São Cristóvão, 23 de junho de 2043
Vai para uns vinte anos, um senhor chamado Jorge dizia que, com a inteligência artificial fazendo aquilo que era codificável, genérico, nós iríamos ter “um desemprego brutal e muitos novos empregos”. E foi isso que, em parte, aconteceu, em meados da década de vinte – o desempregado não tinha condições de assumir os novos empregos.
Quando a Escola preparava para o mundo do trabalho, a que trabalho se referiria? Ao dos empregos existentes no início dos anos vinte? Há vinte anos, os futurólogos afirmavam que, no final dessa década, oitenta por cento dos empregos de então já não existiriam. Hoje, são raros.
O Mestre Agostinho escrevera:
“O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.”
Quando, no chão da escola, eu perguntava a uma criança o que ela desejava aprender ou queria ser (não “quando fosse grande”!), a resposta era, invariavelmente, esta:
“Eu posso dizer?”
Destituída do dom de perguntar, a criança perguntava se poderia perguntar. Perdera o direito à pergunta, fora privada de curiosidade, proibida de sonhar. Pois já tinha ouvido muitas respostas a perguntas que não fizera.
De novo, Agostinho esclarecia:
“O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.”
A velha e obsoleta construção social de educação – o sistema de ensino – perpetuava-se, servida por funcionários dependentes de hierarquias autoritárias. Mas, nos anos que se seguiram, se a inteligência artificial fazia aquilo que era codificável, genérico, já havia robôs substituindo o dador de aula. O robô dava aula, não fazia greve, nem reclamava “condições de trabalho”.
O “sistema” tinha alcançado a sua fase do absurdo. E o Vasco da Maria era uma das vítimas dessa crítica fase.
Dado que já nada mais havia a fazer para amenizar o drama, quando já todos os paliativos tinham sido aplicados, desesperadas e desesperadoras sessões de “desenvolvimento de inteligência emocional” eram vendidas às escolas. A Internet era fértil em “pérolas” deste jaez:
“Facilito formação a professores. E há um conjunto de questões que me fazem frequentemente. Uma dessas questões que mais me fazem é: Quais são os materiais essenciais para aplicar as estratégias que permitem ter uma sala de aula mais calma?”
Isto de “acalmar” miúdos tem muito que se lhe diga… Mas, há esperança minha gente!!! Existem algumas práticas que com pouco esforço e aplicadas com regularidade ou mesmo na rotina da tua sala, podem fazer uma GRANDE diferença. CLICA “5 Materiais Essenciais para ter uma sala de aula calma”. Vai lá ver tudinho. Estratégias para criares alguns materiais em versão caseira. Vá lá, são 3 minutos de leitura que te vão trazer calma, serenidade e tirar algumas dores de cabeça. Estás à espera de quê?”
É evidente que essa citação não merece comentário. Mas, crede que a Internet estava enxameada destes e de outros disparates-paliativos instrucionistas. E havia quem os comprasse, nomeadamente, educadores ministérios e adjacências.
A inteligência artificial não iria substituir o ser humano, mas exigia uma revisão, pedia a reinvenção e não apenas uma reforma da educação. Era isso que o Jorge reclamava:
“Nós temos que desencadear no mundo um projeto de educação para ontem. E os políticos não estão vendo isso, não estão falando disso.”
Pois não! Tinham andado a falar de uma mítica “Educação do Futuro”, de um futuro de que eu ouvia falar desde há mais de meio século e que tardava em chegar.
Sem passado nem futuro, no junho de vinte e três, uma nova construção social de educação se fez presente.
Por: José Pacheco