Moninho, 11 de novembro de 2041
Pois é! Pois era. Eram dois mundos separados por duas visões de mundo. Um deles discutia o clima submetido ao poder econômico. O outro condicionava e submetia a economia as questões maiores do clima e da vida. O primeiro, no ar-condicionado. O segundo, nas ruas, enfrentado a polícia.
Pois é! O “Verão de São Martinho já não era como antigamente”, como vociferava o compadre Clemente, voltado para a tv da tasca da Maria Morcega.
Eu o escutava, enquanto conversava com dois “doutores” em meteorologia popular. Nem deveria aplicar umas aspas, porque eram mesmo mestres no ofício de prever que tempo faria na semana seguinte, se era tempo propício ao semear, se ao colher. Já não viviam do uso de tal sabedoria, mas mantinha o hábito de passar horas a fio jogando a bisca lambida. Não aspiravam a ser ricos de dinheiro.
Certamente, todo mundo conhece a história do pescador que, tendo acabado de pescar três peixes, considerava ser alimento suficiente para a família, naquele dia e ia para casa, saborear o dia, saborear a vida. Alguém, contando essa história, acrescentou que esse pescador era um “selvagem”. Mas seria selvagem quem recusava ter a subjetividade industrializada, quem se mantinha alheio aos ditames de uma economia predadora?
As lojas anunciavam os presentes para o Dia das Crianças, para o Natal, ou para assinalar outras efemérides apaziguadoras da febre consumista. As montras estavam repletas de Barbies e laptops da Xuxa. Um pai ofereceu um celular de última geração à filha, que acabava de completar cinco anos de idade.
O Brasil ocupava o primeiro lugar entre todos os países do mundo que praticavam cirurgia plástica para jovens. O jornal A Folha de São Paulo noticiava a venda de sutiã com enchimento para meninas de seis anos! Uma cidade brasileira, símbolo do desenvolvimento econômico, contava, em 1960, com seis livrarias e uma academia de ginástica. Decorrido meio século, tinha mais de sessenta academias de ginástica e três livrarias. A mesma cidade registrava um índice significativo de endividamento dos jovens.
No auge do triunfo do hedonismo, a felicidade se restringia à satisfação de desejos reciclados. Para os escravos do consumismo, renunciar a alguma coisa prazerosa parecia significar perda de liberdade. Talvez nunca tivessem olhado os lírios do campo…
Ninguém nasce consumista. O consumismo era um hábito mental instalado.
Ensinávamos os nossos alunos a prevenir a obesidade mórbida, ou a distinguir música de lixo sonoro? Ajudávamos os jovens a defenderem-se da febre consumista? Onde estaria a educação para um consumo crítico, inteligente? Quando se ensinaria a comer, a consumir, quando se aprenderia a viver? Se não aprendêssemos na escola, onde e quando iríamos aprender?
Dar a conhecer os perigos do fast food era tão ou mais necessário quanto o saber colocar a pontuação correta num texto. Desenvolver a sensibilidade do aluno, de modo a que ele fosse sensível a uma suíte de Bach era tão necessário quanto saber fazer multiplicações por dois algarismos.
Os 20% mais ricos da população mundial consumiam 86% de todos os serviços e produtos. Os 20% mais pobres consumiam apenas 1,3%. Os Estados Unidos, que tinham 5% da população mundial, utilizavam 25% dos recursos mundiais. Poderíamos Ignorar que o crescimento econômico e social, da forma como acontecia, promovia o acúmulo de capital, de modo excludente e com impactos ambientais irreparáveis?
Insistindo no óbvio: para que as novas gerações usufruíssem de uma boa qualidade de vida, não seria necessária… uma nova e boa educação?
Por: José Pacheco