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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCV)

Arraial d’Ajuda, 14 de julho de 2043 

Como, ontem, vos disse, nos idos de vinte, um aumento significativo de alterações climáticas provocava a eclosão de novos fenômenos. E as crianças não ficaram imunes aos efeitos da degradação ambiental – novos fenômenos as afetaram: “privação de Natureza”, “ecoansiedade”, sedentarismo, aumento da violência, de bullying e cyberbullying … 

Se as escolas eram as pessoas e se o meio ambiente era composto por elementos naturais e humanos, que interagiam entre si no espaço, um dos modos de cura ambiental seria considerar que toda a educação era ambiental.  Porém, os negócios educacionais, que mercantilizavam a Escola Pública, não manifestavam interessse por assuntos de escasso lucro. Quedavam-se por inúteis formações e congressos “socioemocionais”. 

Evidências científicas se acumulavam sobre os prejuízos para a saúde decorrentes da degradação ambiental, agravada pelo uso precoce, excessivo e prolongado das tecnologias digitais, durante a infância e adolescência. 

Talvez não fosse do conhecimento dos desgovernantes de então este repositório de perdas e perigos. Nesse tempo, o Brasil contava mais de dez milhões de pessoas passando fome. A insegurança alimentar aumentara e atingira um terço da população do país. Era gravíssima a situação, pois 73% das escolas ditas públicas estavam localizadas em áreas de risco hídrico, geológico e de vulnerabilidade social.

Nas escolas-prédios, eram injetados projetos: de educação ambiental, mas o efeito de estufa aumentava, a Amazônia encolhia, espécies eram extintas e geleiras derretiam. Projetos de educação sexual não obstavam a que estudantes universitários estuprassem colegas, durante o trote. Havia projetos de educação para o trânsito e para a saúde, mas as estradas eram cemitérios e a obesidade mórbida aumentava. Até havia projetos de educação para a paz, num tempo em que crianças e professores eram assassinados dentro das escolas-prédios.

Muitos saberes tinham sido extintos, ao longo de uma era a que o vosso avô dera o nome de “Proto-história da Humanidade” e que o Paulo nos recordara.

Em 1755: num terremoto, que destruiu Lisboa, mais de 70.000 volumes da Real biblioteca de Portugal foram perdidos. 

Em 1813: durante a Batalha de Washington, 3 000 livros foram usados pelas forças inglesas, para incendiar o Capitólio.

Em 1851: a Biblioteca do Congresso, uma das principais bibliotecas dos Estados Unidos, sofreu com um incêndio que queimou 35.000 livros

Em 1873: a Sociedade Nova Iorquina para a Supressão do Vício, uma organização fundada para combater a imoralidade, tinha como símbolo um desenho representando a queima de livros. 

m 1879: na Biblioteca Central de Birmingham, houve um incêndio que consumiu praticamente todo o acervo da biblioteca, poupando cerca de 1.000 dos 50.000 volumes. 

Entre 1914 e 1920: na União Soviética, houve queima de um número indeterminado de “decadentes obras da literatura ocidental”. 

Em 1933: 40 mil livros foram destruídos pelos nazistas na “Grande Queima”. 

Na Varsóvia, a

Em 1944:  a Biblioteca Załuski, ardeu em chamas com a destruição provocada pelos nazistas. 

Em 1950: durante o “macarthismo”, muitas bibliotecas dos Estados Unidos queimaram livros considerados “comunistas”. 

Em 1973: após o golpe militar no Chile, livros considerados subversivos foram queimados.

Em 1998: 55.000 livros da Biblioteca Pública afegã Poli-Khomri foram destruídos por talibãs. 

Em 2015: no Iraque, o Estado Islâmico queimou milhares de livros, destruiu bibliotecas privadas e a da Universidade de Mosul.”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCIV)

Caraíva, 13 de julho de 2043

A Vida me fez amigo de extraordinários seres humanos. Entre eles, o Paulo, um empresário, que pretendia criar a “Escola Um de NÒS” e abrolhava filantropia em comunidades carentes.

Presentiou-me com um precioso texto. Consegui disponibilizar algumas horas do escasso tempo que me restava de quotidianos afazeres, para ler (e reler) relatos quase-autobiográficos. Agradeci, disse-lhe que, algum dia, lhe contaria uma estória que, quando terminava, só poderíamos ficar em silêncio. E o aconselhei a enviar para publicação a sua obra.

O texto do Paulo contrastava com o inundar a comunicação social com péssimas notícias:

“Diante da semana mais quente já registrada, a ONU soa o alerta mundial e aponta: “as mudanças climáticas estão fora de controle”. Na terça-feira, a média da temperatura no mundo foi de 17,18 graus Celsius, superando o índice do dia anterior, que já havia sido um recorde.

Ciclone põe em perigo maioria das cidades gaúchas e 1/4 das catarinenses. Municípios estão em alerta vermelho do Inmet para tempestade e/ou vendaval; no RS, aulas foram suspensas.

São Paulo terá frio, vento de 90 km/h e sensação térmica de 4ºC até sexta.”

O amigo Paulo encerrava o seu livro com uma lista de “perda de saberes”. Quero crer, ainda hoje, que se tratava de uma denúncia da cupidez humana, acumuladora de riqueza e de poder, depredadora de património. Com a devida vénia e manifestação de gratidão ao amigo Paulo, nesta e na cartinha de amanhã, dar-vos-ei a conhecer uma extensa lista de “SABERES PERDIDOS”.

Em VII ac: de acordo com o Tanach, o rei Joaquim de Juda,queimou trecho de um manuscrito que havia sido ditado pelo profeta Jeremias a Baruch ben Neriah  De 213 a 26 A.C.: na dinastia Qin, livros que fossem contrários à ideologia legalista dominante foram queimados. 

Em 48 A.C.: a biblioteca de Alexandria, que continha uma coleção de mais de nove mil manuscritos, foi queimada. 

Em 326: no primeiro Concílio de Nicea. muitos livros e textos foram considerados apócrifos.

Em 367: o Bispo Atanásio de Alexandria enviou uma carta aos seus fieis, na qual pedia que monges egípcios destruíssem escritos inaceitáveis, com exceção daqueles listados por ele de “aceitáveis” e canônicos, lista essa que constitui o atual Novo Testamento. 

Em 435: Cirilo de Alexandria, queimou todos os livros de Nestório. 

Em 587: após sua conversão ao cristianismo, Recaredo I, rei dos visigodos, ordenou que todos os livros arianos fossem recolhidos e queimados. 

1193: ano em que os Invasores turcos destruíram a biblioteca de Nalanda, importante acervo da filosofia budista. 

Em 1204: A Biblioteca Imperial de Constantinopla foi destruída pelos cavaleiros cruzados. 

De 1244 a 1258: queima dos manuscritos judaicos da biblioteca de Bagdá. 

Em 1307: O rei Felipe induz o Papa a condenar os templários por heresia, e começa a caçada e a queima de livros. 

Em 1439: de acordo com o Códice Florentino, Itzcoatl ordenou a queima de todos os documentos históricos e religiosos, alegando que “não era sábio que as pessoas conhecessem as pinturas”. 

Em 1499: a Inquisição Espanhola queimou 5.000 manuscritos árabes, em Granada. 

Em em 1562: o bispo Diego Landa tratou de incinerar a grande maioria da documentação escrita maia, por conta de sua origem pagã,. 

em 1640: nas regiões regiões católicas na Alemanha, traduções da Bíblia de Lutero foram queimadas. 

Em 1730: O Arcebispo de Salzburgo supervisionou a queima de todos os livros

Protestantes, que conseguiu encontrar. 

É imenso o rol de saberes perdidos, resultante do intenso labor do amigo Paulo.

Amanhã, o retomaremos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCIII)

Pocinhos do Rio Verde, 12 de julho de 2043

Fui em romagem ao lugar onde, há 67 anos, o projeto Fazer a Ponte nasceu. Depois, passei o rio e subi a encosta de Negrelos, para visitar o novo edifício da Ponte. No hall de entrada, um pequenito de uns três ou quatro anos me pergunta:

“Quer ver a nossa escolinha? Quer que eu mostre?”

As crianças da Ponte eram cicerones dos visitantes. Tudo mostrava e explicavam às visitas. Dei um beijinho ao miúdo, agradeci e ia dizer-lhe que já conhecia a escola, quando a Dona Helena se aproximou:

“Ó, Professor, por aqui? O que o traz por aqui?”

Apercebendo-se de que a criança continuava a fitar-me com curiosos olhos, a Dona Helena perguntou:

“Sabes quem é este senhor?”

“Não sei.”

“É o Professor Zé.”

“Ah! Sei. Foi professor do meu avô.”

 A vida é uma breve aventura. Na minha provecta idade, sinto que o tempo foge, enquanto a eternidade avança, se aproxima o tempo de partir. Houve um tempo em que eu evitava perguntar por onde andariam os amigos.

“Tens visto a Margarida?”

“Morreu. Há já uns dois meses. Não sabias?”

Não sabia. Só no tempo das redes sociais as desditosas notícias chegavam quase no momento da ocorrência. O amigo Brandão falecera. Com ele estivera, antes que a leucemia o minasse. Conversamos sobre a sua visita ao Rubem, pouco tempo antes de esse amigo comum partir para a eternidade.

No reatar de mais um período de tratamento, nos enviava palavras feitas de cansaço:

“GENTE AMIGA DE PERTO E DE LONGE,

Agora que posso estar por um pouco mais de tempo sentado diante do computador, escrevo a vocês de forma mais completa.

Há pouco mais de um mês voltei do hospital (e da UTI) para casa. Estive lá cerca de dois meses, deitado em uma cama e tomando uma quimioterapia que para dar conta de minha leucemia, quase me leva também.

Estou 20 quilos mais magro, alguns meses (que parecem anos) mais velho e muito enfraquecido. Um terapeuta me ajuda a recuperar movimentos. Estou precisando reaprender quase tudo o que pensei que já sabia: andar, comer, escovar os dentes, escrever, etc.

Em casa, estou entre a cadeira de rodas e o andador. Espero voltar a caminhar com bengala logo. Uma caminhada em casa, de 20 metros me cansa mais do que quando eu (andarilho inveterado) passava dias entre trilhas. Eu, que escalei o Dedo de Deus, participei da equipe de conquista do Paredão Baden-
Powell e fiz o Caminho de Santiago. Sendo eu um frequentador de acidentes graves e de cirurgias, acho que haver chegado à esta idade é uma bênção, se não for um milagre.

Estou velho, magro e feio. Mas vivo ainda! De repente me vejo sendo cuidado. Dependo de outras pessoas para quase tudo. Aos 83 anos, me vejo como se
tivesse 3 anos. 

Depois do agito de 2021, com as inacabáveis lives ao redor do Centenário de Paulo Freire, eis que, doente, vivo dias extremamente tranquilos. E os aproveito para fazer o que sempre foi a minha quase maior alegria: ler e escrever. Leio e releio livros de autores que sempre me tocaram, entre a poesia, a espiritualidade, e a antropologia. Ouço música, desde a clássica até modas de viola. 

E escrevo desmesuradamente. Depois dos livros voltados à educação popular, abri o leque dos meus desejos e imaginários, e entre a poesia e a antropologia, me vejo, aos 83 anos, como quem “alça voos do espírito”.”

Na UNIPROSA se lamentava a perda do amigo:

“Muito triste! Dor profunda! Paulo Freire dizia que Brandão era o homem mais “humano” que ele conhecera. Que siga em paz pelos caminhos do Infinito!

Perda grande, seu legado é uma relíquia e seu testemunho de pessoa humana é inesquecível.  Sua simplicidade, atenção e autenticidade ficaram gravados em minha mente e coração.”

 

 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCII)

Mogi das Cruzes, 11 de julho de 2043

No Brasil, só poderemos falar da existência de uma rede escolar pública, a partir de 1930. Mas poderíamos falar de Escola Pública num país em que a rede pública de ensino era geradora de abandono intelectual? 

Sim. Lestes bem. O “índice de desenvolvimento da educação básica”, as classes de reforço, a fuga à matrícula, o êxodo de alunos para o “ensino particular” e para “escolas alternativas”, analfabetismo crônico, propostas de homeschooling na câmara dos deputados… eram explícitos reveladores da falência do sistema de ensinagem. 

O direito (constitucional) à educação era negado à maioria dos alunos das escolas de sala de aula. Em cada cinco matriculados no primeiro ano de escolaridade apenas um concluía um curso universitário. O modelo da ensinagem imposto pelo Estado às escolas obstava ao cumprimento do disposto na Constituição. 

Dados divulgados pelo Ministério da Educação apontavam para milhões de jovens abandonando o ensino fundamental. Diria que não eram os jovens que o abandonavam, os jovens eram abandonados pelo Estado. Os elevados índices de evasão escolar e a deterioração das políticas públicas de educação não seriam indícios de… abandono intelectual? Essa anómala situação não configuraria “abandono intelectual”? A sala de aula não seria locus de “abandono intelectual”? Cadê o cumprimento do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente?

Na letra da lei, o ECA assegurava, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais das crianças referentes à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária… à educação. Na prática, no chão de escola, o direito fundamental à educação não era assegurado. 

O direito à educação era parte de um conjunto de direitos sociais, que tinham como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. Em 1988, as responsabilidades do Estado foram repensadas e promover a educação fundamental passou a ser seu dever. E o artigo 205º da Constituição consagrava o direito da pessoa ao pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 

O artigo 208º dizia-nos que o dever do Estado com a educação seria efetivado mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, bem como pelo acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Todos, sem qualquer distinção, tinham (por lei!) direito à educação e, especificamente, à educação escolar, regulamentada pela LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 

Por seu turno, o artigo 55 da Lei 8.069 estabelecia:

“Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. 

Uma notícia dizia que tinha sido mantida a condenação de uma mãe que “deixou de prover à filha o direito de estudar”. Acusaram-na de prática do crime de “abandono intelectual”. Mas, em tempo de pandemia, as filhas da Kátia e as dezenas de crianças do seu bairro estavam sem contato com a escola, há mais de três meses. Essa situação não configurararia, também, “crime de abandono intelectual”?

Esse crime constava do Código Penal. A Escola do Estado teria o direito de condenar milhões de jovens ao insucesso na escola e na vida? Teria direito de, impunemente, contrariar o Direito? Não reconhecia a mesma lei o “direito da criança e do adolescente à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa”

Dizia-se que o Brasil contava mais de um mmilhão de leis. Mas, parecia que só a lei da gravidade se cumpria.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCI)

Barra do Garças, 10 de julho de 2043

Nesta cartinha, completo o episódio dos idos de setenta, acrescentando-lhe reminiscências de cartas e outras mensagens. 

Tentei sossegar as minhas colegas professoras, explicando-lhes o que era “o tal de projeto” e me predispus a com elas reunir. 

Nas manhãs de sábado daquele tempo, os professores eram obrigados a fazer uma reunião de “Conselho Escolar”. Dado que cada professor se refugiava na solidão da sua sala de aula, não havia assunto de conversa comum. Mas, sedentos de companhia, essa reunião propiciava-lhes momentos de sã convivencialidade. Contornava-se o tédio de três horas de reunião, tricotando, comentando episódios de novela das oito, mostrando fotografias tiradas na última viagem, o álbum do casamento da filha mais velha, ou comprando produtos de beleza, que uma das colegas vendia, para compensar o baixo salário.

Eu, que não assistia a novelas das oito, não tinha fotografias para mostrar, nem tinha produtos de beleza para vender, levava o jornal para o ler. E, sempre que propunha debater algum assunto relacionado com o projeto da escola, colegas diziam para eu “ter juízo”, que “fizesse a ata da reunião”, porque, segundo eles, eu “tinha jeito para a escrita”.

Desse e de outros modos se consolidava uma cultura de escola “alheia a projetos”, se perdiam oportunidades de dignificação e melhoria do estatuto da profissão de professor. Por essa altura, teve início a reelaboração da minha cultura pessoa e profissional. E quase fui assassinado.

Foi rápida a reunião e eu pude voltar a casa no mesmo dia. Uma professora foi lendo o “projeto”, enquanto as restantes faziam crochet, ou conversavam sobre a a novela das oito. A certa altura, a leitora disse:

“Levaremos os nossos alunos à lota…”

As professoras pareciam estar alheias à fala da colega, mas estavam bem atentas e comprovei que possuíam uma boa memória dicótica.

“Ora repete lá isso outra vez, ó Joaquina!”

A Joaquina repetiu. E a pergunta veio em coro:

“O que é isso de lota? Eu não sei”.

Interrompi, para informar que lota era um lugar onde se expunha o peixe, quando os barcos voltavam da pesca.

“Estais a ver?” – disse a Joaquina – “Fizemos mal em copiar o projeto das colegas da Póvoa”.

Póvoa era uma localidade junto ao mar. A escola em causa ficava a mais de duzentos quilômetros do mar, mas a criatividade daquelas professoras era imensa. Logo, uma delas sugeriu:

“Não faz mal. Ó Joaquina, apaga a lota e põe a horta”.

E assim ficou um projeto de que o senhor inspetor muito gostou. E que foi parar no fundo de uma gaveta.

Querida Alice, quando nasceste, enviei-te uma cartinha, na qual te prometia a escola sonhada pelos teus pais:

“Entre agosto e setembro, entre o brincar sem cuidados e o ir à escola é só um saltinho de pardal. Dentro de poucos dias, a criança que és há-de ser “aluna”. Presumo que não vás perceber a diferença, mas não ouso afirmar. Quero apenas acreditar que, em 2007, já não sofras os dramas que crianças de outras gerações suportaram. Nasceste no primeiro ano deste século, mas houve alguém que, já no início do século XX, escrevia que aquele seria “o século da criança”. 

Irás fazer novos amigos e conhecer adultos que te ajudarão a compreender o mundo. É sobre esse mundo novo e misterioso, que se abre para os teus olhos de menina curiosa, que eu te venho falar.”

Mas já não seria o teu avô quem cumpriria a promessa feita no início do século. Nos idos de vinte e três, estavas fazendo o teu mestrado em psicologia. Era a tua vez de ajudar a cumpri-la. A profecia constava do livrinho escrito para o teu irmão: “Para os filhos dos filhos dos nossos filhos”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXC)

Caçapava do Sul, 9 de julho de 2043

À distância de duas décadas, é-nos possível avaliar a dimensão dos disparates, que contribuíram para protelar o advento de uma autêntica “Escola Pública”. O que importa dizer-vos é que, em Portugal, se vivia uma situação, no mínimo, caricata.

Estava no Brasil, há menos de uma semana, quando recebi a mensagem de uma mãe de um aluno, preocupada com uma informação recebida via telefone (naquele tempo, lideranças tóxicas evitavam dar respostas por escrito).

“Professor, sou a Dora. Venho pedir-lhe ajuda no seguinte:

Inscrevi o meu filho, unicamente, na escola Rafael Bordalo Pinheiro, acreditando que o projeto educativo dessa escola é aquele que quero para ele.

Recebi um telefonema a informar que o Damião não tinha vaga, porque só existe uma turma de francês, e está completa. 

Respondi que poderia mudar de língua, não me opunha a isso. Ainda assim, não o aceitam. E pediram-me que voltasse a ir ao portal das matrículas e o voltasse a matricular noutra escola.

Claro que não fiz nada disso. Até porque há uma lista de 40 crianças para entrar na Bordalo, à espera de vaga. E pelo menos duas vêm da antiga turma do Damião, o que daria para fazerem uma nova turma, se quisessem… 

Preciso da sua ajuda. Escrevo ao diretor a expor este assunto e pedindo que abra uma turma tendo em conta o número de alunos em espera? Fico quieta? (Porque legalmente a matrícula está feita e eles têm de resolver). O que me aconselha?”

É da natureza de quem é velho o “dar conselhos”. Como ainda não me considerava velho, não os dei, apenas sugeri a essa mãe que dirigisse ao diretor – por escrito e exigisse resposta por escrito – três perguntas:

Por que há “turmas”?

Por que não há vaga e o que é uma “vaga”?

Leu o projeto educativo da sua escola?

Sugeri a essa mãe a leitura da Lei de Bases. Nela se estipulava, por exemplo:

Artigo 2º. – Todos os portugueses têm direito à educação.

Artigo 48º – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa

Artigo 57º – direito da família a orientar a educação dos filhos.

Aquela mãe acreditava ser o projeto educativo daquela escola aquele que melhor corresponderia à educação escolar desejada para o seu filho. Mas, nesse tempo, as escolas ainda tinham turmas e não tinham vagas. Quais seriam os “critérios de natureza pedagógica e científica” que suportavam a existência de “turmas” e a inexistência de “vagas”?  

Projeto Educativo era (melhor dizendo, deveria ser) o documento orientador da ação educativa, coerente com a intencionalidade educativa da escola, fator de fortalecimento de identidade e autonomia, esclarecedor de objetivos e de como se trabalharia para os atingir. Ao longo de mais de meio século, li centenas de projetos. A maioria nem sequer eram projetos, eram mais planos (mal feitos), ou cópias de outros “projetos”. 

Constatei que a maioria dos professores não conheciam o seu conteúdo, nunca os tinham lido, muito menos o analisavam, e muitos eram aqueles que ignoravam a sua existência. Enfim!

Essa absurda situação tem explicação. Dar-vos-ei um exemplo de causa remota.

Decorria a década de setenta, quando uma colega me telefonou. Era assunto urgente:

“Olha, Zé, estamos aflitas. Passou por aqui um inspetor, perguntou pelo nosso projeto. A gente sabe lá o que isso é! Tu, que andas lá pelo sindicato, poderás ajudar-nos? Sabes fazer isso? O homem disse que ia voltar, no mês que vem, e que quer ver o tal de projeto. O que é isso? Ele disse que saiu uma lei…”

Amanhã, vos contarei o que aconteceu.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXIX)

Comunidade de Aprendizagem da Lagoa das Amendoeiras, 8 de julho de 2043

“Zé, tratam tão mal as crianças! É preciso pôr a boca no trombone.” – assim a Maria concluía a mensagem, que transcrevi na cartinha de ontem. 

Como vos disse nessa cartinha irei contar-vos como entramos na “Idade da Educação”, começando por descrever a etapa final do modelo dito “tradicional”, que se reproduzia como uma praga.

Como se daria uma espécie de mutação genética do sistema educacional? Einstein e outros “maus alunos” eram um início de resposta. Se lêssemos as biografias de grandes vultos da humanidade, concluiríamos que quase todos contornaram a escola, que foram grandes… apesar da Escola. De uma Escola que atravessava uma crise de legitimidade. Já não era o único lugar de produção de conhecimento, mas, apesar da sua mesmice, libertava talentos que transformavam o mundo e alcançavam a dignidade de um Nobel. 

A Escola dos idos de vinte era uma instituição caduca, formatada num modelo de sociedade caduco. Iríamos redescobrir o seu sentido e reconfigurá-la. Ensaiei um princípio de explicação da reformatação no “Pequeno Dicionário dos Absurdos em Educação”, que a Artmed publicou, em 2009. 

Nesse livrinho, tentei entender por que razão a Escola Prussiana se mantinha viva e ativa e perspetivei modos de a redimir:

“Consciente de que “as oportunidades de sobrevivência digna estarão cada vez mais condicionadas pelas possibilidades de criação e multiplicação de redes de conhecimento”, Schwartz (em “As Profissões do Futuro”) resume em três palavras o que a Escola (enquanto construção social) deveria considerar como esteios de projeto: rede, conhecimento e cidadania.” 

A prática da maior parte das escolas terá alguma coisa a ver com isso?  

Agências internacionais investiam na inovação tecnológica, depreciando as capacidades da pesquisa educacional. Os financiamentos patrocinavam, prioritariamente, outras áreas de desenvolvimento humano, porque, apesar dos biliões gastos em estudos, os resultados são dececionantes e a pesquisa em Educação era como “saco sem fundo”. 

Nas últimas décadas, tinham sido esbanjados recursos em “estudos” que nada acrescentaram à qualidade das práticas escolares. Dos estudos maiores aos menores, quase todos incidiam em escolas onde nada se criava e tudo se copiava, produzindo conclusões em circuito fechado. 

Os pesquisadores adotavam um léxico velho de séculos, jogavam com conceitos obsoletos, reinventavam terminologias e nomenclaturas, reescreviam literatura próxima da de ficção científica. O fosso entre a teoria e a prática mantinha-se, aprofundava-se.

O saudoso João dos Santos, pedopsiquiatra, companheiro de estudos de Walon e Pieron, falava-nos da sua tristeza quando, ao voltar em crescido à escola para ver novamente as peças de teatro que um dia havia representado, constatou que tudo se mantinha inalterado e que os professores continuavam a falar em discursos vazios e como únicos donos do saber.

A Velha Escola agonizava. Mais “data show” menos pau de giz, em pleno século XXI, mantinha-se tributária de necessidades sociais do século XIX. Desperdiçávamos a competência de muitas gerações de professores, mas ainda seria possível suster a tendência para, ciclicamente, a Velha Escola se disfarçar de “inovadora”. Bastaria a amorosidade e a coragem política, uma efetiva autonomia das escolas, e tempo para avaliar práticas que rompessem com velhos vícios. 

Foi isso mesmo o que aconteceu, entre meados de vinte e três e o final de vinte e quatro. 

Netos queridos, ficai atentos às próximas cartinhas.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXVIII)

Maricá, 7 de julho de 2043

Nas décadas de setenta e oitenta, a Ponte organizava “colónias de férias”. Centenas de crianças passavam os meses de “férias” num lugar junto ao mar. Mesmo morando a cerca de 30 quilómetros do mar, muitas delas, tal como os seus pais, nunca tinham estado numa praia. 

A associação de pais estabelecia acordos com escolas de Vila do Conde e da Póvoa, e montava cozinhas e dormitórios. 

Na areia, a autodisciplina dispensava imposições, e a autoridade dos professores, pais e monitores não se confundia com autoritarismo. 

Não demorou que outras escolas organizassem as suas colónias de férias. Porém, os perigos resultantes da permanência num local aberto, davam origem a preocupações que professores dessas escolas resolviam com gritos e castigos. Isso não impediu que uma criança de uma escola próxima morresse afogada.

A quase meio século de distância do infausto acontecimento e de outros absurdos balneares, que observara a partir da colónia da Ponte, a sempre atenta e, legitimamente, crítica, Maria me dava conta do que, por sua vez, observara numa praia portuguesa, nos idos de vinte e três. 

“A praia escolar segue a métrica macabra dos muros da escola, mas com para-ventos. As coisas que as educadoras dizem são dignas de registo. Uma diz: “Sais da areia, agora, ou…!” E a criança olha-a com um ar confuso.  

Lembrei-me muito de ti e do quanto irias gostar de aqui estar. São várias escolas, cada qual com uma enorme vedação de para-ventos. Agora, uma educadora deu uma sapatada leve na cabeça de uma criança com no máximo três anos, porque ela demorou a pôr a mochila. Todos gritam, num estado de nervoseira, porque vem aíi o autocarro, para os levar de volta para o colégio. 

A newsletter, que o colégio enviou para os pais a pedir 120€ pela semana de praia, tem fotos de crianças sorridentes.”

Durante um ‘Jornal da Noite’, o locutor protagonizou um momento marcante, quando teve que dar a notícia do caso de Jéssica, uma menina que foi brutalmente agredida e que acabou por morrer, após ter sido mantida em cativeiro por vários dias na casa da suposta “ama”.

Após um curto intervalo, o bloco principal de notícias recomeçou: 

“E voltamos com um dos casos mais tenebrosos que tive de noticiar em toda a minha carreira. Foi hoje ouvida em tribunal a mãe da menina que morreu vítima de agressões monstruosas.”

Chocada com as agressões que encontrou no corpo da menina, uma inspetora da polícia confessou: 

“Estou nos Homicídios há 10 anos e nunca vi um caso assim. A menina foi entregue à tortura pelos próprios pais, supostamente devido a uma dívida relacionada à bruxaria ou drogas.”

Netos queridos, eu sei que ficais incomodados, quando abordo estes assuntos. Mas é por bem que o faço. Em 2043, a quem interessará ocultar a miséria moral dos idos de vinte e três? A corrupção e o ódio eram fenómenos estruturais e estruturantes de uma Sociedade doente e de uma Família não disfuncional (como os teoricistas a designavam), mas que perrdera os contornos de antanho e disso não se apercebia.

Contrariando a afirmação do Brandão (ou de Freire?) – “a educação não muda a sociedade, muda as pessoas, e as pessoas mudam a sociedade” – se a sociedade não mudava a educação, a educação não mudaria as pessoas, e as pessoas não mudariam a sociedade. Num círculo vicioso alimentado por obsoletas práticas escolares, a escola reproduzia múltiplas violências, adoecia os professores e levava jovens a praticar automutilação.  

Seria na Escola que esse vicioso círculo viria a ser interrompido, em diálogo com a Família e a Sociedade. Irei contar-vos como entramos na “Idade da Educação”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXVII)

Sorocaba, 6 de julho de 2043

Netos queridos, eu sei que podereis pensar que eu exagero e que os absurdos de que vos venho falando são fruto da imaginação. Mas, desumanas práticas sociais se sucediam, sem fim à vista. Hoje, vos darei mais dois exemplos.

Um aluno contou ao pai que um professor o havia repreendido. Um homem, que se identificou como delegado da Polícia Federal, chegou à escola numa viatura da corporação, agrediu o docente e apontou a arma para a sua cabeça. 

Também por essa altura, o Movimento Humaniza denunciava uma empresa que criava situações de aparente militarização de crianças. Havia quem inculcasse em jovens seres o culto da violência.

Esse movimento protocolou a denúncia junto do Ministério Público e da Procuradoria de Justiça da Infância e Juventude, pois, o aliciamento de jovens para práticas nocivas ao seu pleno desenvolvimento físico e psíquico indiciava grave infração do “Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Se, em 2043, disso vos falo é para que essa quotidiana tragédia não se apague da memória dos homens. Falo-vos dos conturbados tempos vividos num Brasil doente, que o meu amigo Joelmir assim descrevia, nos idos de 2019: 

Vivemos o vazio deixado pelo apodrecimento do velho paradigma – que já não nos serve, não por ser velho, mas por negar violentamente a vida humana e não humana – e o parto inconcluso de um novo paradigma, em andamento, e que nos permitirá vencer o medo e reaprender a amar. 

Em outras palavras, vivemos tempos de desesperança e medo, porque o contrário do amor não é o ódio, mas o medo. O ódio é, tão somente, reflexo, decorrência do medo. 

A questão central aqui é: chegamos a um nível tal de adoecimento [individual e coletivo] e de imperativo da cultura do medo, que nosso maior desafio no século XXI passou a ser reaprender a amar.” 

O meu amigo Rui Canário dizia-nos que, quando analisávamos o mundo em que vivíamos, quando assistíamos à degradação do ambiente natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais fenômenos eram consequências de uma determinada escolarização da sociedade. E de que seria necessária e urgente uma nova escola, para um novo mundo,

Quando os meus amigos teoricistas comentavam a barbárie, eu perguntava: Qual será a nossa quota-parte de responsabilidade? Como teríamos contribuído para a emergência desses tempos de desesperança e medo?

O teoricismo era a doença infantil das ciências da educação, uma espécie de cegueira mental que o Saramago, metaforicamente, glosava como cegueira social. No seu “Ensaio sobre a Cegueira”, apelava ao dever moral dos que enxergam, usando a expressão “cegueira branca”. Não se referia à cegueira física, mas à cegueira moral, uma peculiar “patologia”, e usava o termo para representar o recusar ver: 

O medo cega, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos.” 

Sendo a cegueira social uma sutil forma de alienação, o escritor convidava-nos a uma reflexão sobre o estarmos cegos: 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” 

Talvez fosse intenção do autor recorrer à palavra “repara” numa dupla conotação: ao ato de saber “ver”, de saber “escutar”, e ao ato de “reparar”, de nos posicionarmos, agir, para corrigir. 

Por volta do mês de julho de há vinte anos, gestos de ternura e o exercício de antroposófica sensibilidade ficavam em Sampa, enquanto eu rumava a Maricá, ao reencontro de um lugar de crianças e adultos felizes.

Uma Alma Gentil percorria steinerianos caminhos de humanização, preocupada com o abandono a que muitos jovens eram votados e acreditando na remissão de humanos pecados. 

Afinal, nem tudo estava perdido.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXVI)

Votorantim 5 de julho de 2043 

No julho de vinte e três, fui até Votorantim, aprender com secretários de educação e educadores da região como fazer educação integral. Por essa altura, uma notícia aparecia na comunicação social em lugar de relevo, com títulos e subtítulos em carateres grossos:

“A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei, que estabelece o Programa Escola em Tempo Integral.”

Mais uma vez, a montanha paria um rato… 

Já dizia o Piaget que a Educação era a única área das ciências humanas em todo mundo se sentia competente para dar opinião. Os deputados da nação metiam no mesmo saco “educação integral” e “escola de tempo integral”, e não tinham noção do ridículo das suas intervenções. A minha amiga Jaqueline assim comentava o “mal menor”: 

“Seja lá o que entendam por “ensino integral”, significa que conseguimos colocar na agenda deste país as ideias e ideais da ampliação da jornada escolar. Lutemos cotidianamente por escolas de educação integral em jornada ampliada.”

Para quem, porventura, não saiba, a Jaqueline havia coordenado um programa chamado “Mais Educação”, que tinha por objetivo a indução da construção da agenda de educação integral nas escolas da rede pública, ampliando a jornada escolar. Ela nos dizia que a escola, face às exigências da Educação Básica, precisava ser reinventada. 

Deveriam ser priorizados “processos capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos, cooperativos, preparados para diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida”. 

A escola tinha, diante de si, o desafio de sua própria recriação, pois os rituais escolares eram “invenções de um determinado contexto sociocultural em movimento”. 

A proposta educacional da escola de tempo integral visava “promover a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar (…) alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social, e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis”.

A minha amiga Jaqueline não se cansava de zurzir naqueles que, através de “malabarismos pedagógicos, invencionices curriculares e projetos de lei”, perenizavam um modelo educacional causador de desigualdade:

“A pobreza e a miséria em que vivem milhares de crianças são diretamente responsáveis pelas descontinuidades, reprovações, evasões que vivem ao longo da sua vida escolar (…) Não existe pedagogia salvacionista. Quem vende isto mente”.

Em Portugal, a “jornada ampliada” transformara a rotina das crianças numa dose dupla de tédio. Já não bastava a pasmaceira da sala de aula, ocupava-se o tempo (que deveria ser) livre nas chamadas AEC, “atividades de enriquecimento curricular”, atividades de conteúdo pobre – de enriquecimento curricular, nem vê-lo! – não passavam de uma versão mais barata do que o velho OTL (ocupação dos tempo livres). Tratava-se de atividades de desculpabilização curricular mal pagas a monitores, na sua maioria, sem qualquer preparo para a função. A isso se juntava o “apoio às famílias”, uma espécie de prolongamento da tarefa de “babysitter”, ou de um suave cárcere. E… cadê a “educação integral”?

Quando o dom do desapego me permitiu passar da ribalta para os bastidores da mudança, os educadores da ARCA asseguraram continuidade dos projetos, foram obreiros de uma nova educação, escapando a armadilhas como a de um “tempo integral” sem educação integral.

 

Por: José Pacheco

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