brancos, a de todas as cores. Eram raras as “escolas “arco-íris” cumpridoras da lei. 

A senhora findou o discurso dizendo ser necessária uma “virada epistemológica”. Tinha razão. Só não sabia que essa “virada” já tinha começado. E, por habitar o “sétimo céu” da teorização, por quase nada saber da prática pesquisada, se quedou pelo discurso. 

E eis que, no mesmo dia, acolho queixas de jovens almas censuradas. Do chão da escola, vinha a voz de uma resistente:

“Boa noite, professor! Vou te contar uma historinha de uma cidade “desconhecida”. A gestão da cidade está preocupada, pois estamos no ano de SARESP + SAEB + IDEB = $$$.

O paradigma da aprendizagem e o da comunicação chegou há menos de dois anos nesta cidade e, em respeito a Anísio Teixeira, o pai da escola pública, alguns professores vivos se recusaram a praticar a educação bancária e adestrar os alunos para passar em provas ineficientes, que só testam a decoreba de conteúdo depositado.

Por conta das provas externas ($$$), mais uma vez os professores vivos receberam ameaças nada veladas de encerramento dos seus projetos. Muitos municípios devem estar preocupados ($$$) com as notas que medem a decoreba das crianças. 

Aproxima-se um ano de sofrimento para os aprendizes e para os professores.”

Outras mensagens eram lenitivo para a descrença e para evitar do sofrimento:

“Que momento especial de partilha que tivemos ontem ❤️ (assim mesmo, com um coraçãozinho a acompanhar). Foi nítido ver união e respeito entre todos nós.

Segue um breve resumo de algumas reflexões, que deram lugar a nossa árvore de valores: a diversidade está presente, tanto no pessoal, quanto no cultural, respeito ao outro, seja adulto ou criança; valorizar a relação com o outro, pois temos de parar de fazer pelo outro, para fazer com o outro.”

A todos os educadores que ainda resistiam, recomendei que, para cumprir a lei, exercessem desobediência civil, pacifica e decididamente, para que não lhes acontecesse o mesmo que a outros professores que, sem o saber, profissionalmente, morriam aos vinte e eram enterrados aos sessenta. 

O poeta argentino Santiago Kovadloff avisava: 

“Morrer bem é morrer a tempo. Não há pior inferno do que assistir as exéquias do próprio desejo. Ao funeral das nossas paixões. A morte é por isso… o que nos persegue diariamente. O que nos esteriliza, o que encalece a pele. A ausência de propósito, apatia, desapego aos seres… Essa é a morte que mata e não a que vem depois. Por isso, vamos implorar que a morte nos surpreenda sedentos ainda, exercendo a alegria de criar. Que nos desligue quando ainda estamos ligados.”

Há tempos, vos disse que, sempre que alguém me pedia ajuda, eu sugeria que fosse à escola mais próxima e procurasse um professor que ainda não tivesse morrido. Pedia-lhes que estivessem atentos e atentas às cartinhas do mês de agosto e que não faltassem aos encontros de sábado. O primeiro realizar-se-ia no dia 12. a diligente Zizi divulgaria o modo de participar.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXI)

Várzea das Moças, 30 de julho de 2043

Naquela tarde de um distante domingo de julho, a fraterna e alegre companhia da Valéria, da Vovó Ludi e do Mauro me fez recordar um outro julho feito de tristeza e luto. Dei por mim relendo mensagens recebidas do meu amigo Rubem. Tinham decorrido nove anos sobre o seu falecimento, mas sentia a sua inefável presença junto daqueles que mantinham viva a sua memória. E senti necessidade de lhe escrever esta carta, quase perdida no fundo do baú das velharias.

Querido amigo,

Eu já havia publicado algumas cartas, quando tu, o Manoel e o Ariano partiram. Falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram quinze anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país. 

Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não cessa o meu aprender com professores, para os quais és inspiração e que conservam na memória e nas práticas as tuas sábias palavras: 

Educar não é ensinar matemática, química, português, que essas coisas podem ser aprendidas nos livros e nos computadores. A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. A coisa mais deletéria na relação do professor com o aluno é dar a resposta.”

Poéticas e cruéis sentenças escreveste, meu amigo, porque a tua vida foi coerente com aquilo que escreveste. A tua obra – extensa, diversificada, pautada numa complexa simplicidade – suscita múltiplas leituras. Instigou-me a penetrar mais fundo em contraditórias realidades, observadas por um desarmado olhar europeu, que se surpreendia perante o ostracismo a que alguns pedagogos brasileiros eram remetidos. 

Deste-me a conhecer facetas inesperadas de um Freire, sobre cuja integração na universidade redigiste um “não-parecer”. Como ele, sofreste o exílio, no período sombrio dos governos militares, que marcou o desaparecimento das escolas vocacionais e de outros projetos, que poderiam ter alçado a educação brasileira ao nível da excelência. 

Sei que te fará feliz o saber que uma nova geração de educadores emerge, no Brasil como em Portugal, operando ruturas e não prescindindo do património que tu e outros pedagogos nos legaram. 

Valeu a pena teres vivido “na contramão da História”, aprendendo a surfar o dilúvio de lixo educacional em que a sociedade e a escola se afundaram. Valeu a pena viver a sina de “romântico-conspirador”, pois confirmaste a existência de seres (que o Brecht diria serem indispensáveis), numa carta, de que ouso transcrever um pequeno excerto: 

“O bom é sentir que a “pia conspiratio” é muito maior do que se imagina. Há milhares de irmãos e irmãs desconhecidos sonhando o mesmo sonho.“

Na tua derradeira entrevista, reiteraste a afirmação de que a educação deveria passar por profundas mudanças. Pois fica sabendo, querido amigo, eu talvez os governantes tenham, finalmente, reconhecido o dito de Mandela: 

A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

Resta saber qual é a educação que os governantes têm em mente. Resta saber se essa proclamação é um grito do Ipiranga educacional, ou um prenúncio de morte, porque o sistema já não aguenta mais promessas e paliativos. Tu, que dizias que os educadores deveriam ser esperançosos, saberás agora, que a esperança (de “esperar”) não poderá ser adiada. 

Requiescat in pace, amigo Rubem. Se o teu estatuto de pastor te conferir crédito junto do Pai, pede-Lhe misericórdia para as crianças e o perdão daqueles educadores que recusam escutar-te.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCIX)

São José do Rio Preto, 28 de julho de 2043

No regresso a São José, não fui visitar a Escola Maria Peregrina, fui “tomar chá de aeroporto”. Reencontrei outro andarilho, o amigo Alcides. Tal como eu, iria apanhar o primeiro voo desse dia. A nossa amena conversa se adensou, quando ele quis saber por que razão eu optara por viver no Brasil. 

Disse-lhe estar no Brasil por me sentir útil (ilusão?) e por não gostar de quebra-molas na estrada. Esse dispositivo me ofendia. Simbolicamente, duvidava do meu estrito cumprimento das regras de trânsito. Também, porque não concordava com o voto obrigatório. Votar era um direito, um exercício de cidadania, não deveria ser imposição

Não gostava de que os professores se atrasassem na chegada a reuniões, nem dos avisos feitos antes das palestras: “Por favor, desligue o celular”. Tentava retirar dos banheiros dísticos como “Por favor, urine dentro do vaso”. Tentava debelar os nefastos efeitos de um obsoleto modelo educacional (familiar, social e escolar). 

“Fazia a minha parte”, tentava debelar a “cultura do ódio”, que se instalara numa sociedade doente. Tentava despir-me de etnocentrismo europeu. Mas, por vezes, era difícil…

O Alcides notou rudeza na minha voz e perguntou se “estava tudo bem”.

“Não! Não estava tudo bem. Mas, algum dia, irá ficar.”

Estava de mau-humor. Na véspera desse dia, mais uma vez, cancelaram o meu voo, impedindo-me de cumprir compromissos assumidos e me obrigando a deambular por aeroportos, tentando chegar ao próximo destino. Causara preocupação num excelente secretário de educação, forçado a alterar a programação de um congresso. Entristecera a minha amiga Luciene. Enfim!

A Escola da Modernidade causara imenso dano e resistira a sucessivos abalos. No início do século XX, sofrera o impacto das teses escolanovistas. Habilmente as digeriu, confinando a Montessori, o Freinet e o Steiner no dispositivo central do sistema de ensinagem: a sala de aula. Nos idos de vinte, “centrar no aluno o processo de aprendizagem” era uma miragem. 

Na Europa, Neill se isolava no paraíso artificial de Summerhill e os professores montessorianos “davam aula” acrescentada do técnico-instrumental material montessoriano. Nos Estados Unidos, Dewey e Kilpatrick eram neutralizados. Na América do Sul, o escolanovista Anísio era assassinado. 

Em meados do século passado, a Sociologia de Bordieu e as propostas de Freire desnudaram um sistema de ensinagem reprodutor de desigualdade e fundado numa educação bancária. O sistema reagiu. Bordieu acabou inerte nos arquivos de teses das universidades. E os freireanos não-praticantes continuaram “dando aula” bancária. 

Reformas feitas de paliativos foram reformadas. Generosos militantes foram domesticados. Movimentos ditos “renovadores” deram origem à mercantilização da escola pública. Dizei-me, netos queridos, se não deveria optar por viver no Brasil.

Dez anos antes, eu estivera no primeiro congresso de Votuporanga. No evento de vinte e três, iria conversar com os professores sobre inclusão, afeto e aprendizagem, convidá-los para assumir um compromisso ético com a educação. Voltaria, para ajudar a transformar um sistema de ensino num sistema de aprendizagem, pois reconheci em Votuporanga um elevado potencial de mudança. 

Dessa vez, não começaria os encontros como, durante meio século, fizera, perguntando “o que quereis saber?” Seria, fraternalmente, “didático”. Entregaria aos meus colegas de profissão uma “gramática da mudança”, para os vinte anos seguintes. Já não andaria por cá, certamente. Mas, faria a minha parte.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCVIII)

Votuporanga, 27 de julho de 2043

Como diria o poetinha, “a vida é feita de encontros”. E nós somos feitos de um pouco de cada encontro. 

Este dia de julho de há vinte anos, um feliz encontro marcou o início de uma duradoura amizade. Fui escutar alguém que, há muito tempo já, despertara a minha curiosidade e admiração. 

Na abertura do congresso da “cidade das brisas suaves”, o Rossandro recorreu a uma citação de Jung: “Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro acorda”, para lembrar a dois mil professores que o delicado e responsável ato de ensinar é, como diria o amigo Rubem, um exercício de imortalidade.

Netos queridos, o amigo Rossandro chegou quando, também, chegava o tempo da minha discreta “retirada”. Convidei-o para conhecer projetos que eu ajudara a conceber. Combinamos uma ida a São Paulo. Preparei uma viagem a Campina Grande. Urgia o tempo de uma “passagem de testemunho”.

Há uns vinte anos bem contados, quando me dei conta de que o corpo vacilava e precisava de cuidados, deparava com uma lista de compromissos sem fim, considerados de cumprimento urgente. Por ação do Rossandro e de outros excelentes educadores, muitas escolas despertavam de uma longa letargia. E acreditavam que poderia ajudá-los. Apelos não faltavam.

“Sou um professor dos chamados “anos finais do fundamental” e, também, do ensino médio. Todos os anos, tenho, no mínimo, 10 turmas de 40 alunos cada. Somos cobrados, constantemente, por resultados (nas avaliações “estandardizadas”). 

Como realizar uma educação humanizada e atenciosa, se, às vezes, fica difícil até lembrar o nome de todos os alunos? 

O sistema educacional provoca o “fracasso” das crianças e dos jovens. Mas, também, do professor.”

Gostaria muito de trabalhar mediante projetos, a partir do interesse dos alunos. Se o senhor puder me ajudar neste sentido, agradeço imensamente!

Aguardo seu retorno, na expectativa de conseguir a liberação pelo menos para o próximo ano, porque para este, não querem me autorizar. E fiquei por um triz de não permitirem que prosseguisse com as atividades neste ano. 

Desde já agradeço sua atenção. Abraço!”

Nas próximas cartinhas, cumprirei o que já vos prometi. “Didaticamente”, vos contarei o modo e a sequência de transformações operadas. Não por mim, mas pela Tina, pelo Bruno, a Zizi, o Mauro, a Valéria, o Leo, a Edilene, a Claudia, a Luciene, o Rossandro… Uma longa lista, que aqui não cabe e que me obriga a pedir perdão àqueles que aqui não menciono. O Brasil não era pobre em bons educadores.

A primeira das redes de comunidades de aprendizagem foi concebida como resposta a um pedido recebido de uma secretaria de educação. Nesse documento, se criava “um Grupo de Trabalho para implementação de uma rede de protótipos de Comunidades de Aprendizagem em nove escolas da Rede Pública Municipal, tendo como mote a construção coletiva do projeto político pedagógico, com viés holístico, democrático e emancipador do cidadão, envolvendo a comunidade e a escola.”

Dois “grupos de trabalho” tinham sido criados, até então, um no Distrito Federal, outro em Mogi das Cruzes. Estavam, praticamente, inativos. Reanimámo-los. E o GT de Maricá foi criado.

Na primeira metade de 2023, por razões que não quero recordar, apenas conseguimos instalar algumas “turmas-piloto” em escolas da rede pública. Reatamos o projeto, em meados desse mesmo ano, juntando-lhe um protótipo de comunidade. Quase todos os tutores responsáveis por esse protótipo tiveram oportunidade de efetuar uma “vivência” na Escola Aberta de São Paulo, uma oportunidade de reelaborar a sua cultura profissional.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCVII)

Cândido Mota, 26 de julho de 2043

In Illo Tempore, era costume celebrar-se o “Dia dos Avós”. 

Estávamos no julho de vinte e três. O Arnaldo Antunes celebrava a data cantando:

“Neto e neta são netos, no masculino / Pais e mães são pais, no masculino / Filho e filha são filhos, no masculino / Avô e avó são avós.”

O avô Isaac escrevia: 

“Passar a vida sem ser avô ou avó é viver a vida sem tomar sorvete, ou sem ouvir o canto dos passarinhos”.

O avô Valdo era assim presenteado pelos netos:

“Ser avô é estar sempre comemorando, cantando, fantasiando, “engordando” e amorosando! Só alegrias e lindas histórias, para marcar as histórias da vida das Gentes!”

E eu, que não sabia poetar, que presente poderia dar à Vovó Ludi?

Poderia ajudá-la a a preparar uma escola que fizesse da sua neta um ser humano feliz, de vida plena. Como, em parte, fizera a tua, querida Alice, e a do Marcos. 

Eras perguntadeira:

“De que estórias estás a falar, avô Zé? 

Estou a falar de estórias que ficaram por contar, que desenhavam os destinos das crianças futuras, projetos (como então se dizia) de escolas de um devir luminoso. Estórias de um tempo em que as aves falavam à semelhança dos humanos seres. Mas, as pontes de entendimento iriam do mundo dos pássaros para o dos homens, ou deste para o dos pássaros? 

No tempo em que o teu avô tinha a idade que tu agora tens, um pássaro livre chamado Camus disse que as grandes ideias vêm ao mundo mansamente, como pombas. Para que nos apercebamos da sua presença, basta sermos capazes de ouvir, “no meio ao estrépito de impérios e nações, um discreto bater de asas, o suave acordar da vida e da esperança”

Um Pássaro Encantado me fez atravessar o mar e me conduziu a lugares onde o mundo retoma a forma prometida de um “novo mundo”. Foi no eco dos seus passos que encontrei um sabiá de canto suave. No país do Sabiá, foram doces as horas conversadas no afago de subtis olhares tranquilos… os de uma avó.”

Quando se alcança a provecta idade dos noventa, perde-se a noção de quão ridículo pode ser o que dizemos, ou fazemos. Por que o digo? Porque começava a suspeitar de que o “livre-arbítrio”, que eu reclamava, não passava de ilusórias tomadas de decisão, que a razão não explicava certos fenômenos.

Naquele tempo, admiti que o Shakespeare talvez tivesse razão, quando disse que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.”

Deparava com algo que a razão não explicava – e diga-se, em abono da verdade, que nem tudo, também, o Freud explicaria – e me parecia estar adentrando o mistério das coisas, deparando com o que o Jung chamava “sincronicidades”. 

Dar-vos-ei um exemplo de como nada acontecia por acaso.

Fui trabalhar na Escola da Ponte no mesmo mês em que nasceu o vosso pai. Seis anos depois, a Ponte estava pronta para o receber, apta para acolher crianças e delas fazer seres humanos sábios e felizes. E tanto pó de giz o André respirou, que o vosso pai se fez um excelente professor. 

Quando, na génese da primeira comunidade de aprendizagem, eu procurava educadores que reunissem condições de assegurar a concretização do projeto, conversei com o Evaldo, cuja personalidade se enquadrava na perfeição no espírito do empreendimento. Ao cabo de um delicioso diálogo, perguntei:

“Que idade tens?”

“Quarenta e seis anos” – respondeu.

“Por acaso, é a mesma idade do meu filho André” – retorqui – “E em que mês nasceste?”

“Eu nasci em outubro”

“Curioso! Foi no mesmo mês do nascimento do meu filho. E em que dia?

“No dia 24.”

“Que extraordinária coincidência! Já agora, qual a hora em que nasceste?”

O Evaldo havia nascido no mesmo ano, mês, dia e hora do nascimento do André.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCVI)

Gama, 25 de julho de 2043

Quando eu só sabia “dar aula”, não entendia porque seria que, as dando tão bem dadas, havia sempre alunos que não aprendiam. Quando procurei ajuda dos companheiros de profissão, invariavelmente, esta era a resposta:

“Eles não conseguem acompanhar o ritmo das aulas. Têm dificuldades de aprendizagem. Alguns até são deficientes”.

Procurei a causa do insucesso escolar de alguns dos meus alunos. Alguma explicação deveria haver.  Ou eu encontrava solução e a aplicava, ou mudaria de profissão. Acabei por encontrar três possíveis princípios de explicação.

Havia quem justificasse o insucesso com base na teoria dos dotes, que um senhor norte-americano havia inventado. Outros autores atribuíam o insucesso a razões de natureza sociocultural, ou econômica:

“Eles são pobres. Os pais são analfabetos. Eles não têm livros em casa”.

Medidas de educação compensatória, como as de Froebel, nos primeiros jardins de infância das favelas alemãs, ou as “Casas dei Bambini” de Maria Montessori, nas favelas italianas, tinham sido experimentadas, há mais de um século. 

Numa escolinha da cidade do Porto, creio ter achado a solução do intrincado enigma – o insucesso era de natureza socioinstitucional. O modelo educacional herdado da revolução industrial do século XIX era o principal responsável pelo fracasso dos alunos e da escola.

Até aos anos vinte, os projetos de educação compensatória mecanizaram, desumanizaram o processo de aprendizagem, desculpabilizando uma escola que não acolhia, nem dava resposta à diversidade. No julho de vinte e três, Zara, secretária do ministério afirmava que “a Escola era a primeira experiência de crianças negras com racismo institucional”, Finalmente!

No Distrito Federal dos idos de vinte, professores pediam exoneração do cargo, após dois ou três anos de Bournout. O bem-estar da pessoa do professor era afetado pelo desencanto de situações-limite.

“Pega esse e esse, e passa-os de “esses e esses” para ela! 

Eu era a professora nova. Eu ia com a ideia de ser uma boa professora. Davam-me uma turma de 30 alunos. 

As mães diziam que eu passava pouco dever de casa. E eu deixava de lado algumas crianças, porque sentia que algumas crianças não davam trabalho. Mas também não aprendiam. Eu tentava ensinar trinta, mas…”

Na Escola-Classe 7 do Gama, participei num encontro de educadores cuidadores de educadores. Retomei projetos suspensos pela Covid e por um governo de má memória. E confirmei algo que, até então, só suspeitara. 

Já deixara para trás quixotescas tentativas de transformação, muitos anos de andarilhagem, anos a fio a cuidar de outros, sem tempo para cuidar do próprio. Continuava sendo um europeu que confirmava o que Darcy afirmou: “O Brasil não é para amadores” – quanto mais conhecia o Brasil, menos o entendia. Réstias de etnocentrismo me condicionavam atitudes. E, em envolvido em querelas mais ou menos pedagógicas, eu havia perdido a serenidade. Quem me ajudaria a serenar? Quem agregaria o seu saber cuidar ao meu saber-fazer? 

A Educação que se fazia na Escola da Modernidade carecia de uma ética do cuidar. Numa das personificações a que recorri nas cartinhas para a Alice, tentei explicar o que isso era:

A heráldica representa o pelicano de pé, asas abertas, abrindo o peito com o bico, dele escorrendo gotas de sangue com que sustentam os filhos. 

É verdade que algumas espécies chegam mesmo a deixar-se devorar pelas suas crias. Morrem para dar vida. O pelicano o fazia, se preciso fosse, para que os filhos não ficassem órfãos de ternura. 

Vede quanta bondade cabia nas asas de um pelicano! 

 

Por: José Pacheco

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